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Capítulo 5. – Apresentação e discussão dos dados

5.3. Informação e comportamentos de risco

5.3.5. Factores facilitadores da experimentação de drogas

No ponto 2.4. deste trabalho, apresentou-se um conjunto de factores, multidimensionais, cujos estudos relacionam a facilitação da experimentação e a utilização de drogas. Quanto mais factores estiverem presentes, maior é considerado o risco ou a predisposição para a realização de consumos de drogas. No entanto, trajectórias de vida que incluem um ou a totalidade destes factores de risco, não conduzem automaticamente a situações problemáticas de toxicodependência. Da mesma forma, a presença de factores protectores na vida de um indivíduo não determina sistematicamente a ausência de problemas deste tipo.

Para uma melhor verificação da teoria, questionaram-se as 19 pessoas inquiridas por entrevista semi-estruturada acerca de quais os motivos que as tinham levado ou influenciado no sentido de experimentarem drogas. Os dados fornecidos encontram-se compilados no Quadro 19.

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Quadro 19: Factores que facilitaram a experimentação de drogas, segundo opinião dos utilizadores de drogas problemáticos entrevistados

Factores facilitadores da experimentação de drogas

Entrevistados (N=19) Total de referências Pares (amigos/conhecidos) com consumos E1;E2;E3;E4;E5;E6;E7;E8;E9; E10;E11;E12;E13;E14;E15;E16; E17;E19; 18 Familiares com consumos E2;E3;E4;E5;E6;E7;E8;E10;

E12;E13;E14;E15;E16;E17;

15 Meio sociocultural (ex:

abundância da droga) E3;E6;E8;E13;E14;E15;E16; E18;E19; 9 Ignorância/Falta de informação E4;E7;E8;E9;E11;E15;E19; 7 Curiosidade E6;E8;E10;E11;E19; 5 Rebeldia E2;E10;E17;E18 4 Problemas E1;E4;E16; 3

Falta de controlo parental E1;E3; 2

Fonte: Entrevistas semi-estruturadas realizadas entre Março e Maio de 2011 Nota: Cada entrevistado podia referir mais do que um factor

A influência dos pares, ou seja, de pessoas amigas, conhecidas e até mesmo de namoradas - referidas por dois entrevistados, correspondeu ao factor com maior número de referências. Dos 19 indivíduos entrevistados, 18 verbalizaram ter sido influenciados pelos pares, o que é bastante significativo.

E7 26) “comecei a fumar charros porque tinha alguns amigos que também fumavam e eu quis experimentar, para mim aquilo eu até pensava que era também quase parecido com o tabaco e depois continuei a fumar… é uma droga leve, tudo bem que também faz mal, mas não é tão perigosa como as outras… Depois a coca e as outras coisas eu experimentei mais tarde, um bocado porque essa minha namorada também consumia, eu ao princípio não queria e discuti muito com ela por causa disso… mas depois também experimentei…” (24 anos).

Imediatamente a seguir, noticiado por 15 indivíduos, vem o exemplo ou a influência de familiares com consumos de substâncias psicoactivas. Quase sempre familiares directos, como pais ou irmãos, ainda que, em alguns casos, fale-se de tios e primos. Sublinha-se sobretudo a existência de pais com situações de alcoolismo, irmãos primos e tios com consumos de drogas ilícitas, como cannabis, heroína ou cocaína.

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E3 30 “eu comecei a fumar ganza de haxixe tinha 11 anos, os meus tios vendiam haxixe, isto já em setentas e tais, na família também havia já problemas de tráfico, de furto, e depois tinha os meus pais que tinham problemas de álcool” (34 anos).

A influência do meio, ou os modelos culturais dominantes também são referenciados, assim como a disponibilidade e a fácil acessibilidade ao mercado das drogas, que surge em terceiro lugar, com 9 referências, por parte do grupo entrevistado.

E3 55) “Do meu ponto de vista acho que cada caso é um caso. Há pessoas que dizem que consomem por causa de festas e não sei quê. Outros que dizem que consumiram por causa de sei lá, porque viram outros a consumir, quase como o tabaco. Na altura que eu comecei a fumar aos sete anos, também diziam que só era homem quem fumasse e era pelo cachimbo” (34 anos)

E8 17) “O outro foi o facto de haver erva à molhada, apareceu disso por todo o lado, havia muito, havia erva até dar com pau” (44 anos).

A falta de informação, a “ignorância” como referem, é abordada por 7 pessoas. O desconhecimento dos efeitos e das consequências para alguns dos consumidores de drogas entrevistados influenciou a opção pelo consumo de drogas.

E8 8) ”infelizmente no meu tempo não havia a informação que há agora. Praticamente não se falava do assunto. Quando eu fumava haxixe e erva, já sabia que havia outro tipo de drogas, já sabia que havia heroína e cocaína, que havia pessoal a injectar-se… e eu pensei que isso era mesmo, tipo o fim da linha, que era o limite, que não era para mim. Mas depois houve uma vez… olha aconteceu, e no fundo, se calhar, se na altura que experimentei heroína, também não havia grande informação, nem havia informação sobre o que se podia tomar para não sentir os efeitos da ressaca, mas… Foi entrar assim sem conhecer, se calhar se alguém me tivesse dito ‘Olha que quando não tiveres vais sentir isto e aquilo’, se calhar, não sei, tinha tomado outro tipo de prevenção, não posso dizer que não consumia mas se calhar tinha feito as coisas de maneira diferente talvez. Agora também não tenho resposta, mas gostava de ter conhecido os sintomas da falta com antecedência” (44 anos).

A curiosidade foi outro dos factores apontados (5 referências). Geralmente aparece associada a outras causas de forma directa, como a fácil acessibilidade da droga e a interacção com pares consumidores.

E6 18) “Curiosidade, tinha amigos que consumiam e tive curiosidade em experimentar também… e experimentei e continuei, gostei” (32 anos).

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A rebeldia, o querer ser adulto, o autonomizar-se, podem por vezes fomentar os comportamentos de risco. Quatro entrevistados descrevem comportamentos que podem ser de certa forma associados a uma identidade de contracultura, como se constata pelos excertos abaixo:

E 10 10) “fazer algo borderline *…+ queria ser um bocado como um atleta de desportos radicais, mas pelo lado do risco *…+ queria ser adulto *…+ prazer da aventura, da adrenalina, da polícia, aquele jogo do rato e do gato, era a libido e a adrenalina associadas. Porque uma das motivações era essa, na altura se calhar um bocado inconsciente, mas hoje mais afastado tenho consciência disso. Lá está era como se praticasse desporto radical, aquilo também estava embutido de adrenalina” (39 anos).

Finalmente, em 3 casos aparece o factor escape, de alienação dos problemas do quotidiano, a droga como subterfúgio, como protecção, e em 2 casos faz-se referência à falta de controlo parental.

E1 23) “não foi pela família que me meti na droga, mas foi por problemas tipo… problemas. E uma pessoa pronto para esquecer faz de tudo. Enquanto há outras pessoas que se metem no álcool, eu meti-me em merdas pesadas. Que o haxixe fazia- me rir não é? [riso] Eu pensava nos problemas e ainda me ria. Mas pronto, a heroína, um gajo dava um chuto, pum, ficava a dormir” (34 anos).

E3 30) “tinha 11 anos *…+ eu tinha muita liberdade, eu tipo saía de casa e entrava só no outro dia ou passados dois dias e ninguém me dizia nada. E pronto tive logo liberdade a mais e foi um bocado por aí que eu acabei por levar o caminho que levei” (34 anos).

Em suma, a influência exercida pelos pares, os modelos ou exemplos transmitidos quer por estes, quer por familiares, a abundância ou o fácil acesso a uma determinada substância psicoactiva, foram os factores de cariz social e ambiental, mais referenciados. Estes resultados vão de encontro aos factores já identificados pela literatura (Dias, 2002). No entanto, sublinhe-se que a influência dos pares foi dos primeiros a ser verbalizado e que a maioria dos indivíduos apontou mais do que um factor para explicar porque tinha começado a experimentar e continuado a consumir drogas.

Nas últimas décadas, quer as intervenções no âmbito da área da Prevenção, quer as intervenções promovidas pela R.R.M.D. têm procurado desenvolver e implantar estratégias de intervenção baseadas numa maior participação e envolvimento dos grupos-alvo e, em particular, têm apostado em acções de educação

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pelos pares. Parece que os dados aqui apresentados reforçam essa aposta, pelo que deve ser uma área a privilegiar, sobretudo quando se trabalha com jovens, consumidores ou não de substâncias lícitas ou ilícitas. Contudo, a área familiar é praticamente tão importante quanto a dos pares, no que concerne a intervenções que objectivem a prevenção ou a R.R.M.D. do consumo de drogas. Os pais, responsáveis tutoriais ou outros familiares devem perceber que o seu comportamento pode desencadear condutas de imitação. Mesmo o uso de substâncias lícitas, como o tabaco ou o álcool pode contribuir para a imitação do uso destas substâncias, ou outras ilícitas, que se encontrem acessíveis. E neste seguimento, não se pode deixar de reflectir sobre os modelos culturais dominantes, que são transmitidos às massas, onde os meios de comunicação têm um papel de destaque.

De distinguir ainda o número de sujeitos que indicou a falta de informação como motivo para iniciar o uso de substâncias psicoactivas. Apesar de não ser um dos factores mais apontados nas respostas, é interessante referir que o indicam numa pergunta aberta. Pode-se concluir que a informação deve continuar a desempenhar um papel importante nas intervenções realizadas.

Descreveram-se as opiniões dos entrevistados quanto aos factores que os levaram a iniciar os seus próprios consumos de drogas. Em relação aos motivos que os levaram a continuar a consumir, alguns dos entrevistados referem a questão do prazer, o ter gostado, sobretudo numa primeira fase, e depois, numa fase posterior, a questão da dependência e da ressaca associada à ausência dos consumos. Esta situação dificulta a paragem do uso de drogas, numa altura em que por vezes o prazer associado se vai esbatendo.