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5 Conceitos e principais atributos da imagem fotográfica digital

5.4 A explosão dos usos domésticos

Em reportagem publicada no suplemento Revista do jornal O Globo, de quatro de novembro de 2012, sobre a inserção das classes D e E 12 no mundo da fotografia digital, são contadas histórias de pessoas e famílias que nunca tiveram uma câmera e, muitas vezes, tiveram sequer uma foto de avós, pais ou suas quando bebê.

A matéria jornalística conta o caso de Camila Claudia Gomes, 21 anos, moradora uma comunidade da Gamboa, que não tem certidão de nascimento, mas tem um celular com o qual fotografa suas duas filhas (também não registradas) (MENEZES; FARAH, 2012, p.31). O computador, necessário para arquivar as imagens do celular foi comprado de segunda mão e parcelado. Ex-moradora de rua, Camila fotografa as filhas todos os dias, numa forma de compensar a ausência do seu próprio passado. A psicóloga Maria Tereza Maldonado explica:

É uma prova concreta da existência. Muito da nossa memória vai para o arquivo do inconsciente, que pode ser revisitado nas

12 Segundo o Fecormécio, fazem parte da classe D os brasileiros com renda mensal entre R$900 e R$1.400; na classe E a renda é menor que R$900 (MENEZES; FARAH, 2012, p.38).

fotografias. Isso tem um forte significado na construção da identidade. O acesso a esse registro fotográfico alcança pessoas que não tinham essa possibilidade. Abre-se assim um leque fantástico no campo emocional. Os momentos mais triviais são fotografados (MENEZES; FARAH, 2012, p.32).

Nunca se produziu tanta imagem fotográfica digital, tanto arquivo (no sentido informático) amador e doméstico, mas isso não significa que o stock de imagens do mundo aumentou.

As estatísticas brasileiras demonstram o significante aumento do consumo de câmeras e celulares:

Segundo a empresa de consultoria Kantar Worldpanel, nos últimos três anos o item de consumo que mais cresceu foram as câmeras digitais (35%). Estudo da Fecomércio de 2011 mostra que, de 2003 a 2009, o gasto com celular aumentou 63,6% em todas as classes sociais, chegando a 312% na classe E. Em pesquisa do Instituto Data Popular de 2012, cerca de 66% dos brasileiros usam o celular para tirar fotografias. (MENEZES; FARAH, 2012, p.32)

Mas o que acontece com tanta imagem? A fotógrafa e professora Patrícia Gouvêa questiona:

Em um mundo em que tudo é imagem, o importante é o filtro. A questão é que as pessoas não montam seus acervos. Antes, selecionavam-se as melhores fotos. Hoje, são centenas de cliques. Nunca se gerou tanto arquivo. É uma quantidade avassaladora. É preciso a mão do artista, do editor. A questão é: como isso está armazenado? (MENEZES; FARAH, 2012, p.35).

Possivelmente, grande parte dessas imagens não estão sendo armazenadas. No entanto, com o barateamento do computador e as facilidades de acesso à Internet (mesmo que ainda precário no Brasil), muitas dessas fotografias domésticas estão sendo compartilhadas nas redes sociais, principalmente no Orkut e no Facebook.

Segundo relatório do site Socialbakers, o Brasil é o segundo país com mais usuários no Facebook. De acordo com o levantamento, a base de usuários brasileiros ativos na plataforma é de 46 milhões de cadastrados e aparece na frente da Índia (45 milhões) e atrás apenas do líder, Estados Unidos, com 157 milhões. (Disponível em:

http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/brasil-e-2o-pais-com-mais-usuarios-no-facebook-diz-site Acesso em 10.dez.2011)

A tecnologia que acompanha este movimento de compartilhamento só faz crescem em proporção planetária: segundo a empresa de telecomunicações Cisco, o número de aparelhos móveis com acesso à Internet ultrapassará, ainda este ano, o número de habitantes do planeta (sete bilhões). (O GLOBO, 9, fev.2013, p.26)

Murray (2008, p.151) estuda o uso social da fotografia digital como é apresentada no fotoblog Flickr, outra rede social bastante utilizada para exibir fotos de todos os tipos e assuntos. Num processo mais sofisticado que o Orkut e o Facebook, no Flickr as pessoas se organizam em comunidades de assuntos como paisagens, bichos, coleções, etc. O mais importante é que a pesquisadora diferencia o fotógrafo amador/profissional do fotógrafo doméstico/familiar. O primeiro grupo entende a técnica, o funcionamento da câmera e as formas de se criar fotos de qualidade; o segundo não se importa nem um pouco com esses detalhes, contanto que registrem compulsivamente os fatos cotidianos de suas vidas. Assim é a ex- moradora de rua Camila.

O que caracteriza a fotografia digital cotidiana é justamente a abordagem prosaica do dia a dia que é fotografado. Antes, no analógico, um filme de 36 poses era comprado para um evento especial, uma festa, uma viagem, agora tudo em qualquer momento é fotografado. Por conta deste fato o volume de arquivos é imenso, amorfo e com padrões estéticos discutíveis. É mesmo preciso arquivar tudo isso?

Contrária às críticas de perda de qualidade e sentido da fotografia digital cotidiana, Murray (2008, p.154) afirma: “[...] eu diria que a introdução da fotografia digital e de sites de compartilhamento, como o Flickr criou uma função adicional para a fotografia que tem muito mais a ver com a tolerância do que com a perda”.

A proposta e perceber nesse movimento uma nova estética fotográfica relacionada com o cotidiano, como uma nova prática: a fotografia cotidiana digital (MURRAY, 2008, p.159).

Um exemplo dessa estética seria o aplicativo de manipulação e compartilhamento de fotografias para Iphones (celulares da Apple) chamado Instagram. Este aplicativo permite ao usuário criar fotografias com efeitos

especiais, por vezes imitando fotos antigas como as instantâneas Polaroids, que imediatamente são enviadas para as redes sociais como o Twitter, o Facebook e outras.

O Instagram tinha, até dezembro de 2012, cerca de 16,3 milhões de usuários. No entanto, no final do ano passado a empresa que administra o aplicativo tentou mudar as regras, incluindo artigos sobre a utilização comercial das fotos produzidas pelos milhões de usuários. A ideia era que a empresa poderia usar comercialmente as fotos sem nenhuma compensação financeira ou autoria do usuário. O contrato foi considerado escandaloso e o Instagram perdeu desde então metade de seus clientes (cerca de 8,7 milhões de usuários) (O Globo, 16.jan.2013, p. 23).

Este caso é um exemplo das possibilidades estéticas, e comerciais, desse universo novo formado de dezenas de milhares de imagens fotográficas digitais cotidianas.

6 As fases do desenvolvimento da técnica fotográfica em seus usos