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5 A DIALOGICIDADE NA DOCÊNCIA NA UFC – FUNDAMENTOS DA

5.1 Fundamentos da Educação Dialógica Freireana

5.1.3 Fé nos seres humanos

A fé nos seres humanos, de que trata Freire, refere-se a uma confiança na capacidade criadora das mulheres e homens, o que leva a uma horizontalidade das relações, como também, estimula a busca pela recuperação de sua humanidade negada. Como assevera Freire (1996, p. 25), “Essa é uma das significativas

vantagens dos seres humanos – a de terem se tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes”.

Assim, neste tópico, iremos abordar as falas dxs professorxs que se relacionaram à fé nos seres humanos.

Iniciamos com a professora Acerola discorre sobre o trabalho conjunto que faz com outrxs professorxs e destaca a relevância da parceria e da multiplicidade de saberes, já que trabalha com estudantes de vários cursos. Ela apresenta um conceito de artitagens, que ela explica mais à frente, que se trata de um trabalho que xs estudantes apresentam, em equipe, ao final do semestre, expressando os conceitos e conteúdos que foram estudados em forma de alguma expressão artística. Isso corresponde a princípios dialogais, como respeito à autonomia dxs educandxs e fé/confiança nos seres humanos.

“[...] pra discutir questões que ela está discutindo lá na Filosofia Antiga, que inclusive os mesmos alunos estão fazendo a disciplina que é a questão da justiça, da verdade, da cooperação, conceitos que ela elencou. E essas disciplinas são... Filosofia, Filosofia da arte, Filosofia e Cinema, são disciplinas que a gente chama, então elas são abertas pra todos os cursos. Tem gente da moda, da gastronomia, do próprio cinema, então isso é muito rico porque eles trazem seus saberes e aí nas artistagens, o pessoal do cinema ajuda quando é, por exemplo, vídeo, o modo de expressão é vídeo... e o pessoal da moda, se vamos ter... recorrem ao da Filosofia pra conversar conceitos, como é que eles

poderiam pensar. [...]”. (Profa. Acerola)

A professora Acerola revela que propõe uma autoavaliação aos/às estudantes, inclusive, indicando-lhes uma reflexão crítica sobre a mesma, atentando para os aspectos éticos e para uma justificativa coerente. Ela utiliza essa autoavaliação – e a nota que elxs atribuem a si mesmxs – na sua nota final da disciplina.

“[...] e a outra coisa é a avaliação, que é muito difícil, então, eu digo pra eles que, quando a gente faz um momento de socialização das experiências, que eles se autoavaliem. Com muita seriedade, desde a pontualidade, desde a presença nos seminários, não só aquele momento do dar aula e isso tem funcionado. Uns se dão 10, outros se dão notas muito abaixo do que eu daria (risos). Têm umas discrepâncias, mas aí eu questiono: ‘Por que só 8?’ quando é um aluno que merece 10. A gente conversa também. Aí eu digo ‘Ó, pessoal, eu tenho que colocar uma nota no Sigaa, um número, que número vocês se dariam?’ e justificar porque, né. O Deuleze, ele passava uma folha de chamada e cada um botava a sua nota, como eram muitos alunos ele não tinha como conversar, fazer

uma roda e então ele botava a nota que o aluno se atribuía. [...]”. (Profa. Acerola)

Essa nos parece ser uma postura dialógica, porque denota reflexão crítica sobre a prática, além de liberdade e autoridade. Além disso, é uma atividade formativa, porque possibilita o aprendizado dos processos avaliativos, muitas vezes tão pouco vivenciados pelxs estudantes.

Claramente, no trecho a seguir, a professora Acerola revela uma fé na capacidade de seus/suas estudantes, na medida em que, como ela mesma afirma, “lança o desafio” de apresentar-lhes conteúdos semelhantes aos que são estudados pelxs estudantes da pós-graduação. Reconhece, entretanto, que não pode exigir de ambos as mesmas respostas, os mesmos resultados, visto que estão em níveis diferentes de ensino. Isso denota bom senso, reflexão crítica sobre a prática e generosidade.

“[...] Mas, por exemplo, eu não consigo tratar conceitualmente diferente na pós-graduação e graduação. Eu não vejo que eu tenha que me adaptar, eu lanço o desafio, agora, onde eles vão chegar, claro que vai ser diferente, porque os alunos são diferentes, mas eu não me privo por achar ‘Não, eles não vão entender isso’. Não, vamo tentar. ‘Professora, mas eu não entendi nada’, ‘Não, eu não acredito nisso de não entender nada. Entender nada quer dizer que tu não leste. Quem leu vai me dizer... tá, não entendeu nada, tá ok... Por que?’ Aí vêm os porquês. [...]”. (Profa. Acerola)

A seguir, encontramos uma fala muito bonita do professor Manga, ao reconhecer que, na verdade, o(a) estudante ignora algumas coisas, mas, por outro lado, sabe muitas outras. E que, se o(a) professorx tiver a disposição de se relacionar com o(a) educandx considerando seus saberes e confiando que elx pode aprender, essa aprendizagem pode se tornar em algo significativo e marcante, além de motivar o(a) estudante a ir além. Essa postura corresponde aos princípios dialogais, como respeito aos saberes dxs educandxs, esperança, generosidade.

“[...] E é fantástico, isso é contra, contraria as noções que o professor tem que o ignorante não pode... Se motivado e tratado adequadamente, pode estabelecer um plano de estudos muito interessante. Essa seria a caracterização de como tornar isso do aprender uma experiência significativa. Uma coisa que pode marcar mesmo a vida de alguém e aí ele vai dar o máximo pra definir esse trabalho, porque as pessoas podem ser ignorantes, mas não são idiotas. Na hora que ela percebe que é

“[...] Mesmo um cara super ignorante pode dizer da ignorância dele como é que ele gostaria de aprender. [...]”. (Prof. Manga)

Neste trecho de sua entrevista, o professor Manga reflete acerca de um fundamento importante da EDF, que é a contextualização dos processos educativos, considerando as características do lugar, da cultura, das pessoas envolvidas no processo educativo.

“[...] E quando você se volta pra essas questões locais, por exemplo, trabalhar o semiárido, quando que o semiárido com as características que

ele tem? [...]”. (Prof. Manga)

O professor Manga destaca que ser dialógico não significa “ser bonzinho”, no sentido pejorativo da palavra. É necessário coerência e criticidade, inclusive para mostrar ao educandx o que elx já aprendeu e o que ainda tem a aprender.

“[...] Quer dizer, não é passar a mão na cabeça, ‘você já sabe tudo, que

legal’, mas é ver o que você sabe mesmo, o que é consistente, o que é

coerente, o que resiste a teste, se for o caso, o que transforma a realidade num conceito que... a partir desses saberes. [...]”. (Prof. Manga)

A professora Tamarindo, na fala que trazemos a seguir, chama a atenção para o seu trabalho de forma contextualizada. Poderíamos afirmar que estes temas que ela propõe para problematizar os conteúdos são o que Freire chama de “temas geradores”? Acredito que sim e que essa é parte de uma educação dialógica.

“[...] A gente pontua uma notícia, ou então pontua uma lição que foi sofrida, uma opressão que foi vista daqui, a gente a partir disso, vai começar a discutir, vai cimentar isso no corpo pra poder transcender isso, transformar e transmutar isso numa cena ou então numa proposição

artística, mas acredito que é por aí. [...]”. (Profa. Tamarindo)

Neste relato a seguir, podemos enxergar princípios dialogais, como a confiança, o comprometimento, a tomada consciente de decisões.

“Muito! Pra mim, sempre foi muito rico. Voltando pra esse lugar onde eu tô, que é de teatro, e pensando nas disciplinas que eu acabo ministrando aqui, é... quando são disciplinas artísticas, quando não são disciplinas de publicidade, com estágio... mas em todas elas acaba existindo esse princípio criativo, pesquisa em artes cênicas, introdução ao TCC, por mais que o produto final seja um texto escrito, ainda existe essa possibilidade de criação. O estímulo à criatividade eu acho que é fundamental, então, nesse sentido, essas trocas, esses olhares... o que ele vê é diferente do

que eu vejo e como a gente consegue conversar e conversando o que a

gente consegue produzir”. (Profa. Tamarindo)

No trecho adiante, observamos o destaque à confiança e ao apoio do grupo de estudantes. O trabalho com o foco na constituição de grupos-aprendentes tem sido proposto e desenvolvido pela PER, proposta educativa e epistemo- metodológica fundada nos princípios da dialogicidade freireana. Figueiredo (2007) destaca que, nesta perspectiva, tanto o grupo como os indivíduos têm a mesma importância. Pode-se enxergar, através dessa fala do professor Murici, que ele vem trabalhando dessa forma, na medida em que estimula o respeito aos saberes e à individualidade de cada estudante, ao mesmo tempo em que incita o avanço daquelxs que necessitam.

“E aí, um elemento que eu tento trabalhar, que é a própria confiança no grupo. Permitir que o grupo, ao se posicionar, mesmo às vezes quando a ideia ainda é uma ideia muito fraca em relação àquilo que a gente está trabalhando, fazer com que o grupo respeite o nível de conhecimento daquela pessoa sobre determinado elemento. Isso tem funcionado, mas até mobilizar pra que o grupo todo tenha essa possibilidade de se posicionar, de dialogar sobre aquele assunto, sobre aquele conteúdo que

a gente está trabalhando, isso tem se mostrado uma questão frequente”.

(Prof. Murici)

Quando questionado se acredita que sua forma dialógica de trabalhar afeta ou modifica o conteúdo, o professor Murici afirma que sim, pois isto lhe permite estar aberto a outros olhares e outras possibilidades acerca do mesmo. Essa é uma postura que exige pesquisa e reconhecimento de ser condicionado.

“Eu acho que sim, principalmente porque você passa a ter uma metodologia diferenciada, a escolha do material com o qual você vai trabalhar os conteúdos também é diferenciada, e isso vai permitindo com que você tenha um conjunto de outras ideias que vão dar uma noção de totalidade sobre aquele conteúdo que você está trabalhando. Se você se permite a essa abertura sobre diferentes contribuições de áreas distintas sobre o conteúdo que você está trabalhando, ou seja, dialogar com outras áreas também, eu acho que isso enriquece a totalidade sobre aquele conteúdo. Eu acho que isso modifica completamente a forma como os

alunos e os professores vão conhecer a sua disciplina”. (Prof. Murici)

“A contribuição deles é importantíssima, mas também a minha forma de pesquisar sobre aquele determinado assunto faz com que seja uma

Assim, podemos afirmar que a fé nos seres humanos se encontra presente na práxis dxs professorxs entrevistadxs, manifestada através da confiança no grupo, da contextualização dos temas de estudo e do trabalho em parceria.