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6 A DIALOGICIDADE NA DOCÊNCIA NA UFC – FORMAÇÃO E

6.3 Uma entrevista singular

Houve uma das entrevistas que foi muito peculiar, apresentando-se bastante diferente das demais. Inclusive, ao realizar a análise da mesma, foi difícil fazê-lo conforme as categorias definidas para as outras. Por essa razão, optamos por trazê-la em separado neste tópico.

Trata-se da entrevista realizada com um professor que atua em uma área das ciências exatas. Esclarecemos que este professor teve poucas indicações. No entanto, conforme afirmamos anteriormente, pretendíamos que a pesquisa contemplasse as várias áreas de conhecimento em que a UFC oferece licenciaturas e poucxs professorxs desta área foram indicados.

Com essa justificativa, daremos continuidade, passando a tratar da entrevista mencionada. A mesma já iniciou com um estranhamento, por parte do professor, da sua indicação como dialógico. Realmente, após a análise, poderíamos afirmar que não se trata deste tipo de professor. Inclusive, a própria entrevista, no começo, foi difícil de fluir, diferentemente das demais, e exigiu um "jogo-de-cintura" metodológico, por parte da pesquisadora, para dar continuidade à mesma. Além do mais, como já esclarecemos, dxs professorxs que contatamos para colaborar com a pesquisa, pouquíssimos se dispuseram a ser entrevistadxs. Assim, procuramos aproveitar ao máximo as oportunidades que tivemos.

O trecho abaixo deixa claro este estranhamento a que nos referimos:

“[...] por mais que os alunos possam ter referido a mim usando algum tipo desse método ou me enquadrando nisso daí, eu não sei até onde eu me enquadraria, porque ainda assim nós estamos bem pautados em métodos bem rígidos, então, [...] dialógico, pra mim, o que seria, até onde eu posso interpretar isso... Então, veja, sinceramente, eu não saberia te responder se... Porque até talvez os próprios alunos lá, ao me indicarem, podem ter também tomado uma interpretação não tão

completa sobre os conceitos, metodologias e etc.”. (Prof. Carambola.

Grifos nossos.)

Após o estranhamento inicial, o professor Carambola pediu que esclarecêssemos do que se trata o termo dialógico que estávamos usando, já que ele não era familiarizado com esse termo. E assim o fizemos. Procuramos elucidar

do que se trata a educação dialógica, passando um pouco por cada um de seus fundamentos.

Após esta explanação sobre os fundamentos da educação dialógica freireana, o professor Carambola assumiu que “inconscientemente” é possível que ele contemple alguns desses aspectos. Ele confirma que não conhece essas abordagens, esses conceitos e diz que “pratica” alguns desses, mas que isso se dá a uma proximidade da faixa etária sua e dxs estudantes, o que favorece o diálogo, devido a uma “linguagem parecida”: “[...] Uma geração muito próxima, eu tenho 32 e tô dando aula pra aluno de 25, então, acho que isso daí talvez... [...]”.

Dando sequência, o professor Carambola afirmou que essa proximidade da sua idade e a dxs estudantes favorece uma “relação mais honesta e mais equilibrada, horizontal, como você diz, com certeza, isso é natural. Isso é uma coisa que surge natural, sem me preparar, sem ter base teórica pra isso”. Contudo, na continuidade, ao tratar sobre o pensar crítico, ele discorreu sobre a impossibilidade de se trabalhar dessa forma dialógica em cursos como os da área em que atua. Observamos alguns trechos de sua entrevista:

“Criticidade é uma coisa complicada, e eu sempre entro nessas discussões quando a gente tá falando de matemática e física, mas mais matemática mesmo e tentando adaptar essas metodologias novas de ensino e etc. A gente... isso pra mim ainda não é claro, por exemplo, como trabalhar essa questão da criticidade nos estudos técnicos? Pra isso, não é ainda cristalino, eu não acredito que nós possamos... pelo menos que eu faça isso em sala de aula, acho muito difícil. Até porque eu costumo usar sempre um exemplo, a nossa base, os nossos axiomas, ou seja, a base de conhecimento que eu uso aqui e tento passar é uma base de 300 anos, é a mesma coisa, do mesmo jeito. O igual é o mesmo igual usado há 300 anos atrás. O entendimento lógico é a mesma coisa, a linguagem lógica é a mesma”. (Prof. Carambola)

Com isso, fomos procurando fazer uma reflexão junto a este professor, questionando a necessidade de atenção a alguns princípios pedagógicos, já que trabalha em cursos de licenciatura, que está, em tese, formando professorxs para atuar na educação, nas escolas. Entretanto, o professor deixou claro que não valoriza estes saberes pedagógicos. Ele justifica, afirmando que dá aula para turmas dos primeiros semestres do curso, onde se encontram as disciplinas com os fundamentos teóricos da ciência, e que xs estudantes terão oportunidade de lidar com os conhecimentos didáticos e pedagógicos mais adiante no curso. Contudo,

fomos esclarecendo que os princípios da práxis freireana podem estar presentes na relação educadorx-educandxs em qualquer área e nível de ensino. Ele confirma sua posição de que o conhecimento de sua área é muito rígido, afirmando que não há espaço para o pensar crítico:

”Então, nós temos aqui, são tudo livros de física básica, tá vendo? Basicamente são esses tipos de livros. Física básica, fundamental, são esses termos, acaba sendo isso que a gente acaba, no começo, sendo obrigado e tendo que passar. Isso aqui é mais do que eles vão depois utilizar e transmitir pra um Ensino Médio, de fato, é mais. É um conteúdo mais abrangente, são ferramentas matemáticas mais avançadas que nós usamos aqui e que depois não vai ser usado no Ensino Médio. Isso é uma coisa que o seguinte, na licenciatura, informalmente, não tá escrito em lugar nenhum, mas, informalmente, a gente acaba vendo uma tendência, uma corrente, que prega que o ensino dos aspectos fundamentais deveria ser um pouco mais vasto, não deveria abordar tanta coisa, porque no dia a dia do professor do Ensino Médio ele não vai usar tudo”. (Prof. Carambola)

Também, como podemos perceber no trecho acima, o professor Carambola afirma que trata xs estudantes da licenciatura da mesma forma com xs do bacharelado. De certa forma, compreendemos sua posição, pois há, em geral, certa “disputa” nas faculdades que oferecem os dois cursos, tratando o bacharelado como um curso superior à licenciatura, o que, de certa forma, também denota a desvalorização que se dá à profissão docente. Entretanto, pudemos inferir que, para o professor Carambola, essa não-diferenciação se dá mais por uma supervalorização do aprendizado das teorias e dos conteúdos, em detrimento da compreensão da importância dos conhecimentos pedagógicos.

Na continuidade, ele afirma que, apesar de o foco das licenciaturas ser a formação para o magistério, na sua percepção, o que acontece é que muitxs estudantes buscam outros caminhos:

“[...] apesar de que, o termo licenciatura, associado a ele, nós tenhamos essa interpretação, mas eu não posso interpretar assim, porque nós temos um monte de gente indo pra pós-graduação. Eu tenho um monte de estudante de licenciatura que vão prestar concurso pra outros, nada a ver com licenciatura. Eu tenho um monte que entra que não é pra dar aula, tá se preparando pro vestibular, nós temos uma situação bem mais complexa aqui nas exatas”. (Prof. Carambola)

Isso demonstra, em nosso entendimento, certa distorção, por parte deste professor, visto que, inclusive, a maioria dxs estudantes que vai para a pós-

graduação, como ele ressalta, irá se tornar professorx na universidade ou em outras instituições de ensino superior.

Em certo momento de sua entrevista, o professor Carambola questiona a necessidade do papel do professor, ao afirmar, categoricamente, que “é possível substituir o professor”, tendo essa compreensão baseado na sua própria experiência de formação, como podemos ver abaixo:

“[...] a minha experiência com professores na graduação não foi boa... No doutorado sim, no doutorado, tive bons professores, na graduação não. [...] Eu estudava muito por conta [...] considerando até a minha história, eu vejo até como substituir um professor em alguns aspectos. Eu tava falando isso na questão dos cursos virtuais, que hoje, se eu falo inglês, se eu ouço inglês, se eu entendo inglês, tem cursos na internet em inglês, talvez melhores do que eu dou aqui na UFC. Tem professores muito mais renomados e mais experientes. Na área de matemática básica, então, até onde, o papel do professor nessas áreas básicas, até onde ele é insubstituível?”. (Prof. Carambola)

Assim, ele traz um exemplo, relatando o caso de um estudante seu que nunca falou em sala de aula, mas que foi aprovado, por isso, ele considera seu objetivo alcançado, pois tirou boas notas e isso demonstra que aprendeu o conteúdo. Questionamos se esse tipo de situação não o incomodava, e ele afirmou que, quando acontece, até tenta instigar o(a) estudante a participar, mas não insiste. Como ele exemplifica:

“[...] se o aluno fala ‘Eu não vou prestar atenção em você, eu tô aqui pra

prestar o ITA’, eu falo ‘Tudo bem, você tem o direito’. Eles me pedem

ajuda pra resolver exercício do ITA, esse é o tipo de papel também que a

gente tem que acabar cumprindo”. (Prof. Carambola)

Apesar disso, ao ser questionado se a maioria dxs estudantes é mais participativa nas aulas, ele respondeu: “A maioria acredita que o professor é um

elemento importante no aprendizado”.

Portanto, diante desses esclarecimentos, arriscamo-nos a afirmar que este não é um professor dialógico, pelo contrário, demonstrou ser um professor tradicional, conteudista, que valoriza a teoria e os conteúdos em detrimento dos saberes pedagógicos, tanto na sua prática, como na relação com xs estudantes.

“Obviamente, não se aplica aí o caso de... não se aplica, por exemplo, adquirir criticidade, pensamento crítico, não é aí, não é a função dessa disciplina, só que ela acaba, pega a ferramenta dele sozinho, sem trocar

uma palavra comigo, talvez só lendo o livro ou vendo vídeo no You Tube e o meu papel pra esse aluno foi só de aplicar prova”. (Prof. Carambola) Assim, ficou claro que sua (pouquíssima) indicação certamente se deu pela proximidade da idade com xs estudantes, o que gera uma linguagem parecida, como ele mesmo afirmou, ou, pior, porque essxs estudantes encontraram professores mais tradicionais do que ele.

Encerramos este tópico com as palavras de Freire (2007, p. 87):

Faz parte da importância dos conteúdos a qualidade crítico-epistemológica da posição do educando em face deles. Em outras palavras: por mais fundamentais que sejam os conteúdos, a sua importância efetiva não reside apenas neles, mas na maneira como sejam apreendidos pelos educandos e incorporados à sua prática. Ensinar conteúdos, por isso, é algo mais sério e complexo do que fazer discursos sobre seu perfil.

Com essa citação de Freire, gostaríamos de registrar a mensagem para este professor e para outrxs que pensam como ele: os conteúdos não são nada em si e por si sós. Eles só fazem sentido se forem compreendidos – não apenas repetidos – pelxs estudantes e se fizerem sentido para a vida, para a profissão, para a atuação destes.

No capítulo seguinte, traremos as considerações finais na conclusão desta pesquisa.