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9 Teóricos da fotografia aos documentalistas e cientistas da Informação

9.3 Informação semântica e Informação em arte na Ciência da Informação e suas convergências interdisciplinares

9.3.2 Informação estética – informação em arte fotográfica

Quando a fotografia se liberta de sua objetividade, considerada unívoca, quando se livra de sua conexão paralisante com o real, a arte se faz presente.

A análise comparativa de Rouillé (2009, p.19) – fotografia-documento e fotografia-expressão – mais uma vez nos indica possibilidades para definir a informação em arte, a informação estética, ligada à fotografia:

Enquanto a fotografia-documento se apoia na crença de ser uma impressão direta, a fotografia-expressão assume seu caráter indireto. Do documento à expressão, consolidam-se os principais rejeitados da ideologia documental: a imagem, com suas formas e sua escrita; o autor, com sua subjetividade; e o Outro, enquanto dialogicamente implicado no processo fotográfico. (ROUILLÉ, 2009, p.19)

A dupla categorização de Rouillé e a definição de informação estética de Moles convergem no que diz respeito à subjetividade inerente ao discurso artístico.

Utilizando como exemplo a música, Moles (1978, p.192) considera a informação estética intraduzível: se refere ao repertório dos conhecimentos comuns ao transmissor e ao receptor da mensagem, não há aqui um repertório universal como na informação semântica. Por isso, não é traduzível em “outra língua ou sistema de símbolos lógicos”. Está próxima do conceito de informação pessoal . Intraduzível, a informação estética é apenas transportável aproximadamente:

O ponto de vista estético, ao contrário precedente não tem por objetivo preparar decisões, não tem objetivo propriamente dito, não tem caráter de intencionalidade determinando de fato estados interiores, cujas repercussões apenas são objetivamente contestáveis, ao menos nos casos típicos, pelos psicoestetas, ou mesmo pelos psicofisiologistas (emoção estética, trabalhos de fisiologia sobre sensações da música, etc.). (MOLES, 1978, p.193).

Ainda de acordo com Moles mensagens puramente semânticas ou estéticas são limites, polos dialéticos, pois toda mensagem real comporta, sempre, misturadas, certa proporção de uma ou de outra:

Se a informação semântica que se dirige a aspectos universais da estrutura mental do indivíduo é bastante fácil de se medir e se determinar objetivamente, o que torna melhor conhecido, ao contrário, a informação estética é aleatória, específica ao receptor, porquanto varia segundo seu repertório de conhecimentos, de símbolos e de estruturações a priori, sendo muito mal conhecida e difícil de medir. (MOLES,1978, p.196).

Mesmo desenvolvendo sua teoria de Informação Estética com base na estrutura da composição musical, Moles utiliza exemplos da pintura:

O aspecto estético da mensagem pictórica, aquele que, finalmente a sobrepuja para determinar o valor dessa mensagem para o espectador, comporta, também ele, uma redundância: vinculação a um estilo tradicionalista mais ou menos marcado pelas ligações entre as formas, cor dominante do quadro, tão característica de certos pintores, toque do pincel; o conjunto dessa redundância é um conhecimento a priori que define o estilo da pintura. As partes originais da mensagem estética são precisamente a expressão aleatória do que faz o valor, no interior de um mesmo estilo, de tal quadro particular; é o que a estética pictórica tradicional qualifica como termos vagos da personalidade do quadro, mestria, originalidade, etc. que uma estética experimental coerente deve

precisar, encerrando esse fator numa definição numérica da originalidade estética. (MOLES, 1978, p.198).

Como já citado anteriormente, influenciado pela Teoria da Informação expressa por Shannon e Weaver no seu livro “A Teoria Matemática da Comunicação” (1949), Moles acreditava determinar uma definição precisa da Informação Estética, por meio de conceitos matemáticos.

Não descartando os aspectos subjetivos desta forma de Informação, Moles considera o conceito de redundância como a chave para esta definição. Redundância seria a “expressão aleatória dos conhecimentos a priori que o receptor possui da mensagem; a redundância se opõe à informação numa dialética banal/original, mas condiciona a inteligibilidade dessa mensagem, criada aí uma organização interna” (MOLES, 1978, p.184)

Quanto maior a redundância, menor a quantidade de informação. Nesses termos, no esquema de Moles, a Informação Estética resultaria de um menor grau de redundância posto que não é traduzível, considerando os pressupostos das “leis universais” da informação Semântica. (MOLES, 1978, p. 192).

Resumindo: Informação Semântica pressupõe maior redundância e Informação Estética, menor redundância. O que há de intraduzível e pouco redundante, inspira o observador/receptor da mensagem estética inspiram maiores desafios na apreensão, compreensão e codificação dessa mensagem. Temos aqui maior amplitude de informação.

Podemos aproximar, ainda, a teoria de Moles ao sistema descritivo de Erwin Panofsky para aprofundar a questão da Informação em Arte, Estética.

Em seus estudos sobre a arte no Renascimento, Panofsky desenvolveu os princípios de uma descrição baseada em três níveis de significado que podem ser aplicados a qualquer representação pictórica:

a) Pré-iconográfico – definido como o assunto primário ou natural, factual ou expressional; é a descrição genérica dos objetos e atos representados na imagem, expresso pela preposição DE, pertence ao nível da descrição;

b) Iconográfico – nível secundário ou convencional; a percepção deste nível requer familiaridade com os objetos e eventos que possibilita a

identificação de objetos específicos; neste nível participam termos como: representação de ideias, temas, conceitos, alegorias ou histórias; expresso pela preposição SOBRE, pertence ao nível da análise;

c) Iconológico – este é o nível do significado intrínseco, da interpretação, da análise subjetiva; A interpretação iconológica é baseada em acurada análise pré-iconográfica, descritiva, e numa correta análise iconográfica da imagem, porém, pelo seu aspecto subjetivo, o nível iconológico varia de acordo com quem o descreve. (PANOFISKY, 1979, p.50).

A teoria de Panofsky é, ainda hoje, bastante utilizada na descrição, classificação e indexação de documentos imagéticos. Edie Ramussen (1997) também a considera útil nos sistemas de informação visuais. Tais sistemas proporcionam aplicações amplas nos diversos campos do saber: cultural, educacional, científico, comercial, legal ou médico. Para Rasmussen (1997), coleções de imagens, até recentemente, eram consideradas valiosos recursos, mas de difícil acesso devido à limitação em termos de duplicação e reprodução. Com a tecnologia digital a replicação de imagens se tornou relativamente fácil. Seria um novo estágio no processo de reprodução tecnológica descrita por Benjamin no seu conhecido texto. (apud GUERRA, 2009, p.81).

Os níveis descritivos, pré-iconográficos e iconográficos de Panofsky aproximam-se das informações semânticas segundo o conceito de Moles (1978.p.192), pois representam valores universais, comuns a várias outras imagens artísticas, enunciáveis e traduzíveis a qualquer língua estrangeira. Estes dois primeiros níveis são baseados em convenções de forma e conceitos pré-estabelecidos socialmente, de compreensão clara e não subjetiva.

O nível Iconológico poderia ser representado como Informação Estética, pois confere um significado intrínseco, só traduzível se emissor e receptor conhecem a linguagem ali descrita. Panofsky afirma a subjetividade inerente a este nível, mas propõe uma eficiente análise dos dois níveis anteriores, como solução para reduzir esta subjetividade, assim como Moles propõe a utilização do conceito de redundância para controlar a subjetividade da Informação Estética. Em ambos dos casos é, no entanto, possível de perceber que nas

subjetividades aqui descritas é que encontramos valores informativos maiores do que numa descrição baseada em conceitos definidos pelo senso comum da Informação Semântica.

De acordo com a dupla qualificação da fotografia de André Rouillé, a Teoria da Informação Semântica e estética de Abraham Moles e o sistema descritivo de Erwin Panofsky, concluímos que a fotografia, ao se livrar das amarras do paradigma do índice de Peirce e assumir seus dados subjetivos como expressão e arte, enriquece seu espectro do que pode ser considerado não somente um espelho do real, mas arte. Feita por um tipo especial de artista: o fotógrafo.

Mesmo as imagens fotográficas com maior valor informativo semântico, como as fotografias jornalísticas ou científicas, têm também sua beleza, transposta em Informação Estética.

No caso do fotojornalismo, na reprodução de imagens de eventos, semelhantes entre si, é possível destacar fotógrafos e imagens que ilustram um diferencial estético. Não fossem assim, todas as imagens de eventos marcantes, não importam as circunstâncias como fotógrafo e ponto de vista, seriam todas iguais.

No âmbito da Ciência da informação, a Informação estética ou Informação em Arte adquire grande importância com o desenvolvimento de espaços específicos: bibliotecas de arte, redes e sistemas de museus de arte e museus virtuais. Segundo Pinheiro:

Informação em arte “é o estudo da representação do conteúdo informacional de objetos/obras de arte, a partir de sua análise e interpretação e, nesse sentido, a obra de arte é fonte de informação” e, ao mesmo tempo, expressa “múltiplas manifestações e produções artísticas” (PINHEIRO, 1996).

Nesse contexto podemos inserir as fotografias como expressões artísticas conectadas em suas diversas fases do desenvolvimento da técnica fotográfica. Citamos, como exemplo, importantes instituições museológicas da Europa e dos Estados Unidos começam a expor trabalhos fotográficos desde 1893: a Academia Real de Berlim, a Kunsthalle de Hamburgo e as galerias norte-americanas Albright, Carnegie e Corcoran. Em 1896, o Museu Nacional dos Estados Unidos (hoje Smithsonian National Museum of Natural History)

adquire fotografias para suas coleções e o governo da Bélgica cria um Museu Fotográfico como anexo dos Museus Reais de Arte e História. (FABRIS, 2011, p. 41)

Nos Estados Unidos, a partir dos primeiros trinta anos do século XX, esta relação se transforma quando arte moderna e fotografia influenciam-se mutuamente, criando um ambiente propício, no qual a fotografia adquire um espaço maior nas galerias e nos museus. (GUERRA, 2012).

Lembrando as palavras de Otlet (1934, p.193), no seu Traité de Documentation, quando afirma que a fotografia tem um importante papel na educação, citamos também Pinheiro, para quem a “arte e a produção artística são comunicadas sob a forma de informação artística e tendo como suporte as novas tecnologias de informação, o que pode levar à concretização de um trabalho social e educativo”. (PINHEIRO, 2005, p.53)

Considerar a imagem fotográfica como fotografia-expressão, como Informação Estética ou Informação em Arte fortalece ainda mais seu papel informativo e seu espaço nos arquivos, bibliotecas, museus e salas de aulas, na sua função informativa e educacional.