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3 DADOS DE CONTEXTO: A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO

3.1 Explicitação do surgimento e institucionalização da profissão

Há diversas formas de compreender o surgimento e institucionalização do Serviço Social no mundo e no Brasil. De forma geral, consideramos que o Serviço Social foi criado quando o Estado passou a interferir nas questões sociais, mediante determinada modalidade histórica de enfrentamento destas: as políticas sociais – aqui entendidas como uma ação organizada do Estado que busca estabelecer suas bases de sustentação e legitimação, ao mesmo tempo em que responde, muitas vezes com antecipações estratégicas, às demandas reais cobradas de forma organizada pelos operários e/ou trabalhadores, isto é, aqueles que se constituem usuários das políticas sociais, principalmente as de natureza pública.

Necessário se faz situar à noção de que a compreensão do surgimento e desenvolvimento da profissão não comporta uma visão unânime, ao contrário é polêmica e se constituem em pelo menos duas teses: a primeira é intitulada tese endogenista e a segunda diz respeito à perspectiva histórico-crítica.

Numa primeira posição – situada por Montaño(2007) como a “tese” endogenista – concebem-se as protoformas do Serviço Social como as formas elementares de ajuda e caridade de um ser humano a outros, vinculado a determinados tipos de valores e dentro de uma perspectiva de uma prática espontânea que no decorrer dos tempos foi evoluindo, criando formas, sistematizando-se, tecnificando-se e, enfim, se institucionalizando e como profissão, por força, principalmente, de seus agentes internos que se empenharam na profissionalização do Serviço Social. Nesta perspectiva, então, o desenvolvimento profissional se vincula à organização e sistematização das formas de ajuda desde o cristianismo, que veio se tecnificando e se aperfeiçoando até os dias atuais.

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É frequente a afirmativa que o Serviço Social se torna profissão quando impõe uma base técnico-científica às atividades de ajuda, à filantropia. Ou, em outros termos, quando se processa uma tecnificação da filantropia. Essa é a tônica do discurso dos pioneiros e de grande parte da literatura especializada, abrangendo, inclusive, autores do Movimento de Reconceituação. Essa é uma visão de dentro e por dentro das fronteiras do Serviço Social, como se ele fosse fruto de uma evolução interna e autônoma dos sujeitos que a ele se dedicam.

Considerações críticas sobre esta perspectiva assinalam que ela reduzia a história da profissão a sequências cronológicas de fatos ou ideias, compreendendo, pois, os fatos históricos de uma forma etapista, evolucionista, particularista e deslocada da dinâmica dos processos sociais. Em outras palavras, a descrição do desenvolvimento histórico da profissão era marcada por uma visão do Serviço Social para dentro de si mesmo, sendo por assim dizer, uma perspectiva fechada num movimento endógeno da profissão.

Compreendendo que as formas de ação social não surgem ou sucumbem somente pela vontade dos seus agentes internos, a perspectiva histórico-crítica, se recusa a pensar o surgimento, institucionalização e todo o desenvolvimento profissional do Serviço Social sem se referir às dimensões social, histórica, econômica, política, dentre outras, que determinaram a forma de existir, pensar e agir no mundo desta categoria profissional. Assim, compreendemos que são as objetivações da situação social, as expressões das relações da sociedade, fatores importantes que impõe limites ou que travejam possibilidades aos projetos e ações dos sujeitos sociais que pensam e atuam em determinadas profissões.

Desta feita, as particularidades do surgimento e institucionalização do Serviço Social, vinculou-se medularmente ao movimento histórico-social que assume feições diferenciadas em cada época e trazem para a profissão antigos e novos desafios e demandas a serem respondidas de formas variadas fundamentadas em diversas perspectivas.

Pelas palavras de Iamamoto (2009, p. 172) a perspectiva histórico-crítica assinala que:

A profissionalização do Serviço Social pressupõe a expansão da produção e de relações sociais capitalistas, impulsionadoras da industrialização e urbanização, que trazem, no

seu verso, a “questão social”. A luta dos trabalhadores por seus direitos invade a cena

política, exigindo do Estado o seu reconhecimento público. O Estado amplia-se, nos termos de Gramsci (1978), e passa a administrar e gerir o conflito de classe não apenas pela via da coerção, mas buscando construir um consenso favorável ao funcionamento da sociedade no enfrentamento da questão social.

Desta feita, nesta perspectiva de análise da profissão, o conceito fundamental para entender a emersão do Serviço Social é a Reprodução Social entendida por Yasbek (1999)

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como a reprodução da totalidade da vida social, do cotidiano, dos valores, do modo como os homens produzem as ideias e geram seus padrões de comportamento.

Segundo Trindade (2004, p. 21), o Serviço Social,

Ao atuar na prestação de serviços sociais vinculados às diversas políticas sociais, o assistente social se insere na esfera das atividades que não estão vinculadas diretamente à produção material, já que participam de atividades que estão na esfera da regulação das relações sociais. Isso pode ser posto na medida em que podemos observar a participação dos profissionais de Serviço Social na criação de condições necessárias ao processo de reprodução social, através de ações que tanto incidem sobre as condições de vida dos trabalhadores (saúde, alimentação, educação, habitação, lazer, dentre outros), quanto produzem efeitos ideológicos que reforçam (ou não) a aceitação das condições de compra e venda da força de trabalho.

Dessa forma, o Serviço Social pode ser visto de dois ângulos indissociáveis. O primeiro como realidade vivida, expressa pelo discurso teórico ideológico do Serviço Social e o segundo como atividade socialmente determinada pelas circunstâncias e objetivos que imprimem uma direção social ao exercício profissional, o qual, em última instância, independe da vontade e/ou consciência de seus agentes individuais.

Ante tal caracterização, o Serviço Social consiste em uma atividade de natureza contraditória que, em sua atuação, “oferece” bens e recursos complementares à sobrevivência dos usuários de seus serviços e atendem, ao mesmo tempo, às necessidades de normatização e controle dos comportamentos sociais advindos dos contratantes dos serviços desta profissão. Como bem afirma Iamamoto (1994, p. 20):

A profissão não se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade, mas como uma forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base na atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração entre capital e trabalho.

A profissionalização do Serviço Social, como especialização do trabalho coletivo, está intimamente ligada à emersão da questão social no período já sinalizado de desenvolvimento do capitalismo, no qual o movimento operário já se coloca como classe “para si”, aglutinando forças para a superação da sociedade capitalista9.

A gênese profissional pode ser compreendida também como resultante das alterações inerentes ao modo de produção capitalista, com a coadjuvação do projeto de

9 Como bem afirma Paulo Netto (2009, p. 18): “[...]a apreensão da particularidade da gênese histórico social da

profissão nem de longe se esgota na referência à ‘questão social’ tomada abstratamente; está hipotecada ao concreto tratamento desta num momento muito específico do processo da sociedade burguesa constituída, aquele do trânsito à idade do monopólio, isto é, as conexões genéticas do Serviço Social profissional não se

entretecem com a ‘questão social’, mas com suas particularidades no âmbito da sociedade burguesa fundada na

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recuperação da hegemonia ideológica católica, o qual foi posto em prática pela Igreja Católica com suporte nas encíclicas Rerum Novarum, de 1891 (divulgada pelo papa Leão XIII) e Quadragésimo Anno, de 1931 (divulgada pelo Papa Pio XI).

Vale destacar o fato que a Rerum Novarum configurou-se numa resposta à situação da classe operária e ao acirramento da luta de classes, o que a caracteriza como documento eminentemente político, tentando constituir-se como proposta articuladora da conciliação entre as classes. Por sua vez, a Quadragésimo Anno, encíclica lançada depois da Revolução Russa e da I Guerra Mundial em meio à crise de 1929, tem um tom mais radical, no sentido de colocar a caridade, o messianismo, o espírito do sacrifício, a disciplina e a renúncia total, que passam a ser parte constitutiva dos aspectos doutrinários e dos hábitos que acompanham o surgimento da profissão sob a perspectiva católica.

Assim, o Serviço Social surge vinculado ao trato concreto das múltiplas expressões da questão social, sendo sua profissionalização marcada por determinantes “internos” a profissão, a exemplo de sua ampliação de conhecimentos teóricos, chegando à sua maturidade teórica com a evolução dos anos e pela mediação com o conhecimento de outras áreas do conhecimento humano e por determinantes “externos”, a exemplo do agravamento da pobreza e da violência. Desta feita, o surgimento do Serviço Social seria uma estratégia para dar um tratamento sistemático à questão social, o qual se configura com um objetivo precípuo de “frear” o movimento operário e de assegurar as condições gerais de reprodução do capital no momento fordista-keynesiano, após a II Guerra Mundial.

Desse modo, compreendemos que há estreita vinculação entre surgimento do Serviço Social como profissão e como prática institucionalizada com a chamada “questão social”10 Como exprime Paulo Netto (2009, p. 17):

O Serviço Social é uma profissão inserida na divisão sócio técnica do trabalho que tem uma natureza interventiva, que tem por objetivo a atuação nas refrações da questão social e por horizonte o cotidiano. Ou seja, se move num tecido heteróclito- numa teia de fios econômicos, sociais, políticos, culturais, biográficos etc. onde a sua fenomenalidade é sincrética.

Nessa concepção histórico-crítica acerca da profissão em foco, é comum a compreensão de que a origem do Serviço Social no Brasil encontra-se estreitamente vinculada

10“Por “Questão Social”, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas políticos,

sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade

capitalista. Assim, “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da

classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia [...]” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 77).

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às iniciativas da Igreja, especialmente de sua parcela feminina, vinculada predominantemente a setores abastados, que tinha como objetivos dinamizar sua missão política de apostolado social junto às classes subalternas, em especial, a operária.

Os autores Bravo e Matos (2006) comentam sobre as duas fundamentações mais representativas do Serviço Social em sua origem e institucionalização:

A conjuntura de 30 a 45 caracteriza o surgimento da profissão no Brasil com influência europeia. A expansão do Serviço Social no país, entretanto, ocorre a partir de 1945, relacionada com as exigências e necessidades de aprofundamento do capitalismo no Brasil e às mudanças que ocorreram no panorama internacional em função do término da 2ª Guerra Mundial [...]. Nesta década, a influência norte-americana na profissão substitui a europeia, que marcou a conjuntura anterior, tanto no nível da formação profissional - com alteração curricular – como nas instituições prestadoras de serviços. O marco desta mudança de influência situa-se no Congresso Interamericano de Serviço Social realizado em 1941, em Atlantic City. (EUA) (BRAVO; MATOS, 2006, p. 198).

Vale destacar que no Brasil, o Serviço Social teve como referência fundamental no seu surgimento a escola europeia – a qual se vincula de forma significativa à influência da Doutrina Social da Igreja, paradigma neotomista e sociologia tradicional – e a escola americana, fundada numa análise mais individualizante e psicológica dos processos sociais. Em ambas as escolas, o que está presente é o pensamento conservador, ou seja, o trato individualizante da questão social como uma questão moral ou comportamental, o que demonstra “[...] um estilo de pensar o social que tem por limite o marco da sociedade burguesa.” (PAULO NETTO, 2009, p. 43).

É sobre os fundamentos que constituem a profissão de Serviço Social no Brasil que vamos nos debruçar no próximo item, fazendo uma análise histórica, teórica e crítica do Serviço Social, focalizando nos paradigmas fundantes da formação profissional e do exercício docente.

3.2 Paradigmas fundantes do currículo de Serviço Social no Brasil: da visão cristã à