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Cidades para quem? : uma caracterização da caminhabilidade em Campinas-SP

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RENAN CAVALCANTI TORICELLI

Cidades para quem?

Uma caracterização da caminhabilidade em Campinas-SP

Campinas 2019

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RENAN CAVALCANTI TORICELLI

Cidades para quem?

Uma caracterização da caminhabilidade em Campinas-SP

Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, para obtenção do título de Mestre em Arquitetura, Tecnologia e Cidade, na área de Arquitetura, Tecnologia e Cidade. Orientador: Prof. Dr. Evandro Ziggiatti Monteiro

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO RENAN CAVALCANTI TORICELLI E ORIENTADO PELO PROF. DR. EVANDRO ZIGGIATTI MONTEIRO. ASSINATURA DO ORIENTADOR ___________________________________ CAMPINAS 2019

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Rose Meire da Silva - CRB 8/5974

Toricelli, Renan Cavalcanti,

1985-T632c TorCidades para quem? - uma caracterização da caminhabilidade em Campinas-SP / Renan Cavalcanti Toricelli. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

TorOrientador: Evandro Ziggiatti Monteiro.

TorDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo.

Tor1. Pedestres. 2. Áreas de pedestres - Campinas (SP). 3. Espaço público. 4. Desenho urbano. I. Monteiro, Evandro Ziggiatti, 1967-. II. Universidade

Estadual de Campinas. Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Cities for whom? - a characterization of walkability in Campinas-SP Palavras-chave em inglês:

Pedestrians

Pedestrian areas - Campinas (SP) Public space

Urban design

Área de concentração: Arquitetura, Tecnologia e Cidade Titulação: Mestre em Arquitetura, Tecnologia e Cidade Banca examinadora:

Evandro Ziggiatti Monteiro [Orientador] Sílvia Aparecida Mikami Gonçalves Pina Joana Carla Soares Gonçalves

Data de defesa: 21-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Arquitetura, Tecnologia e Cidade

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-0940-0743

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/7591933879892215

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE ENGENHARIA CIVIL, ARQUITETURA E

URBANISMO

CIDADES PARA QUEM?

UMA CARACTERIZAÇÃO DA CAMINHABILIDADE

EM CAMPINAS-SP

Renan Cavalcanti Toricelli

Dissertação de Mestrado aprovada pela Banca Examinadora, constituída por:

Prof. Dr. Evandro Ziggiatti Monteiro Presidente e Orientador/UNICAMP

Profa. Dra. Sílvia Aparecida Mikami Gonçalves Pina UNICAMP

Profa. Dra. Joana Carla Soares Gonçalves USP

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e

na Secretaria do Programa da Unidade.

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Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Evandro Ziggiatti Monteiro, pelo aceite na orientação deste trabalho, pela paciência pelo longo tempo necessário para sua conclusão, e principalmente por toda ajuda ao traçar esse caminho tantas vezes tortuoso.

À Profa. Dra. Silvia Mikami e à prof. Dra. Regina Ruschel pelos valiosos comentários na banca de qualificação, que ajudaram enormemente na evolução da pesquisa.

Aos colegas, professores e funcionários do laboratório Fluxus, pelas discussões e ensinamentos enriquecedores ao longo do mestrado.

Aos participantes da pesquisa de campo, cujas inestimáveis opiniões possibilitaram a realização deste trabalho.

E, muito especialmente, ao meu marido, Dr. Leandro César Mendes, por todo seu amor e por estar sempre ao meu lado nos altos e baixos vivenciados ao longo do desenvolvimento deste trabalho.

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in: WATTERSON, Bill. Os dias estão todos ocupados. As aventuras de Calvin e Haroldo. Conrad: São Paulo, 2011 (publicada originalmente em 16 de abril de 1991) A Rua “A rua! Que é a rua? (…) a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! Em Benares ou em Amsterdão, em Londres ou Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é a agasalhadora da miséria (…) A rua é o aplauso dos medíocres, dos infelizes, dos miseráveis da arte (…) A rua é generosa (…) A rua é a transformadora das línguas (…) A rua continua, matando substantivos, transformando a significação dos termos, impondo aos dicionários as palavras que inventa, criando o calão que é o patrimônio clássico dos léxicos futuros. A rua resume para o animal civilizado todo o conforto humano. Dá-lhe luz, luxo, bem-estar, comodidade e até impressões selvagens no adejar das árvores e no trinar dos pássaros.” João do Rio, A Alma Encantadora das Ruas (1910)

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Resumo Andar a pé é a principal e mais democrática forma de deslocamento, correspondendo a mais de um terço das viagens diárias nas cidades brasileiras. De forma geral ao longo do último século, a construção dos espaços urbanos não tem ocorrido de forma a considerar o pedestre como protagonista da vida urbana, com graves prejuízos à mobilidade e à fruição do direito à cidade. Frente a esse cenário, têm crescido nos últimos anos discussões sobre a ideia de caminhabilidade, conceito relacionado às qualidades do ambiente construído que promovem um espaço confortável, seguro e interessante ao pedestre. Entre os principais argumentos favoráveis a caminhabilidade estão os benefícios à saúde, à economia e à sustentabilidade socioambiental. Esse trabalho tem como objetivo caracterizar os aspectos do desenho e da forma urbana relacionados ao conceito de caminhabilidade em ambientes públicos destinados ao pedestre, tendo como objeto de estudo a região central da cidade de Campinas-SP. Após pesquisa em literatura selecionada, trabalhou-se em cinco 'dimensões' de percepção dos espaços: visual, segurança, conforto, funcional e morfológica. Foi elaborada uma metodologia composta de observações estruturadas e não-estruturadas do espaço, trajetos de observação e pesquisas com usuários da região para a composição de um Indicador de Caminhabilidade. Concluiu-se que, apesar das múltiplas variáveis através das quais se pode examinar esse conceito, sua caracterização demanda uma abordagem completa. Nesse sentido, cumprir todos os requisitos de um espaço plenamente caminhável é um desafio complexo que se apresenta a nossa frente. Pretende-se ainda que esse estudo possa auxiliar o desenvolvimento de futuras propostas urbanas com foco no pedestre. Palavras-chave: caminhabilidade, pedestre, espaço público, desenho urbano, Campinas

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Abstract

Walking is the main and most democratic mode of transportation, corresponding to over one third of daily comutes in brazilian cities. In general throughout the last century, the creation of urban spaces did not occur as to consider pedestrians as the protagonist of urban liveliness, with serious losses to mobility and the fruition of the right to the city. Against this scene, there is a growing debate regarding the idea of walkability, concept related to the qualities the built environment that promote comfortable, safe and interesting spaces to the pedestrian. Among the most important arguments in favor of walkability are health, economic and socio-environmental sustentability benefits. This research aims characterizing aspects of urban design and urban form related to the concept of walkability in public spaces intended for pedestrians, having the central área of Campinas-SP as the object of study. Following research of selected literature, the work focused on five ‘dimensions’ of space perception: visual, safety, comfort, function and morphological. A methodology was built composed of structured and non-structured observations of the space, observation paths and interviews with passers-by for the construction of a Walkability Indicator. We concluded that, despite the multiple variables through which this concept may be examined, its characterization demands a wholesome approach. In this sense, fulfilling all the requisites for a fully walkable space is a complex challenge that presents itself ahead of us. It is intended that this research can auxiliate the development of future urban proposals focusing on pedestrians. Key-words: walkability, pedestrian, public space, urban design, Campinas

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PREFÁCIO 11 1 INTRODUÇÃO 13 1.1 JUSTIFICATIVA 17 1.2 OBJETIVO 19 1.2.1 Objetivo geral 19 1.2.2 Objetivos específicos 19 1.3 PROPOSTA METODOLÓGICA E RESULTADOS ESPERADOS 19 1.4 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 20 PARTE I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 21 2 O PEDESTRE NO AMBIENTE URBANO 22 2.1 DA CIDADE “NO JARDIM” AO URBANISMO ”HUMANIZADO” 24 2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPAÇO PÚBLICO 28 2.2.1 A rua como espaço público 29 2.2.2 Qualidades do espaço público 31 3 O CAMPO DO DESENHO URBANO 32 3.1 O ESTUDO DA MORFOLOGIA URBANA 33 3.2 ANÁLISES DA FORMA URBANA 37 3.2.1 A cidade nas ruas – Jane Jacobs 37 3.2.2 A cidade na imagem – Kevin Lynch 38 3.2.3 A cidade na paisagem – Gordon Cullen 40 3.2.4 Outras visões 41 3.3 MORFOLOGIA URBANA NO BRASIL 43 3.4 DIMENSÕES DA FORMA URBANA 44 3.5 A FORMA URBANA NAS TEORIAS URBANÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS 45 3.5.1 Novo Urbanismo 46 3.5.2 Urbanismo Sustentável 47 4 O CONCEITO DE CAMINHABILIDADE 50 4.1 AS VANTAGENS DA CAMINHABILIDADE 52 4.1.1 Saúde 54 4.1.2 Economia 55 4.1.3 Sustentabilidade 57 4.2 QUALIDADES (OU ESTRATÉGIAS) DE DESENHO URBANO RELACIONADAS À CAMINHABILIDADE 58 4.2.1 Compacidade 60 4.2.2 Conectividade 61 4.2.3 Uso do solo 62 4.2.4 Segurança viária 63 4.2.5 Áreas verdes 65 4.2.6 Qualidade do espaço 67 4.3 EXPERIÊNCIAS GLOBAIS 69 4.4 METODOLOGIAS PARA MEDIÇÃO DA CAMINHABILIDADE 72 PARTE II – PESQUISA DE CAMPO 75 5 LEGISLAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO 76 5.1 CAMINHABILIDADE NO BRASIL 76 5.1.1 Legislação brasileira que afeta a caminhabilidade 78

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5.2.3 Campinas no novo século: os Planos Diretores de 2006 e 2016 90 6 METODOLOGIA PROPOSTA 93 6.1 SELEÇÃO DOS ATRIBUTOS 94 6.1.1 A dimensão visual 95 6.1.2 A dimensão segurança 96 6.1.3 A dimensão conforto 96 6.1.4 A dimensão funcional 96 6.1.5 A dimensão morfológica 97 6.2 INSTRUMENTOS DE PESQUISA 97 6.2.1 Observação 97 6.2.2 Questionários 101 6.3 O INDICADOR DE CAMINHABILIDADE 101 7 APLICAÇÃO DA METODOLOGIA 104 7.1 O RECORTE ESCOLHIDO 104 7.2 RECONHECIMENTO DO LOCAL E ENTORNO IMEDIATO 108 7.2.1 Usos, gabaritos e malha urbana 108 7.2.2 Paisagem e identidade 112 7.3 REGISTROS DE OBSERVAÇÃO 115 7.3.1 Descrições 116 7.3.2 Conflitos 122 7.4 APLICAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS 123 7.4.1 Relato da aplicação 124 7.4.2 O questionário 124 8 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO 126 8.1 DIMENSÃO VISUAL 129 8.2 DIMENSÃO SEGURANÇA 129 8.3 DIMENSÃO CONFORTO 130 8.4 DIMENSÃO FUNCIONAL 131 8.5 DIMENSÃO MORFOLÓGICA 131 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 133 REFERÊNCIAS 138 APÊNDICE A 146

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PREFÁCIO

Caminhar pela cidade sempre fez parte do meu cotidiano. Na infância, minha missão quase que diária era ir a pé até a padaria na esquina da minha casa comprar pão e leite para o café da tarde. Dinheiro firme na mão, seguia caminhando pela calçada que também era o lugar das brincadeiras, do andar de bicicleta, da amarelinha. Quando adolescente, e um pouco mais independente, caminhava pelos os morros de Bragança Paulista, no interior de SP, agora em maiores distâncias, os percorrendo os trajetos entre minha casa, a escola, as aulas de inglês, o clube e as ruas do comércio central.

Nessa época, antes mesmo de ter certeza do desejo de prestar vestibular para Arquitetura e Urbanismo, gostava de andar observando as fachadas das casas, os novos comércios que abriam, o movimento nas praças, sempre variando os trajetos a fim de descobrir algo novo. Minha mente viajava, e pensava comigo mesmo como aqueles lugares poderiam ser melhorados: uma pintura diferente, uma entrada mais convidativa, um banco mais confortável, mais árvores que provessem mais sombras... Ao mesmo tempo, me incomodava a impressão de que eu talvez fosse um intruso a traçar aqueles caminhos. Parte do percurso era feito pela rua, pois diversos trechos de calçada estavam ocupados com montes de areia de alguma obra, alguma jardim invasor, um carro irregularmente estacionado, ou outro obstáculo intransponível. Ou então ela nem mesmo existia. Mesmo no centro da cidade, a frequente combinação entre calçada estreita e poste de luz mal posicionado me obrigava a fazer um desvio pela sarjeta, e isso me incomodava profundamente.

Anos depois, já na faculdade, morei em uma república situada num bairro exclusivamente residencial próximo à universidade, e a experiência se repetia. A caminhada até o prédio de aulas era feita na maior parte do tempo pela rua, dada a impossibilidade de andar pela calçada, tanto dentro quanto fora do campus! Como era diferente a cidade que se estudava e que se propunha nas aulas de projeto e de urbanismo da cidade real... "Por que as cidades parecem se importar tão pouco com quem anda a pé?", me questionava. Perceber que as cidades deixaram de ser construídas

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na escala do pedestre me parecia a maior das contradições. Esse incômodo sempre permaneceu comigo.

Alguns anos após a graduação, fui assistir a uma palestra apresentada pelo arquiteto Alexandros Washburn, ex-diretor de Desenho Urbano da cidade de Nova York. Naquela época eu já havia tido a oportunidade de conhecer a cidade, e tinha me apaixonado pelas suas fantásticas calçadas. Na aula, me deparei com uma frase dita por ele logo no início da sua fala: “Para construir grandes cidades, construa grandes calçadas”. Essa fala me causou um grande impacto, de imediato me lembrei das descrições de Jane Jacobs sobre o ‘balé das calçadas’ que havia estudado nas aulas de urbanismo. Esse acabou sendo o estalo inicial para que eu começasse a pensar numa futura pesquisa de mestrado com foco nas calçadas e na sua função na estrutura e no funcionamento das cidades.

Ao longo das pesquisas, conheci o conceito de caminhabilidade e acabei percebendo que o problema das nossas cidades não é apenas sobre o espaço físico da calçada, é sobre a experiência do pedestre no espaço urbano como protagonista da vida urbana, e não como mero passageiro. E é sobre isso que vamos falar a partir de agora.

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1 INTRODUÇÃO

Vivemos um momento de amplo debate sobre os problemas urbanos e o futuro das cidades. A qualidade dos espaços públicos e sua influência tanto na qualidade de vida das pessoas como na construção de cidades mais justas e inclusivas têm sido tema frequente em eventos que abordam as questões urbanas.

Em nível global, o Habitat III, Conferência das Nações Unidas para Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, realizado no ano de 2016 na cidade de Quito, no Equador, resultou na proposição de uma nova agenda urbana, um novo modelo de desenvolvimento urbano que promova a equidade, o bem-estar e a prosperidade. Um dos encontros temáticos que precederam a conferência ocorreu em Barcelona, cujo tema foi o espaço público. Os resultados das discussões foram divulgados através do documento Barcelona Declaration for Habitat III – Public Spaces (UN, 2016), que coloca o espaço público como peça central dessa nova agenda urbana e o direito à cidade como paradigma de um processo alternativo de se repensar a urbanização e as cidades. Propôs ainda que os espaços públicos sejam encarados além dos seus limites físicos, conjuntamente às suas dimensões social e política (incluindo questões relacionadas à acessibilidade, inclusão e governança); econômica (envolvendo sustentabilidade nas relações de produção e consumo); de mobilidade (promoção da caminhabilidade e de espaços mais humanos); e habitacional (em que se discute o direito à moradia e a função social da propriedade), tendo em vista a universalidade desses temas.

Como resultado da Conferência foi elaborado um documento que promove a Nova Agenda Urbana, e que, entre diversos outros pontos, postula um comprometimento:

“to promoting safe, inclusive, accessible, green and quality public spaces, including streets, sidewalks and cycling lanes, squares, waterfront areas, gardens and parks, that are multifunctional areas for social interaction and inclusion, human health and well-being, economic exchange and

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cultural expression and dialogue among a wide diversity of people and cultures, and that are designed and managed to ensure human development and build peaceful, inclusive and participatory societies, as well as to promote living together, connectivity and social inclusion.” New Urban Agenda (UN, 2017, p. 9) Além disso, busca um apoio à construção de espaços urbanos mais saudáveis e adequados à escala humana, através do: “support [of] the provision of well-designed networks of safe, accessible, green and quality streets and other public spaces that are accessible to all and free from crime and violence, including sexual harassment and gender-based violence, considering the human scale, and measures that allow for the best possible commercial use of street-level floors, fostering both formal and informal local markets and commerce, as well as not-for-profit community initiatives, bringing people into public spaces and promoting walkability and cycling with the goal of improving health and well-being.” New Urban Agenda (UN, 2017, p. 18) Se por um lado o texto não apresenta novidades em termos do que estudiosos do tema conhecem e promovem há algum tempo, o fato de estar presente em um documento oficial de referência global é bastante significativo. No debate nacional, a 6a. Conferência Nacional das Cidades, ocorrida em junho de 2017, teve como tema “A função social da cidade e da propriedade”, apoiado no lema de "Cidades inclusivas, participativas e socialmente justas".

A pertinência desses temas vem aumentando à medida em que o crescimento das cidades segue cada vez mais num sentido de segregação e privatização, ditado pela lógica imobiliária e orientado pelo valor de troca da terra urbana (Harvey, 2005), especialmente através da proliferação dos loteamentos fechados e dos shopping centers, contribuindo para um cenário de decadência dos espaços públicos e de desumanização das cidades. Sennett (2001) pondera sobre o esvaziamento da esfera pública e consequente morte do espaço público como resultantes de uma sociedade voltada cada vez mais para o ambiente privado, em que a vida pública é apenas uma obrigação. Os

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espaços públicos das cidades vão se tornando, assim, meros espaços de passagem. Esse processo observado na sociedade pós-industrial vai se tornando mais intenso ao longo do século XX. O desaparecimento dessa vida pública talvez fique mais evidente na forma como as calçadas passam a ser usadas. Na cidade de São Paulo, “a década de 1950 foi a última em que as calçadas reuniam suas maiores características lúdicas e sociais”, como aponta Eduardo Yázigi (2000).

O sonho de cidade do planejamento urbano moderno, da cidade moldada para o automóvel, passa a ser duramente criticado a partir da década de 1960, quando se começa a perceber os problemas gerados pela motorização, pelo espalhamento urbano e a consequente decadência das áreas centrais, e com isso a busca pela recuperação da vitalidade urbana. Jane Jacobs (2009) acusa essa forma de planejamento de destruir as cidades no icônico Morte e Vida das Grandes Cidades, publicado originalmente em 1961, onde a jornalista sai em defesa do resgate dos centros urbanos na escala do pedestre e da vitalidade das ruas. Se há então uma busca cada vez maior por espaços e serviços privados, onde parte da população procura o isolamento e a relativa tranquilidade oferecidos pelos condomínios fechados e bairros nos subúrbios, caracterizados pelo aumento das distâncias, pela necessidade de uso constante de automóveis particulares, aumentando o volume do tráfego motorizado individual nas cidades, fica fácil entender o motivo pelo qual a mobilidade urbana é hoje um dos maiores desafios enfrentados pelas cidades contemporâneas.

A necessidade de se repensar as formas de deslocamento na cidade somada a uma crescente busca por meios mais sustentáveis, e especialmente preocupações relacionadas a hábitos mais saudáveis, faz surgir o conceito da cidade caminhável, unindo ideias de valorização do espaço do pedestre, transportes mais sustentáveis e cidades mais eficientes, melhorando assim os espaços e as conexões para quem já anda e motivando mais pessoas a fazer o mesmo. O tema da caminhabilidade tem aparecido com frequência nos meios de comunicação, ampliando a discussão sobre qualidade de vida no meio urbano (Figura 1).

Dentro do debate acadêmico podemos citar como exemplo o Walk21, uma organização internacional que apoia e promove o caminhar através de uma rede global e

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que busca “tornar o caminhar uma parte agradável do transporte diário, do lazer e a saúde por meio de políticas efetivas, programas e projetos em todo o mundo”1, e que desde 2000 promove conferências anuais em cidades conhecidas por serem “amigáveis ao pedestre”, já tendo sido sediado em Nova York, Copenhague, entre diversas outras.

Figura 1. Manchetes de notícias publicadas em grandes meios de comunicação

ao longo do ano de 2016 com o tema da caminhabilidade.

Fonte: Montagem feita pelo autor

É nesse cenário que este trabalho pretende apresentar o conceito de caminhabilidade, entender sua relação com a forma e o uso dos espaços urbanos, a fim de discutir o papel do pedestre e do caminhar dentro das cidades, tendo em vista a

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relevância atual do tema e as transformações observadas em diversas cidades em todo o mundo no sentido de resgatar o uso e a apropriação dos espaços urbanos pelas pessoas.

1.1 JUSTIFICATIVA

Como tentou-se evidenciar, a questão da mobilidade urbana vem ganhando bastante destaque em escala global por diversos meios, especializados ou não. É visível uma preocupação com a crescente intensidade dos problemas decorrentes de um ineficiente (muitas vezes inexistente) planejamento viário e de mobilidade em geral, como o aumento da frota de veículos no Brasil, dos congestionamentos, e consequentemente do tempo gasto nos deslocamentos diários, além da má qualidade dos espaços destinados ao pedestre, que podem ser identificados cotidianamente por quem anda a pé pelas cidades (Figura 2). Com a intensificação dos debates sobre o espaço público e o desenvolvimento urbano sustentável, os temas da mobilidade não motorizada e do espaço urbano amigável ao pedestre e ao uso a pé ganharam força dentro das discussões sobre mobilidade urbana.

À medida em que esses temas ganham mais atenção, cresce a necessidade de um entendimento mais profundo sobre a caminhabilidade no espaço construído (Choi, 2013). Enquanto diversas pesquisas investigaram o caminhar no ambiente urbano (Appleyard, 1964; Whyte, 1980; Gehl, 1987), o caráter multidisciplinar do conceito de caminhabilidade demanda estudos mais atualizados e que considerem as variáveis culturais de cada localidade. No Brasil, estudos nesse campo são bastante recentes e ainda limitados. Essa pesquisa pretende contribuir na construção do conhecimento sobre a caminhabilidade no espaço urbano brasileiro, enquanto meio, fim e medida para se alcançar um ideal de qualidade do meio urbano (Speck, 2013).

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Figura 2. Situações que prejudicam o deslocamento de pedestres: (a) Obstáculo (b) Piso irregular (c) Barreira (d) Uso irregular (e) Descontinuidade (f) Mobiliário mal posicionado. Fonte: Registro fotográfico pelo autor

a

b

c

d

e

f

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1.2 OBJETIVO

1.2.1 Objetivo geral

Caracterizar os aspectos do desenho e da forma urbana relacionados ao conceito de caminhabilidade nos espaços públicos destinados ao pedestre.

1.2.2 Objetivos específicos

• Compreender o conceito de caminhabilidade, seus condicionantes no desenho urbano e efeitos na qualidade dos espaços públicos e nos seus usos;

• Determinar os principais atributos de desenho e forma urbanos relacionados à caminhabilidade;

• Avaliar qualitativamente espaços públicos destinados ao pedestre a partir de atributos de caminhabilidade.

1.3 PROPOSTA METODOLÓGICA E RESULTADOS ESPERADOS

A segunda parte deste trabalho, que trata de uma aplicação prática dos conceitos apresentados, foi desenvolvida através de uma metodologia de pesquisa etnográfica. Os instrumentos selecionados para o estudo foram a observação (estruturada e não estruturada), registros fotográficos, croquis, gravação de vídeos em time-lapse, e aplicação de questionários curtos com usuários dos locais escolhidos.

Espera-se com essa pesquisa obter dados que auxiliem a identificar a relação entre a forma e a qualidade do espaço físico do ponto de vista do pedestre, ou seja, do usuário que o utiliza prioritariamente a pé, de forma a servir de referência teórica para projetos de intervenção e renovação urbana com foco no pedestre.

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1.4 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Este trabalho se divide em duas partes. A primeira parte, teórica, trata inicialmente dos conceitos de desenho e morfologia urbana como embasamento para compreendermos, na continuidade, o conceito de caminhabilidade. A segunda parte apresenta o trabalho prático da pesquisa realizada em campo. A Parte I – Revisão Bibliográfica – é dividida em três capítulos. Seguindo este primeiro capítulo (Introdução), o capítulo dois (O Pedestre no Ambiente Urbano) traça brevemente um relato sobre o pedestre no meio urbano para em seguida abordar questões a respeito do Espaço Público. O capítulo três (O Campo do Desenho Urbano) apresenta os principais tópicos de estudo da Morfologia Urbana, bem como alguns textos clássicos de análises da forma urbana, um panorama do estudo da morfologia urbana no Brasil e o estudo da forma urbana dentro de teorias urbanísticas contemporâneas. O capítulo quatro (O Conceito de Caminhabilidade) aborda as vantagens e as qualidades referentes ao campo do desenho urbano relacionados à noção de caminhabilidade. Apresenta em seguida algumas cidades que possuem experiências positivas com intervenções urbanas favoráveis ao pedestre e termina tratando das metodologias de medição da caminhabilidade.

A Parte II se inicia no quinto capítulo (Legislação e Contextualização), que traz um panorama legal da caminhabilidade no Brasil, e um histórico breve da cidade de Campinas, escolhida para a realização da pesquisa em campo, com foco nas políticas urbanas voltadas à mobilidade e ao pedestre. O capítulo seis (Metodologia Proposta) apresenta a metodologia utilizada para a pesquisa de campo e os instrumentos selecionados. Em seguida, no sétimo capítulo (Aplicação da Metodologia) é abordado em detalhes o processo de aplicação da metodologia proposta. No capítulo oito (Análise dos Dados e Discussão) são apresentados os resultados, seguidos de uma discussão geral do trabalho à luz do que foi estudado e descoberto na pesquisa de campo. O capítulo nove (Considerações Finais) é dedicado às conclusões do trabalho.

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PARTE I

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2 O PEDESTRE NO AMBIENTE URBANO

Caminhar é a mais primitiva e natural forma de deslocamento, além de ser saudável, acessível e democrática. No entanto, de modo geral, o pedestre é pouco valorizado na produção do espaço urbano. “A primordialidade da caminhada, que de tão repetida e automatizada é pouco refletida como ato em si, pode ser responsabilizada pela reduzida importância que lhe é dada no tratamento do espaço urbano” (Malatesta, 2007). Até pouco tempo, o andar a pé não era considerado um modo de transporte.

Paradoxalmente, andar a pé é, de longe, o principal meio de transporte utilizado pelas pessoas. O Brasil possui um índice médio de 0,63 viagens por habitante-dia, bastante superior ao segundo modo mais comum, o automóvel, com índice de 0,46, segundo relatório da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, 2016)2 (Figura 3), sendo que essa relação se mantem verdadeira para municípios de todas as faixas de população.

Figura 3. Índice de mobilidade por modo (viagens/hab. dia) – 2014

Fonte: Adaptado de ANTP (2016)

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Ainda segundo o relatório, andar a pé corresponde atualmente a 36,5%3 do universo de mais de 64 bilhões de viagens diárias nas cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes, o que equivale a aproximadamente 23,4 bilhões de viagens por ano, considerando apenas o modal principal utilizado na viagem. Quando considerados os trechos percorridos a pé quando o modal principal é outro – por exemplo, o trecho andado a pé até o ponto de ônibus – a quantidade absoluta de deslocamentos realizados a pé é muito superior, porém mais difícil de ser quantificado.

Quem costuma andar a pé pelas cidades brasileiras sabe que o ambiente urbano, salvo exceções, não é adequado para o pedestre, chegando ao completo descaso em algumas situações. Em 2012, o portal Mobilize Brasil4 divulgou o resultado de um levantamento realizado em doze capitais brasileiras, onde foram avaliados aspectos físicos das calçadas em áreas centrais de grande circulação de pedestres, onde conseguiu mostrar que a baixa qualidades dos passeios é um problema grave e comum a muitas cidades do país.

Felizmente, essa perspectiva parece ter começado a mudar. Os debates sobre a mobilidade urbana ganharam bastante impulso no Brasil com a criação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, em 2012, que busca “a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território” (BRASIL, 2012) além de “contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano” (ibid), e especialmente após os protestos ocorridos em junho de 2013 em diversas cidades do país, que tiveram estopim com o aumento das tarifas do transporte público. Desde então, multiplicaram-se o número de organizações em defesa do pedestre, da mobilidade a pé e do ciclo ativismo5, e esse tema tem feito parte das discussões

3 As pesquisas de Origem e Destino geralmente registram apenas deslocamentos acima de 500 metros. A

estimativa real de deslocamentos, que considera viagens mais curtas, aponta para um valor entre 42 e 58% (Vasconcellos, 2017).

4O Mobilize Brasil (www.mobilize.org.br) é um site dedicado a mobilidade urbana sustentável vinculado à

Associação Abaporu, uma organização sem fins lucrativos qualificada como OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), fundada em 2003.

5 A pesquisa “Como anda”, conduzida pelas ONGs Cidade Ativa e Corrida Amiga mapeou 94 organizações

com foco na mobilidade a pé, tendo quase metade delas surgido no período entre 2013-2017. Disponível em: comoanda.org.br/resultados, acessado em março de 2017.

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cotidianas, inclusive entre leigos no assunto, vide os intensos debates relacionados a velocidade máxima das marginais na cidade de São Paulo, por exemplo.

Para podermos discutir lugar do pedestre e as formas de se trabalhar a caminhabilidade no meio urbano, vamos iniciar com uma breve, porém essencial, abordagem dos conceitos e definições de espaço público.

2.1 DA “CIDADE “NO JARDIM” AO URBANISMO “HUMANIZADO”

O modus operandi de produção das cidades que se coloca já há mais de meio século possui parte de suas raízes em um ideal modernista que buscava alternativas aos problemas urbanos das cidades industriais, ao mesmo tempo em que se encantava com a crescente proliferação de automóveis nas cidades. Quando Ebenezer Howard propõe o modelo de cidade-jardim, no final do século XIX, buscava-se um modelo de urbanização que se opunha à situação drástica das cidades inglesas, especialmente da população mais pobre, com ausência total de saneamento e condições terríveis de saúde. Daí a razão da proposta de Howard envolver o baixo adensamento, o limite ao número de habitantes e o cinturão verde; seu plano, no entanto, ia além, propondo um novo ideal socioeconômico para a vida das novas comunidades. A Ville Radieuse de Le Corbusier, sua versão de “cidade-jardim vertical”, adaptada a localidades mais densamente povoadas, propunha a construção de grandes arranha-céus deixando o solo livre para a circulação – de veículos, é claro, que eram a grande novidade da vida moderna –, com setorização dos usos da cidade, tudo muito claro e ordenado. A distorção e reprodução desmedida dessas ideias tiveram enorme influência sobre o modo de produção das cidades a partir de então em todo o mundo e continua, de certa forma, até hoje.

É na década de 1960 que surgem as principais oposições a esses modelos. As críticas iam do seu impacto social e ambiental até a qualidade dos ambientes produzidos, e partiam não só dos estudiosos, mas da própria população afetada (Del Rio, 1990). Isso se deu especialmente durante o processo de reconstrução das cidades europeias pós Segunda Grande Guerra. Jane Jacobs (2009), um dos mais importantes nomes da crítica ao planejamento urbano moderno, sai em defesa da vitalidade urbana

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observada nas ruas e calçadas tradicionais, argumentando serem estes os principais lugares dos contatos sociais cotidianos. Christopher Alexander (1965), em seu texto “A cidade não é uma árvore”, critica as cidades “artificiais” modernas, totalmente planejadas e setorizadas, que seriam fruto de uma visão simplista do modernismo sobre o urbano e ignoravam a complexidade intrínseca às cidades e a superposição dos sistemas que compõem a vida urbana. Para o sociólogo e historiador Lewis Mumford (1961), há uma relação próxima entre a estruturação das cidades modernas e muitos dos problemas da sociedade ocidental. Ele argumenta que o planejamento urbano deveria se preocupar mais com a relação entre as pessoas e os locais que elas habitam.

Os reflexos do planejamento urbano moderno nas cidades são enormes. O processo de espalhamento urbano (ou urban sprawl) que se observa a partir das primeiras décadas do século XX, inicialmente nos EUA, altera a estruturação espacial das cidades ao mesmo tempo em que cria um novo estilo de vida – o da casa no subúrbio tranquilo com carros na garagem, para uma classe média privilegiada – ao passo que esvazia as regiões centrais e gera intranquilidade urbana aos que não tinham condições (ou desejos) de acompanhar esse novo modo de viver. Essas transformações trazem segregações, distâncias e exclusividades sobre áreas que ferem o usufruto do espaço urbano pelas pessoas e que, somadas à expansão de uma economia neoliberal, conduzem a um processo de “financeirização” das cidades, em particular dos espaços públicos urbanos, que se tornam propriedade privada do governo, onde o solo urbano se torna ativo do mercado (Rolnik, 2015). Como Harvey (2008) já havia colocado, “vivemos, afinal, num mundo onde os direitos de propriedade privada e as margens de lucro triunfam todas as outras noções de direitos”.

O processo de urbanização vigente, mais do que afetar a qualidade do ambiente urbano, implica em prejuízos ao direito à cidade. Henri Lefebvre, propõe esse conceito inicialmente em 1968 no livro Le droit à la ville, descrevendo-o como uma exigência, como “direito à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais” (Lefebvre, 2001). Assim, a produção segregacionista e excludente das cidades vai contra a própria concepção de cidade, como espaço de trocas e relações sociais, de vivência intensa e contato com o diferente, com o novo. A busca

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pela garantia do direito a cidade, nesse sentido, se refere a um direito coletivo, já que “depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização” (Harvey, 2008). Nesse cenário, discussões relacionadas à mobilidade urbana, entendida para fins deste trabalho no sentido da circulação e dos transportes no acesso democrático ao espaço urbano, ganham força cada vez maior, tendo em vista seu papel importante na garantia do direito à cidade. É nessa esfera que entende-se a necessidade de se garantir uma mobilidade urbana eficiente, no sentido de não permitir que a cidade seja privilégio de poucos, ou de algum grupo específico; que a distribuição dos espaços seja feita de forma democrática, garantindo a equidade e a qualidade no uso da cidade para todos e de todas as formas (Figura 4). Figura 4. Charge que ilustra de forma clara e impactante a situação do pedestre no ambiente urbano Fonte: Karl Jilg/Swedish Road Administration

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Teorias urbanísticas recentes, como o Novo Urbanismo (ver item 2.5.1), compartilham ideais de crescimento das cidades com foco nas pessoas e nas caraterísticas locais, e defendem questões como usos mistos, altas densidades, desenvolvimento orientado pelo transporte (DOT), sustentabilidade, senso de comunidade, valorização das identidades locais, bairros caminháveis. Esse modelo de cidade reflete uma tendência das novas gerações, fato observado especialmente nas grandes cidades, de buscar moradia nas áreas centrais, próxima aos serviços essenciais e com fácil acesso ao transporte público. Esse nova demanda deu origem ao índice conhecido como “walk score”, surgido em 2007 e popularizado nos Estados Unidos, inspirado no conceito de “food miles6”. O walk score mede o grau de caminhabilidade de um determinado bairro e o nível de dependência do automóvel para realizar tarefas cotidianas, como fazer compras ou ir passear num parque, por exemplo. Em muitas cidades americanas já foi possível verificar uma relação direta entre o walk score de uma localidade e o valor dos imóveis na região (Speck, 2013).

Propostas de renovação de centros urbanos tem aparecido com frequência em diversos municípios brasileiros (muitas vezes sob o inadequado nome de “revitalização”, como se tais espaços fossem completamente desprovidos de vitalidade), especialmente em cidades que observaram um processo de expansão suburbana intenso em detrimento do esvaziamento e abandono das áreas centrais. Vale salientar que o uso do termo “sofrer” ainda é visto como questão subjetiva, tendo em vista que há grupos que parecem não ser atingidos pelos ônus do espalhamento urbano e deterioração dos centros (ou são atingidos indiretamente, e ainda não percebem tal fato). Para que tais propostas possam ser implantadas de forma eficiente, é essencial que seu planejamento seja focado prioritariamente nas pessoas, em tornar os espaços interessantes para os usuários, confortáveis para se movimentar por ele, seguros e que permitam a realização de diversas atividades. Ao se garantir ambientes atrativos, seguros, confortáveis e úteis às pessoas, os pilares do ideal de cidade caminhável, o espaço renovado se torna ao mesmo tempo resultado da intervenção e incentivo para atrair mais pessoas, garantindo a sua renovação.

6 Surgido no Reino Unido no início dos anos 1990, quando as questões ambientais e de sustentabilidade

começavam a ganhar mais destaque, o conceito dos “food miles” se refere à distância percorrida por um determinado alimento até chegar ao consumidor final, permitindo avaliar o impacto ambiental da produção de alimentos em escala global.

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2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPAÇO PÚBLICO

A ideia de espaço público faz parte de um senso comum coletivo, existindo, portanto, diversas definições em diferentes escalas e graus de “profundidade” dependendo do locutor. Da mesma forma, diferentes campos do conhecimento abordam a questão do espaço público de formas diversas. Na sociologia urbana, o conceito de espaço público é discutido dentro de uma abordagem das dinâmicas sociais; já a geografia e as ciências políticas se preocupam mais com o contexto social e direitos de grupos e indivíduos. Para o planejamento urbano, o conceito utilizado é principalmente físico, preocupado com a relação entre espaço e pessoas (Mehta, 2013).

Uma das obras mais relevantes nesse tema é o livro Public Space (Carr et al, 1992). Nele, a conceituação de espaços públicos é trabalhada a partir de uma perspectiva sociomorfológica, enquanto responsáveis por servir o bem público. Para os autores, os espaços públicos devem ser responsivos, democráticos e significativos, sendo estes os três valores primários. Responsivos no sentido de servirem às necessidades dos seus usuários; democráticos, com relação à proteção dos direitos dos seus usuários e garantia de acessibilidade a todos; e significativos, ao se relacionar ao contexto físico e social das pessoas, permitindo conexões fortes entre o lugar e as vidas das pessoas. A partir desses valores são estabelecidas as “dimensões humanas”, utilizadas na concepção, no projeto e na manutenção dos espaços, de forma a garantir o cumprimento do seu papel social, como conforto, engajamento e relaxamento. Os autores utilizaram como parâmetros pesquisas sociais e ambientais existentes relacionadas ao espaço público, bem como estudos de caso e avaliações in loco.

A concepção de Jan Gehl (1987) sobre os espaços públicos se baseia nos seus usos e atividades que abrigam. Sua teoria está fortemente fundamentada em uma extensa pesquisa dos espaços públicos urbanos, fruto do questionamento do por que e como as pessoas os utilizam. Gehl enfatiza a necessidade de tratamento dos espaços entre os edifícios, que é onde as interações sociais e a experiência sensorial da cidade acontecem. Para ele, a presença de outras pessoas, atividades, eventos, inspiração, estimulação são umas das mais importantes qualidades dos espaços públicos.

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Nas últimas décadas tem-se apontado para um declínio da esfera pública e do espaço público (Banerjee, 2001), sugerindo um paralelo com o declínio no espírito público coletivo, como descrito por Sennett (1974). Mais recentemente, buscando identificar o impacto das tendências contemporâneas nos espaços públicos, Carmona (2010) questiona se o que se observa atualmente seria realmente uma deterioração na qualidade dos espaços públicos ou uma evolução inevitável. Segundo ele, esses processos seriam frutos de variações no gerenciamento dos espaços públicos: de um lado o “sub-gerenciamento”, que gera espaços negligenciados, invasões e segregações, e o “super-gerenciamento”, que leva a privatização, consumismo e restrição de liberdade.

Tendo em vista este cenário, Banerjee (2001) sugere como alternativa o foco no conceito de vida pública, mais do que de espaços públicos. Desta forma, a existência de conviviabilidade poderia ser associada também às interações que ocorrem dentro de espaços privados, como bares, cafés, livrarias, salões de beleza, e outros “terceiros lugares”. O conceito de terceiro lugar7 se refere aos lugares abertos ao público onde ocorrem relações e interações sociais além do núcleo doméstico (primeiro lugar) e do local de trabalho ou de estudo (segundo lugar). São os lugares informais de encontros organizados ou acidentais, essenciais à vida cotidiana. Esse conceito atualmente já se estende aos ambientes virtuais, onde ocorrem boa parte das interações sociais na sociedade contemporânea, e que demandam uma nova atualização dos conceitos de espaços públicos.

Em nossa discussão sobre caminhabilidade, a utilização do termo ‘espaço público’ se dará a partir de uma abordagem mista, preocupada tanto com o aspecto físico dos espaços, seus usos e atividades, quanto com o valor social inerente a eles.

2.2.1 A rua como espaço público

Para Jane Jacobs (2009), as ruas e suas calçadas são os principais locais públicos de uma cidade, e são definidos por ela como seus órgãos mais vitais, numa comparação da cidade com um organismo vivo. Se é assim, hoje é evidente que esse

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organismo não está bem, já que as ruas de boa parte das grandes cidades são domínio do automóvel e, de forma geral, carecem de vitalidade. Por outro lado, percebe-se há algum tempo, em parte dessas cidades, um impulso no sentido de retomada das ruas como espaço democrático, onde o pedestre é a prioridade, e lugar da vida urbana, mais do que mero espaço de passagem.

A título de exemplo, a administração dos estados de New Jersey e Pennsylvania, nos EUA, elaboraram conjuntamente em 2008 um Guia de Transporte Inteligente, que propõe a integração do uso do solo e do planejamento de transportes, justificando que “o desejo de ‘passar por’ um lugar deve ser balanceado com o desejo de se ‘ir para’ um lugar” 8, evidenciando o entendimento por parte dos governos estaduais de que as vias públicas são mais do que locais por onde se passa, mas também onde coisas acontecem e que atraem as pessoas, e demonstrando um conceito mais amplo de mobilidade urbana.

A organização UN-Habitat publicou um documento denominado “Streets as

Public Spaces and Drivers of Urban Prosperity” (UN-Habitat, 2013) que, como o próprio

título denuncia, coloca a rua como espaços públicos reconhecidos pela sua multifuncionalidade e associados à prosperidade urbana. O alcance dessa prosperidade se dá através do papel fundamental das ruas na produtividade, infraestrutura, sustentabilidade ambiental, qualidade de vida e inclusão social. Como modelos a serem implantados, a organização cita o movimento “livable streets”, que enfatiza o aspecto social e a vida das ruas, e as políticas de “complete streets” ou “whole-streets”, focadas na criação de ruas acessíveis para todos, de forma a garantir a segurança e o conforto de todos os usuários, independente do modo de transporte utilizado, seja para quem anda, pedala ou dirige.

Esses modelos têm influenciado diversas políticas públicas e projetos de intervenção urbana por todo o mundo e se baseiam na ideia da rua como fator chave para o desenvolvimento urbano sustentável e base para uma comunidade saudável. Segundo Allan Jacobs, autor de Great Streets (1995), “sociability is a large part of why

8 No original: “The desire to go ‘through’ a place must be balanced with the desire to go ‘to’ a place”.

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cities exist and streets are a major if not the only public space for that sociability to develop”. O conceito de rua, para os fins a que se propõe este trabalho, será definido, de forma prática, como todo espaço exterior, além das portas das edificações, inserido no contexto urbano. A rua é o próprio espaço público por excelência. 2.2.2 Qualidades do espaço público

Diversos estudos sobre os espaços públicos versaram sobre sua qualidade enquanto ambiente de profundo valor social. Os enfoques variam quanto a natureza do espaço, formas de uso e apropriação, significados, grupos específicos, etc., o que por si só já demonstra a complexidade no que se refere a essa questão.

Ewing (2009) parte de uma longa lista de atributos encontrados na literatura, identifica as mais discutidas e relevantes aos usuários dos espaços segundo pesquisas empíricas, para então agrupá-las segundo similaridades conceituais. Sua pesquisa chega a 5 qualidades de desenho urbano mensuráveis: imageabilidade, cercamento, escala humana, transparência e complexidade.

Mehta (2013), utilizando-se das definições colocadas por Carr e das abordagens sugeridas por Gehl, propõe uma conceituação sobre a qual se baseia a fim de propor uma metodologia de avaliação do espaço público. A partir dessa definição, chega a cinco dimensões do espaço público: inclusão, atividades significativas, conforto, segurança, agradabilidade.

Todos as qualidades inerentes aos espaços públicos urbanos só podem ser experimentadas pelo pedestre. O andar pela cidade, seja em função de trabalho, estudo, lazer, atividade física e mesmo a espera, a permanência contemplatória, são todas atividades influenciadas pelos espaços públicos.

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3 O CAMPO DO DESENHO URBANO

Desenho Urbano é um campo dos estudos urbanos que busca pensar a forma da cidade na escala situada entre o planejamento e o projeto arquitetônico (Del Rio, 1990). Assim, lida essencialmente com a esfera pública, em particular com sua forma física, não entendida aqui como elemento estático, mas sim dinâmico, a partir da sua interação com os usuários desses espaços, suas ações e percepções em relação a eles.

É importante ressaltar que o ‘desenho’, nesse sentido, envolve muito mais que a simples criação pictográfica. Há, como aponta Del Rio (1990), uma perda de significados na tradução da língua inglesa, onde a palavra design envolve todo um processo de planejamento, projeto e desenho do objeto.

O desenho urbano vai se consolidar como um campo de conhecimento a partir da década de 1960. É necessário aqui registrar a contextualização histórica em que esse processo ocorre. Na década de 1950, o campo dos estudos sociais, fonte das referências conceituais dos planejadores urbanos, passam por uma “revolução intelectual”. A geografia deixa de ser apenas uma disciplina descritiva do território para se tornar uma geografia “humanizada”, mais preocupada em desenvolver teorias a respeito dos processos espaciais (Hall, 2011). O planejamento se torna mais teórico, sem abandonar o referencial modernista, e distancia-se da arquitetura, que tampouco se preocupava com as especificidades formais da cidade.

Paralelamente, verifica-se uma tendência de forte crítica à produção modernista das cidades, observada principalmente após a Segunda Guerra Mundial, onde “os planos urbanos eram elaborados a partir de estatísticas e dados ditos objetivos, e as propostas resultantes possuíam pouca ou nenhuma relação com a realidade do cotidiano da população” (Del Rio, 1990). Nesse cenário, cresce a insatisfação popular com o ambiente construído. É nesse contexto de distanciamento entre as disciplinas de planejamento e da arquitetura que se impõe o campo do Desenho Urbano, preocupado

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em tratar da dimensão do espaço cotidiano da população, fora da escala do edifício, mas ainda longe da escala do zoneamento.

Nesse contexto, Del Rio aponta duas características principais do Desenho Urbano: a interdisciplinaridade nas análises e a essência físico-ambiental. A interdisciplinaridade se justifica pela necessidade de conhecimento de disciplinas relacionadas a história, geografia, antropologia, psicologia ambiental, entre diversas outras, que vão permitir uma compreensão holística do objeto de estudo. A essência físico-ambiental trata da materialidade do espaço, ao mesmo tempo que constitui um ambiente de características intrínsecas a ele, imateriais. Segundo Lamas, autor de Morfologia Urbana e Desenho da Cidade, publicado originalmente em 1989, o entendimento do desenho urbano depende de um profundo domínio tanto dos processos históricos e culturais de formação das cidades, quanto da forma urbana enquanto “objetivo do urbanismo (...) capaz de determinar a vida urbana em comunidade” (Lamas, 2004). Del Rio propõe uma definição de desenho urbano que, para a finalidade deste trabalho, se mostra bastante adequada, definindo-o como

“campo disciplinar que trata a dimensão físico-ambiental da cidade, enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas de atividades que interagem com a população através de suas vivências, percepções e ações cotidianas.” (Del Rio, 1990, p. 54).

3.1 O ESTUDO DA MORFOLOGIA URBANA

É necessário abordar aqui alguns autores de importância no estudo da forma urbana, entendida como parte fundamental na compreensão do desenho urbano.

Segundo Lamas (2004), morfologia urbana é “o estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas exteriores (...) e na sua produção e transformação no tempo”. Assim como no campo do desenho urbano, não se trata de um elemento

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estático, mas de um processo dinâmico e mutante. Ainda segundo o autor, os estudos morfológicos não tratam dos fenômenos socioeconômicos do processo de urbanização, entendendo-os como parte da produção formal.

Como conceito, a Morfologia Urbana surge no início do século XX com geógrafos alemães e franceses, porém sua aplicação no campo da Arquitetura e do Urbanismo tem início na Itália, algumas décadas mais tarde na busca pela construção de metodologias para o estudo físico-espacial das cidades. Os primeiros trabalhos italianos aparecem num sentido de questionamento ao Movimento Moderno e suas atitudes em relação aos setores históricos das cidades, tendo Saverio Muratori como o principal nome desse grupo, e posteriormente Caniggia. A escola muratoriana possui uma conceituação tipológico-projetual que enfatiza o contexto espacial e temporal, buscando estudar as tipologias arquitetônicas a partir da sua história, valorizando a memória das edificações e a ideia de lócus, como lugar único. Sua busca por princípios lógicos, ou “leis” de natureza ambiental ou histórica que explicam a aparente arbitrariedade do fenômeno urbano-arquitetônico, culminou com o desenvolvimento de alguns conceitos para entendimento do território: ‘tipo’ (do grego typos, conceito síntese, vinculado a um lugar e momento histórico, sendo módulo e matriz de uma estrutura, contendo o código dos seus processos de transformação); ‘tecido’ (aplicação organizada dos tipos); e ‘organismo urbano’ (a cidade como organismo vivo em estado de transformação contínua) (Menghini, 2002).

As pesquisas morfológicas com esse olhar para o passado acabaram retomando alguns trabalhos clássicos na área do desenho urbano, como os planos de Idelfonso Cerdá para Barcelona e a obra de Camillo Sitte. Cerdá, com sua obra Teoria

General de la Urbanización, de 1867, faz nascer a disciplina do urbanismo, tratando a

cidade como organismo complexo, preocupada com os aspectos funcionais, sociológicos, econômicos e administrativos das cidades (Lamas, 2004), sem deixar de lado a análise da sua evolução histórica. Sitte, por sua vez, em A construção das cidades segundo seus

princípios artísticos, publicada em 1889, defende o projeto das cidades com profundo

respeito ao passado, a partir de princípios compositivos, sequências visuais e exploração estética dos elementos urbanísticos, num resgate às formas medievais, sempre preocupado com o resultado paisagístico do conjunto criado. Essa preocupação com os

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aspectos visuais da forma urbana será retomada posteriormente por Gordon Cullen, como veremos adiante.

Uma outra vertente, de origem britânica, segue uma linha histórico-geográfica, tendo sido elaborada por M. R. G. Conzen. Essa escola possui raízes fortes na geografia, e estuda a conjugação dos elementos formais com o solo urbano. Conzen define a paisagem urbana a partir de três elementos básicos: o plano da cidade (ruas, lotes e implantação dos edifícios), bidimensional; o volume edificado, tridimensional; e os usos do solo e das edificações. A principal contribuição, no entanto, estaria nos estudos sobre os processos de desenvolvimento urbano, como as ‘cinturas periféricas’ e as ‘regiões morfológicas’ (Whitehand, 2001).

Uma vertente catalã surge a partir de 1969, ligada à Universidade Politécnica de Barcelona, sendo Manuel de Solà-Morales a figura mais proeminente. Essa escola coloca a análise urbana num campo mais amplo que a mera observação tipológica proposta pelos italianos, e trouxe uma nova linguagem para interpretação da cidade, tendo a história como ferramenta vital e fonte de conhecimento para entender a cidade. Os estudos de Solà-Morales enxergam a cidade não como projeto terminado, mas como um processo relacionado ao espaço e ao tempo, onde a ordem das ações é significante, assim como a forma de intervenção dos agentes. Tendo participado intensamente no planejamento metropolitano de Barcelona, a contribuição de Solà-Morales se combina ao trabalho acadêmico através do desenvolvimento do pensamento teórico com a atuação profissional.

Os estudos desenvolvidos pela escola catalã vertem sobre o crescimento urbano através da análise das relações entre as diferentes formas de crescimento e as forças que a movem. Daí surgem os elementos, ou unidades de forma: urbanização, parcelamento e edificações. Suas combinações dão origem a diferentes formas urbanas (Figura 5).

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Figura 5. Os três momentos de produção física das cidades

Fonte: SOLÀ-MORALES, Manuel de, 1997 (adaptado)

Cabe mencionar ainda uma outra linha de análise do tecido urbanizado, surgida nos anos 1970, conhecida como Sintaxe Espacial (space syntax). O principal nome desse grupo é Bill Hillier, com a publicação do livro The social logic of space, em 1984, com Julienne Hanson. Esse campo de estudo da morfologia urbana analisa o espaço enquanto dimensão da vida social, focada nos espaços abertos da cidade e na movimentação das pessoas, a partir da criação de mapas axiais de representação do território. Apesar de ter se popularizado como ferramenta de análise da forma urbana, a Sintaxe Espacial é criticada pela sua abordagem bidimensional, que ignora elementos como a topografia e a tipologia e uso das edificações.

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3.2 ANÁLISES DA FORMA URBANA

Nesse mesmo período em que o estudo da Morfologia Urbana começa a ser introduzido nas pesquisas de arquitetura e urbanismo, alguns autores começam a utilizar essa ferramenta na crítica e análise dos espaços urbanos, a partir especialmente da escala humana.

Para Del Rio (1990), a análise da morfologia urbana tem sua importância em “compreender a lógica da formação, evolução e transformação dos elementos urbanos, e de suas inter-relações, a fim de possibilitar-nos a identificação de formas mais apropriadas, cultural e socialmente, para a intervenção na cidade existente e o desenho de novas áreas”.

Selecionamos alguns dos autores mais importantes e citados dentro desse tema, em função principalmente do impacto que suas obras exerceram sobre os estudos morfológicos desde então: a análise crítica de Jane Jacobs, a análise perceptiva de Kevin Lynch e a análise visual de Gordon Cullen.

3.2.1 A cidade nas ruas – Jane Jacobs

O livro “Morte e Vida das Grandes Cidades”, originalmente publicado em 1961, é um marco na crítica ao planejamento urbano moderno. Nessa obra, que já inicia com a autora anunciando seu “ataque”, Jane Jacobs foca sua crítica ao modelo de cidade produzido com base nos princípios modernistas. Sua argumentação se baseia principalmente a partir da observação do funcionamento das cidades no dia-a-dia, que segundo a autora é o único modo de saber quais princípios de planejamento funcionam e quais não, quais promovem a vitalidade e diversidade urbanas, e quais levam a segregação e esvaziamento dos espaços urbanos.

Suas análises dos espaços da cidade se concentram no uso das ruas, das calçadas e dos parques de bairro, sendo esses os locais de maior contato social entre os habitantes das cidades. “Se os contatos (...) entre os habitantes das cidades se limitassem

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à convivência na vida privada, a cidade não teria serventia”, escreve a autora. Observando o ‘balé das calçadas’, Jacobs percebe a importância dos espaços públicos na geração e manutenção da vida urbana, e propõe quatro condições para a geração de diversidade nas ruas e nos distritos: diversidade de usos, que garantem presença de pessoas em horários variados; quadras curtas, de modo a aumentar a conectividade e a permeabilidade da rede de caminhos; diversidade econômica dos comércios, o que leva a uma maior estabilidade e diversidade de custos e estilos de vida; e densidade suficientemente alta, essencial para a manutenção da diversidade urbana. A relação entre a estrutura urbana e a economia é discutida por Jacobs na obra Cities and the

Wealth of Nations, publicada em 1985, onde a autora defende sua tese de que as cidades

são o motor primário do desenvolvimento macroeconômico, desafiando uma das bases da economia clássica, que considera os estados-nações os principais atores nesse cenário.

Segundo Jacobs, o planejamento moderno tenta definir no papel o uso de cada pedaço da cidade, de forma padronizada e segregada, sempre vinculando a forma dos espaços às necessidades dos automóveis. Como resultado, criou “passeios públicos que vão do nada a lugar nenhum e nos quais não há gente passeando” (Jacobs, 2009). Da mesma forma, espera-se que as belas e vazias praças desenhadas conforme desejos e gostos particulares dos projetistas sejam utilizadas pelas pessoas somente pelo fato de estarem lá. Essa herança do pensamento moderno se mantém até hoje. No entanto, sabemos que essa relação não podia estar mais longe da verdade.

3.2.2 A cidade na imagem – Kevin Lynch

Kevin Lynch publicou diversas obras onde apresentou suas teorias sobre a forma das cidades e a relação destas com a percepção humana do ambiente urbano. Mais próximo do campo da psicologia ambiental, foi um dos primeiros estudiosos a considerar o significado dos elementos urbanos para os próprios usuários. Em “A imagem da cidade”

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(2010)9, Lynch fez uso de metodologias da psicologia, como questionários, entrevistas e mapas mentais, para tentar identificar as qualidades e as estruturas da forma urbana a partir experiências individuais das pessoas. A partir da aplicação desses métodos, elaborou sua teoria da qualidade urbana, apoiada nos conceitos chave de legibilidade, identidade e imageabilidade.

A legibilidade, segundo Lynch, é uma das mais importantes qualidades visuais, e pode ser definida como a facilidade em reconhecer a organizar as partes para formar um todo coerente. A identidade trata de individualidade do lugar, daquilo que permite sua identificação imediata pelo observador. A imageabilidade é definida por Lynch como a qualidade de um objeto que faz evocar no observador uma ‘imagem forte’, em outras palavras, de permanecer na memória de quem observa.

A partir desses conceitos, Lynch aplicou metodologias de questionários, entrevistas e elaboração de mapas mentais a fim de reconhecer nas pessoas as imagens que as cidades estudadas tinham. O cruzamento das informações que coletou entre moradores das cidades de Boston, Jersey City e Los Angeles, o possibilitou identificar com clareza cinco elementos urbanos estruturais da forma urbana: percursos, limites, distritos, nós e marcos (Figura 6).

Figura 6. Os cinco elementos de Lynch: percurso, limite, nó, distrito e marco

Fonte: LYNCH, Kevin, 2010

Duas décadas mais tarde, Lynch publica “A boa forma da cidade” (1985), possivelmente sua maior obra, onde mais se aproxima do desenho urbano. Ao invés de propor normatizações para a realização do desenho urbano, propõe uma teoria para a boa forma urbana, apresentada através de sete ‘dimensões de performance’: vitalidade, sentido, adequação, acesso, controle, eficiência e justiça.

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3.2.3 A cidade na paisagem – Gordon Cullen

O livro “Paisagem Urbana” (Townscape, no original), de 1961, é fruto de uma série de artigos publicados na revista Architectural Review como reação às transformações modernas impostas aos centros históricos, sobretudo sobre aos aspectos estéticos da forma urbana e focados na observação da paisagem na escala do observador. Nesse sentido, Lamas (2004) o considera um “continuador” de Camillo Sitte.

Cullen faz uma análise intuitiva da paisagem e aponta três formas pelas quais o ambiente provoca reações emocionais: a ótica, o lugar, e o conteúdo. A ótica se refere especificamente às experiências visuais e estéticas. Através do conceito de ‘visão serial’, demonstra a experiência visual ao longo de um trajeto (Figura 7). O lugar trata da posição do observador em relação ao espaço, dessa relação corpo-espaço, que permite estabelecer ideias de dentro/fora, sensações de proteção/vulnerabilidade, etc. Já o conteúdo se refere aos significados dos elementos, bem como sua influencia no comportamento do usuário, de onde se estabelece relações de escala, complexidade, etc.

Figura 7. Croquis da visão serial de Cullen

Fonte: CULLEN, Gordon, 1996

O caráter pragmático da obra de Cullen contribuiu muito para o entendimento da relação entre o ambiente construído e as percepções sensoriais dos usuários.

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3.2.4 Outras visões

Diversos outros autores fizeram contribuições bastante relevantes aos estudos da forma urbana: Aldo Rossi (1966), com seu olhar sobre a arquitetura como fenômeno urbano e sua relação direta com a história; Amos Rapoport (1976), através de seus estudos relacionando ambiente construído e cultura; Jonathan Barnett (1974), trabalhando o desenho urbano como uma política pública; Donald Appleyard, inicialmente no livro The

View from the Road (1964), co-escrito com Kevin Lynch e John Myer, onde os autores

mapeiam o tecido urbano a partir dos seus fluxos e movimentos, e posteriormente em

Livable Streets (1981), onde o autor compara a qualidade de vida dos moradores em

ruas com diferentes volumes de tráfego.

Ian Bentley, contrário ao que ele considera a “tragédia” do design moderno, trabalha com o que ele chama de “responsive environments”, ou seja, ambientes sensíveis, que respondem de maneira apropriada a uma situação, espaços essencialmente democráticos que ampliam o nível de escolhas disponíveis aos usuários (Bentley et al, 2001). Baseado fortemente nas ideias de boa parte dos autores citados anteriormente, ele estabelece sete qualidades do desenho urbano que ele considera afetar as escolhas que as pessoas fazem: a permeabilidade, a variedade, a legibilidade, a robustez, a adequação visual, a riqueza e a personalização.

William H. Whyte realizou estudos pioneiros no uso dos espaços públicos e desenvolvimento de metodologias para a realização destes. Whyte, que foi mentor de Jane Jacobs, é mais conhecido pelos trabalhos desenvolvidos à época em que trabalhou com a Comissão de Planejamento da cidade de Nova York, no que ficou conhecido como

Street Life Project. Os resultados da sua pesquisa foram relatados no livro “The social life of small urban spaces” (1980), sendo que o processo foi documentado no filme

homônimo.

No documentário, Whyte mostra todo o seu processo metodológico, que incluíam filmagens em time-lapse, contagens, croquis, registros de atividades e posicionamento, etc. Registrou em detalhes os movimentos dos pedestres nas calçadas, esquinas, praças, escadarias, vazios em frente aos edifícios, e a relação deles com os

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