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Famílias Multiproblemáticas/Multidesafiadas e Parentalidade

1.4. O Paradigma das Famílias Sãs – Funcionalidade versus Disfuncionalidade

1.4.1. Famílias Multiproblemáticas/Multidesafiadas e Parentalidade

“As famílias multiproblemáticas revelam “um mundo desorganizado e confuso”, respostas emocionais, sem reflexão, intolerância à frustração, incapacidade de comunicação e negociação, “interacção caótica”. (Sousa, L. 2005)

Todas as famílias necessitam de momentos de adaptação, face às constantes mudanças, que se repetem ao longo de todo o seu ciclo de vida, levando ao seu desenvolvimento. Este processo verifica-se ser de maior dificuldade nas famílias multiproblemáticas pobres que se vêem inseridas em contextos desfavorecedores e são marcadas por uma panóplia de problemas. Afectadas quotidianamente por contextos de pobreza e exclusão social encontram-se num limiar onde muito dificilmente conseguem aceder a serviços e bens essenciais para satisfação de necessidades básicas e também não lhes é permitido o acesso a tantos outros serviços como a justiça, a informação e conhecimento ou a participação política.

São estas famílias multiproblemáticas que atraem maior visibilidade pois nelas os contextos de exclusão fazem sentir-se mais arduamente, potenciados pelas fragilidades internas e externas que as caracterizam, como sejam, a baixa auto-estima, depressão e/ou pobreza. A pobreza é um factor de risco para práticas parentais negativas e fraco desenvolvimento das crianças. Neste contexto têm maiores probabilidades de desenvolver comportamentos desajustados, perante situações e factores de risco. Estes comportamentos desajustados potenciam um emaranhado de problemas que se reflectem em todos os membros da família, com a particular incidência sobre a desorganização.

Características sintomáticas que se tendem a manifestar em todas as fases do ciclo de vida da família e a perpetuarem-se de geração em geração.

Contudo, há que ter em conta que são famílias que detêm competências pois de alguma forma conseguem sobreviver no quotidiano do emaranhado de problemas que as atingem.

O que as impede de conseguir um desenvolvimento saudável e adequado aos problemas e crises com que se deparam, e que são comuns a todas as famílias e processos familiares, é o facto de se encontrarem bloqueadas nas suas competências, não detendo os conhecimentos e aptidões necessárias à resolução das suas tarefas. Os próprios serviços sociais e políticas sociais de ajuda e intervenção ainda são muitas vezes desagregados e perpetuadores dos comportamentos sintomáticos destas famílias.

O conceito de família multiproblemática começou a ser construído a partir dos anos 50, através de profissionais do trabalho social. Quando surgiu, tinha por base de referência o estatuto socioeconómico, referindo-se essencialmente a famílias provenientes de um estatuto social mais baixo, deixando de parte a dinâmica das relações interpessoais e sociais dos seus membros. Através do trabalho desenvolvido pelos profissionais do trabalho social, o conceito começou a ser aprofundado, revelando-se outras particularidades e características destas famílias, nomeadamente a sua estrutura e modalidades relacionais e comunicacionais, permitindo aferir que a pobreza nem sempre é sinal de desorganização, logo não é elemento único, caracterizador das famílias multiproblemáticas. Isto levou à emergência de múltiplos termos que caracterizam as famílias multiproblemáticas, de acordo com as dimensões mais aprofundadas pelos investigadores, como famílias isoladas, famílias excluídas, famílias suborganizadas, famílias associais ou famílias desmembradas (Martinez, 2003; Sousa, 2005).

Embora a denominação “famílias multiproblemáticas” continue a ser mais comum na literatura, outras denominações que melhor espelham as questões importantes para estas famílias foram aparecendo nas duas últimas décadas. O conceito de famílias multiassistidas, inicialmente proposto por (Reder 1985, cit. por Neto, 1996) e desenvolvido

por Neto (1996) num foco estrutural, ecológico e sistémico, ilustra uma viragem terminológica que tem como consequência uma visão menos patologizante e negativa do funcionamento destas famílias, que visa ultrapassar os poderosos constrangimentos conceptuais implícitos na denominação multiproblemática.

A denominação de “famílias multiassistidas”, como se referem Minuchin e Colapinto (1998), evidenciam uma aparência caótica, funcionando sobre fronteiras fluidas e permeáveis aos diversos profissionais que visam proteger as famílias, sendo que a própriaintervenção é muitas vezes, intrusiva, desrespeitadora e desestruturante, tornando-se numa agressão à família.

Alarcão (2008), recentemente propôs a denominação de “famílias multidesafiadas”, reflectindo sem dúvida uma posição americana que coloca o foco nas potencialidades e recursos destas famílias. Sucintamente, estas famílias caracterizam-se pela instabilidade, desorganização, isolamento social, labilidade de fronteiras, estilos parentais autoritários ou permissivos e frequentes patologias assim como por uma diminuída capacidade de resposta às necessidades dos filhos (Minuchin 1967; Alarcão, 2005), o que resulta, por vezes, em situações de maus tratos às crianças e jovens.

Estas famílias multidesafiadas formam quatro configurações típicas: pai periférico – famílias onde a figura do pai ocupa um papel secundário tanto a nível económico como emocional, não assumindo as suas responsabilidades; casal instável - onde existem casamentos de pouca duração entre pessoas muito jovens que não têm tempo de gerar uma família matura do ponto de vista económico e relacional; mulher só - que decide criar sozinha os filhos de outras relações; e a da família petrificada que surge após um trauma imprevisível e de consequências dramáticas que leva à incapacidade funcional da família (Sousa, 2005).

Nestas famílias também as funções parentais se encontram deterioradas na vertente protectora e socializante. Não se transmitem valores afectivos de amor e aceitação, por parte dos progenitores levando à fraca vinculação o que altera a autonomização e inserção e adaptação social das crianças.

Por outro lado também se descuram as funções de protecção existindo diversos casos de negligência e abandono. Os filhos são muitas vezes parentificados, sendo os irmãos mais velhos, especialmente os do sexo feminino, a assumirem muitas das tarefas que correspondem aos progenitores (Sousa, 2005; Gómez et al., 2007).

Os limites são muito permeáveis e pouco definidos pois existe uma hierarquia caótica, com o mínimo de regras e rotinas derivado da não assumpção de papéis pelos elementos da família. Isto faz com que as funções familiares sejam realizadas de forma insatisfatória.

Não existem rituais familiares, o que contribui para a perda de identidade e coesão familiar e para o detrimento das relações familiares, sendo mais fácil a existência de disfuncionalidades nestas famílias. Em termos de organização, a casa de família é, muitas vezes, o reflexo deste tipo de comunicação: caótica e desagregada.

São as razões e as condições, os actos e as representações, as dificuldades e as soluções, os contextos de vida e desenvolvimento e as trajectórias existenciais destas famílias e suas crianças, as suas vivências e qualidade de vida, que constituirão o núcleo substantivo do itinerário de conhecimento aqui traçado. Pretende-se que possa servir como organizador sustentado de eventuais contributos para a intervenção reparadora das falhas psicológicas, relacionais e sociais, geradoras de vazios onde a desordem, a perturbação, a desorganização, a disfuncionalidade e o sofrimento se instalam.

De forma a permitir a compreensão e ajuda às famílias com diferentes problemáticas, tanto no sentido de diminuir o seu sofrimento, como para a prevenção primária, é igualmente necessária a aquisição de conhecimentos acerca de uma análise holística do sistema familiar com outros sistemas. Assim, a reflexão sobre os sistemas sociais nos quais a família está inserida e as dinâmicas relacionais entre estes diversos sistemas são cruciais.

Assim, o problema deste presente estudo consiste em aferir/conhecer as percepções das famílias multidesafiadas com crianças em idade pré-escolar, em contextos de risco e dos Técnicos que as acompanham, acerca das suas necessidades e forças, bem como, a adequação de estratégias, práticas e serviços de intervenção eficazes.

Tentando para tal responder às seguintes questões:

 Que papel e/ou influência/relevância poderão ter as famílias na identificação das suas próprias forças e necessidades?

 Sentirão os Técnicos com competência nesta área e que actuam na Freguesia, ser necessária a criação de um Projecto Integrado de Intervenção, em particular destinado a crianças em risco e suas famílias, numa relação de colaboração efectiva?

 Quais as mais valias do desenvolvimento de um Projecto desta natureza, pela Autarquia?;