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FamílIa(s), rePreseNTaÇÕes e PrÁTIcas p

Carsten, em Pulay Langkawi, na Malasia, trata de um caso diferente, o movi- mento de casas do que trata essa autora é real. Como se a própria edificação física tivesse pés e caminhasse para se instalar em um outro lugar: essa é a imagem da foto que mostra vários homens carregando uma choupana para outro local da tribo. Essa poderosa imagem da casa se movendo, metafórica ou literalmente, expressa as qualidades de animação e movimento que estas mesmas edificações podem sofrer. E uma que busco de modos distintos ex- plorar no capítulo VI sobre as Casas Matriarcais e suas transformações, tanto físico espaciais, quanto as de sua ocupação por distintos membros desses lares, ao longo dos anos em que foram observados.

Por outro lado, a casa, como construção física, diz Marcelin (1996), não pode ser separada dos corpos que a habitam e transitam, nem das relações pessoais que a modelam. Como construção física (casa) e pela sua relação com a Casa, enquanto instituição social total, constitui um dos melhores re- gistros de momentos de articulação e de mobilização de alianças intra e inter geracionais entre seus membros. Por isso, a descrição das transformações espaciais da(s) casa(s) (propriedades), que abordarei no capítulo VI, também tem mostrado ser um eficaz e dinâmico indicador no estudo dos cursos de vida domésticos e de seus membros.

FamílIa(s), rePreseNTaÇÕes e PrÁTIcas

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A entrada do mundo ocidental na modernidade teria sido marcada por uma crescente consolidação do individualismo sob o império de valores como o da liberdade e igualdade; tal ideologia se atrela a determinada teoria sobre

a noção de pessoa. Por outro lado, a difusão deste processo, assim como a noção de pessoa se contrapondo à de indivíduo, teve manifestações diver- sas e específicas em contextos sociais e momentos históricos determinados, mediante sua imbricação com processos e modelos preexistentes em dife- rentes contextos. (DAMATTA, 1978, 1987a; DUARTE, 1986). Nesta direção, procurando mostrar como se consolida e particulariza a sociedade brasileira no movimento ocidental geral. DaMatta (1978) afirma que é no âmbito da re-

lacionalidade que se podem sintetizar as contradições de uma prática dupla-

mente orientada que combinaria, de uma forma específica e concomitante, elementos de um individualismo e igualitarismo da vertente liberal com os de uma matriz fortemente hierarquizada e tutelar, indicando faceta profun- damente hierárquica e complementar da sociedade brasileira.

Nesta direção caminham muitos dos trabalhos produzidos na Antropologia e na História no Brasil, priorizando o campo simbólico, ao destacar aspectos simbólicos e morais das famílias brasileiras. Com distintas ênfases e matizes, tais trabalhos balizam a existência de um tipo de identidade nacional própria (nacional ou de classes) que se distinguiria e seria relativamente autônoma dos modelos estrangeiros importados, fazendo uma boa e criativa adaptação daqueles à realidade autóctone. São extensas as referências que descrevem e argumentam em favor do surgimento de uma identidade nacional como re- sultado desse processo particular de articulação entre a ordem capitalista in- dustrial atual e um passado escravocrata e patriarcal da sociedade brasileira. Tal imbricação tem sido reiterada como marca da formação histórica da socie- dade brasileira desde Freyre, Buarque de Holanda, Antônio Cândido, dentre outros, aos escritores contemporâneos; tais estudos apontam para a existência de um tipo de modelo híbrido familiar que parece combinar elementos de mo- delo hierárquico extenso do passado e do nuclear democrático do presente.

Se nas classes médias da sociedade norte-americana a lógica dominante seria a de um processo de crescente individualização e conquista de auto- nomia nas relações interpessoais e familiares, em sociedades como a bra- sileira, e em especial em grupos de classe trabalhadora, se destacariam ele- mentos de uma leitura não individualista da cultura. Tais elementos são os que se encontram descritos no modelo holista e hierárquico da obra de Louis Dumont (1992). Neste modelo holista há maior ênfase em um tipo de identi- dade ou totalidade superior, às das unidades individuais, que é ordenada com base a valores relacionais diferenciadores resultantes de um sistema moral de

reciprocidade – constituído pelas obrigações de dar, receber e retribuir – e de complementaridade tratados também em obras de DaMatta (1978), Duarte (1984, 1986) e Sarti (1996). Associada a esta visão, é forte a influência da matriz antropológica brasileira que defende, entre pobres urbanos, a existência de uma certa hegemonia do modelo nuclear hierárquico, desconhecendo a impor- tância de outros modos de organização doméstica alternativos.

De modo similar, durante muito tempo, sob o predomínio do paradigma freyriano de família patriarcal dominante no Brasil agrário colonial, a família escrava e negra (liberta e livre11) foi vista ora como inexistente e subsumida na

categoria dos agregados da casa grande patriarcal do senhor branco, ora vista negativamente e associada a características como às de instabilidade, falta de autonomia, ilegitimidade e promiscuidade nas uniões entre escravos ou negros, em um olhar muito próximo ao defendido por Frazier (1939). Assim, ao longo da história brasileira, o tema da família negra ficou, de modo geral, subsumido ou obscurecido pelos estudos e terminologia dominante de fa- mília patriarcal, no passado, em que escravizados eram vistos como inte- grantes desse sistema e dificilmente como capazes de formar unidades fami- liares diferenciadas; e no presente, como sendo apenas a do modelo nuclear, ou no melhor dos casos, o reconhecido como modelo nuclear hierárquico em classes trabalhadoras.

Outros tipos de estudos sobre família, preocupados com o campo das práticas, experiências e trajetórias, concentram-se em identificar e demons- trar variações empíricas de formas de organização familiar presentes na realidade brasileira tanto no passado como na atualidade. (CORRÊA, 1982, 1990a; FONSECA, 1995, 2000; MARCELIN, 1996; SAMARA, 1983, 1987; WOORTMANN, 1984, 1987, 1990; HITA, 2004). Estes estudos levantam novas hipóteses de análise e questionam a hegemonia de certos modelos ao apresentar os inconvenientes de um olhar restritivo que terminaria por ex-

cluir uma série de variações familiares que seriam diluídas a partir de uma

perspectiva moral ou simbólica da matriz dominante. Nesta direção, vale recuperar Mariza Corrêa (1990a):12

11 Termos utilizados em estudos sobre escravidão e em pesquisas do historiador baiano João José

Reis. Ver especificamente Reis (1986).

12 No texto Para uma história social da família (1990) e em Repensando a família patriarcal brasileira

(1982), Corrêa indica a representatividade de lares de mulheres sozinhas com seus filhos – chefes de família – na época colonial, que junto a outros exemplos, questiona o modelo patriarcal como o mais adequado para se abordar a diversidade de formas empíricas familiares existentes no

Enquanto isso, o que podemos fazer para analisar a família é, primei- ro, reconhecer que, seja no que se refere a seus integrantes (pais, mães, avós, cunhados, ou seja qual for o termo usado para designá-los), seja no que diz respeito a sua forma (‘nuclear’, ‘extensa’, ‘patriarcal’, ‘matriar- cal’, etc.), ela tem assumido feições as mais diversas e o fato de estarmos acostumados a um tipo de família – o mais popularizado pelos meios de comunicação de nossa sociedade – não significa que ele seja o úni- co existente, ou que tenha sido o mesmo de sempre. E, em segundo lugar, distinguir claramente os níveis nos quais se faz essa análise: o ní- vel estatístico, ou censitário, isto é, as regras de convívio que parecem reger o comportamento da maioria das pessoas, numa sociedade, é di- ferente do nível simbólico, da família imaginada como ideal, ainda que as pessoas não vivam de acordo com essa imagem onde se projetam suas crenças religiosas, suas tradições e suas utopias. Quando Gilberto Freyre fala da ‘família patriarcal brasileira’, está dando voz a um mito da classe dominante açucareira do nordeste e o fato de reconhecermos isso não deve nos impedir de reconhecer, seja sua importância enquan- to mito organizador das expectativas de uma camada social, seja, sua força de disseminação na sociedade mais ampla, nem de analisarmos a maneira como a maioria das pessoas efetivamente organizava o seu convívio, através da análise de outros dados. (CORRÊA, 1990a, p. 3).

Em uma posição diferente à de Corrêa, mas complementar, apontando também dois níveis de análises distintos e fundamentais nos estudos de fa- mília, DaMatta (1987b) comenta:

Mas sem discutir as variadas e dramáticas significações associadas à

família como valor e categoria sociológica será certamente impossí-

vel entender alguns problemas importantes. Um deles (certamente um falso problema central em muitas análises clássicas e recentes da ques- tão) relaciona-se a tal diversidade de tipos de família, no caso brasilei- ro. Existe uma intensa discussão entre os autores que aceitam a tese da família patriarcal, tal como a imaginam pela literatura de Gilberto Freyre, e aqueles que negam essa realidade, seja para acentuar a rela- ção direta entre dominação e patriarcalismo familístico, seja para de- monstrar que essa forma de família estava conspicuamente ausente

passado. Levanta-se a hipótese de que o modelo freyriano de um nordeste coronelista de Casa Grande e Senzala pudesse não ser o dominante em um sudeste cafeicultor. Novos estudos sobre os cafezais paulistas da época da colônia levantam certas questões ao modelo patriarcal freyria- no defendido como o hegemônico para o resto do Brasil. Outros estudos que também abordam estas questões são o de Eni de Mesquita Samara (1983) e os de Robert Slenes (1999) e que ma- peiam uma serie de estudos sobre família escrava.

nas camadas subordinadas e entre os escravos. Em um certo sentido,

muito preciso, todos têm razão. Há diversidade, mas há também o poder dos modelos dominantes que fornecem paradigmas sociais fundamentais para toda a população, que pode ou não atualizá-los de modo aberto e concreto. (DAMATTA, 1987b, p. 126, grifo nosso).

A complexidade do problema em torno desta temática torna imprescin- dível definir o que se entende por família e de que família se está falando quando se inicia qualquer estudo, assim como explicitar qual é o nível de análise utilizado. Ambos os níveis de análise, o simbólico e o prático,,13 são

igualmente fundamentais para o estudo da realidade social. É necessário ad- mitir, entretanto, que partem de distintas definições do que se entenda por família, respondem a distintas perguntas e formas metodológicas de abordar o problema, apresentando, em consequência, resultados também diferen- ciados. Tal diferenciação aponta para estudos de teor díspar sobre família. Imperdoável é confundi-los, ou em nome e primazia de um destes níveis, ofuscar e negar as reflexões que advém do outro. O desejável é fomentar o diálogo entre estas duas posturas ou, melhor ainda, se combinar ambos os níveis de análise, simbólico e prático, os quais, em geral, não são de todo fá- ceis de distinguir e analisar devidamente. Neste livro, busquei sintetizar as- pectos macro e micro da realidade social, elementos objetivos e subjetivos nas trajetórias e narrativas dos informantes, como aspectos interconectados e retroalimentadores um do outro: os das representações dominantes – ou o que é entendido como relatos públicos, de um lado – e as representações sobre práticas e experiências vividas – relatos privados – por outro lado; como dois níveis que se interceptam e parecem se afetar mutuamente.

Do conjunto de estudos que privilegiam apenas as práticas, às perspectivas mais empirista, há tendência em afirmar que a família, enquanto tal, não exis- tiria, pois seria vista apenas como formulação conceitual falha, incapaz de in- corporar em um (único) modelo a diversidade de características adotadas em outras sociedades e épocas por uma diversidade muito grande de formas de organização domésticas. Desta perspectiva há uma excessiva relativização das formulações de ordem mais geral e conceitual, afastando-se delas e postulando que nenhum tipo de teoria sobre família seria possível. Do outro lado, estudos

13 Vários autores tem abordado a tensão entre representações e práticas nos estudos de família; ao

respeito ver Corrêa (1990b), DaMatta (1987b), Duarte (1984,1986), Salem (1989), entre outros da literatura nacional.

que priorizam representações e modelos ideais familiares no imaginário social tendem a cristalizar e reificar uns valores em detrimento de outros ofuscando e desconhecendo o modo de operar de outros valores e práticas diversos aos legitimados. Uma completa adequação entre discursos e práticas nem sempre existe ou é total.

Em direção similar à de Corrêa, Claudia Fonseca (1995, 2000), questiona a validade de um modelo explicativo para diferentes tipos de famílias do con- texto estudado no sul brasileiro. Fonseca identificou que, devido aos mo- mentos de rupturas familiares, os pais dividem a responsabilidade e cuidado das crianças com uma grande rede de sociabilidade na qual a família está inserida. A partir da prática por ela observada da circulação de crianças entre sua rede de parentesco e vizinhança, a responsabilidade sobre essas crianças, como também observado em outros contextos, torna-se coletiva e não ne- cessariamente atribuída aos próprios genitores. Esta prática é bastante di- fundida entre famílias pobres, portanto recorrente no contexto de estudo analisado, onde as crianças permanecem sobre a guarda de um parente, pre- ferencialmente alguém da rede de relações da mãe. Essas crianças ou adoles- centes (assim como adultos não consanguíneos) podem estar circulando por diferentes casas ao longo das suas vidas. Nesta visão, a criança não é propria- mente dada em adoção, e não é considerada apenas como filho de quem o cria, sua filiação é considerada, em certa medida, coletiva, como resultado do cuidado da rede à qual a criança pertence ou a que aceitou criá-la.

Por outro lado, autores que comparam famílias de classe baixa14 e de classe

média ou alta brasileira se apropriam da matriz que defende certa dualidade de padrões de relacionamentos entre estes grupos, considerando se tratar de dois modelos com lógicas operacionais distintas e contrapostas. Assim, classes médias e altas compartiriam representações mais psicologizantes (ten- dências à interiorização e subjetivação), permeadas por um código mais indi- vidualista, enquanto grupos populares, em uma postura mais holista e indi- ferenciada, lançariam mão de representações mais hierárquicas e relacionais.

14 Outrora se usava a terminologia “Família de classe trabalhadora” para designar estratos mais bai-

xos na estratificação social em relação a grupos mais abastados. Os modismos terminológicos estão associados às matrizes teóricas que estão em voga, e como a do marxismo caiu em desuso depois dos anos 90s, este termo passou a ser abandonado na literatura mais recente. Considero entretanto relevante voltar a usar terminologias que tiveram seu valor e força semântica como este de “família de classe trabalhadora”, outro sinónimo para classes baixas e que faço questão de utilizar quando julgar necessário, recuperando o sentido histórico de certos debates.

Em contexto popular, a noção de família é um dos mais importantes espaços de construção da identidade, e muitos defendem que vigora o modelo hege- mônico e hierárquico de família de classe trabalhadora entre os mais pobres do Brasil. (DAMATTA, 1978; DUARTE, 1986; SARTI, 1993, 1996; VAITSMAN, 1994) A partir desta visão, pensar na existência de modelos familiares ma- triarcais, poderiam alegar alguns, tratar-se-ia de uma fantasia utópica.

A discussão sobre a tensão entre o nível de análise das representações e o das práticas muito se aproxima, e em parte se fundamenta, em outras de- senvolvidas na extensa obra de Pierre Bourdieu, quem distingue a lógica da prática da do pensamento, chamando a primeira também de lógica do co- nhecimento prático, contrapondo-a à da razão (ou razão razoável, escolás- tica, teórica), se referindo àquela relação de tensão entre o que é pensado e o que é vivido, ou à tensão da lógica teórica e a da prática. Na obra Meditações

pascalinas, Bourdieu atenta para o mesmo risco de confusão entre ambas as

lógicas que acontecem em abordagens de muitos estudos sobre o tema da fa- mília, e que para Bourdieu (2007) resultam da tendência de:

[...] substituir o agente atuante pelo ‘sujeito’ reflexivo, o conhecimento prático pelo conhecimento erudito capaz de selecionar os traços sig- nificativos, os índices pertinentes (como na narrativa biográfica), e em registro profundo, a submeter à experiência a uma alteração essencial (segundo Husserl aquela que separa a retenção da lembrança, a pro- pensão do projeto). [...] a ponto de tornar pouco provável que alguém, imerso no ‘jogo da linguagem’ escolástico, possa vir a lembrar que o próprio fato do pensamento e do discurso sobre a prática possa dela nos separar. (BOURDIEU, 2007, p. 64)

Bourdieu alega que é muito difícil transpor a fronteira entre teoria e prática, e que este obstáculo dificulta o alcance de um conhecimento adequado do co- nhecimento prático, originário da e na experiência pura e da “habitualidade” daquele que vivifica a experiência. Para Bourdieu, a palavra experiência de- signa muito mais que um modo de comportamento cognitivo e judicativo, ele é antes de tudo um comportamento prático e avaliativo. E comenta que para compreender a prática, é preciso partir do sentido prático do habitus habitado

pelo mundo que ele habita (BOURDIEU, 2007, p. 173). Em suas palavras:

O princípio da compreensão prática não é uma consciência conhe- cedora (transcendente, como em Husserl ou existencial, como em

Heidegger) [...] mas o sentido prático do habitus habitado pelo mundo que ele habita, pre-ocupado pelo mundo onde ele intervém, ativamen- te, numa relação imediata de envolvimento, tensão e de atenção, que constrói o mundo e lhe confere sentido”. (BOURDIEU, 2007, p. 173)

PaPel seXual e geracIONal NO mOdelO

Nuclear hIerÁrQuIcO de classe

TrabalhadOra

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Em setores populares, o desempenho de papéis em âmbito interno à família parece claramente definido com a alocação de funções diferenciadas entre homens, mulheres e crianças. Assim, ao homem caberia o sustento do lar e a manutenção do respeito no seio da família e fora dele. O espaço do ho- mem seria fundamentalmente o espaço público da rua, isto é, o do trabalho e do bar onde se atualiza e afirma sua masculinidade. Dentre as atribuições de pai, aparecem enfatizadas as seguintes: garantir a reprodução física da fa- mília por meio do trabalho, propiciar a segurança da família contra ameaças externas, bem como ser o maior responsável pelo zelo e valores básicos, tais como o respeito. Ao pai é atribuída uma maior severidade na inculcação de valores morais à criança, dentre eles, o de obrigação e respeito para com os mais velhos. (SARTI, 1993, 1996)

À mulher caberia o cuidado da família, do marido e da casa e aos filhos, a obediência e as responsabilidades escolares. Caberia à mulher, primor- dialmente, a realização das tarefas domésticas como cozinhar, lavar roupa e limpar a casa. A criação dos filhos também é considerada assunto basicamente feminino, incluindo a resolução de problemas de saúde. Secundariamente, o trabalho remunerado, sempre e quando (i.e., quase sempre e em todo lugar) o salário do companheiro não for suficiente. Diferentemente do homem, na moralidade popular – e não necessariamente nas práticas – a casa se inscreve

15 Este aparado foi parte de um artigo entregue para publicação em 1998 (HITA, 2001), que dialo-

gava com boa parte da informação etnográfica e do survey realizado pelo ECSAS no Nordeste de Amaralina.

como o espaço por excelência da mulher. O mundo da rua, como extensão da casa, seria legitimamente atravessado pela mulher, quando fosse uma ex- tensão da casa, para ir trabalhar ou visitar parentes, dentre outras práticas. De outra forma, sua presença na rua não seria bem vista nesta moralidade popular. (DAMATTA, 1978)

Às crianças caberia uma relação de respeito e obrigação, na interação com os pais. O respeito aos mais velhos, em especial aos pais é, sem dúvida, valor fundamental ancorado na obediência, mas principalmente, caracteri- zado pelo não desafio à autoridade paterna, o não responder, não pirraçar, etc. Desde cedo, as crianças começam a participar das tarefas da casa como carregar coisas, buscar água, dentre outras; as meninas, mais especialmente, ajudam na arrumação da casa e cuidado dos menores. Também quando ne- cessário, trabalham para complementarem a renda principal com alguns biscates. Normalmente estes ganhos são destinados à compra das próprias roupas, merendas ou alimentos extras ao consumo familiar.

Esta é uma rápida descrição do modelo considerado padrão, que é mode- lador de famílias nucleares patriarcais e hierárquicas em classe trabalhadora, tal como descrito nas obras de Duarte, DaMatta e Sarti. A disposição de papéis de homens e mulheres no setor popular conduziria às diferenças citadas e,