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4 A criação de sentidos nos trabalhos da Anti Status Quo Cia de Dança

4.1 Fase lúdica fantástica

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Este capítulo todo tem alternâncias entre transcrições de trechos e adaptações do ensaio “Por uma identidade

que não petrifique percepções: Esboço de uma cartografia da produção coreográfica de espetáculos da Anti Status Quo Cia. de Dança”, de minha autoria, apresentado no I Seminário Nacional de Arte Coreográfica do Instituto Federal de Brasília (IFB), em 2012. De acordo com esta instituição, será publicado em breve no livro A cena em Foco: as artes coreográficas em tempos líquidos, organizado por Márcia Almeida (Editora IFB). 61

Aqui, a palavra evolução é usada não no sentido de desenvolvimento da obra para algo melhor, mas como um desdobramento da obra no tempo que não necessariamente leve ao êxito.

4.1.1 Efeitos (1991)

Imagem 1 – Espetáculo Efeitos

Bailarinas: Carolina Rebelo e Flávia Fonseca. Foto: Iohano Bosco.

Efeitos (ver imagem 1) é o primeiro espetáculo da Companhia, estreou em 1991, na sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional Cláudio Santoro em Brasília/DF. Foi composto por diferentes e curtas coreografias, cada uma com um tema distinto, em uma pesquisa de movimentos própria, com figurino específico e música diferente. Cada coreografia tinha um início, um meio e um fim, pois na história de suas criações cada coreografia havia sido construída de forma independente e todas foram apresentadas individualmente em festivais e mostras. Efeitos era a junção dessas pequenas coreografias. O espetáculo era entrecortado por blackouts ou fechamento das cortinas a cada coreografia apresentada. Mas todas as cenas coreográficas possuíam uma unidade na exploração da plástica visual do movimento. O próprio nome do espetáculo anunciava o foco do trabalho coreográfico nos efeitos visuais.

As músicas de compositores estrangeiros como Meredith Monk, Laurie Anderson e Peter Gabriel, o desenho das linhas e curvas do corpo e a interação com objetos e figurinos foram sua inspiração. As ideias para as coreografias partiam da escolha da música. Durante o processo criativo, eu improvisava livremente e durante as improvisações as atmosferas das músicas inspiravam imagens e ideias de movimento. A movimentação foi, em sua maioria, criada em meu próprio corpo, mas desde esse primeiro espetáculo, depois de encontrada a ideia e alguns motivos de movimento, a criação da coreografia se desenvolveu com a participação dos dançarinos. Ao trabalhar com um específico interesse e no desenvolvimento de um vocabulário de movimentos, ideias para figurino e objetos de cena surgiam de um universo abstrato de associações. A imaginação corria solta na invenção de imagens geométricas, fantásticas e lúdicas em que o corpo humano aludia a desenhos, animais e a criaturas que não existem.

Havia um interesse visual pelo movimento e não só na composição total dos elementos constituintes da cena. O desenho do corpo foi explorado ao máximo na sua geometria, com o estudo de ângulos e linhas que as posições de braço, pernas e tronco formavam em suas relações,explorando os ângulos das articulações e a relação das partes de um mesmo corpo em contato ou em sobreposição. Lembro-me de usar o espelho como recurso para ver o que estava desenhando com meu corpo e com o corpo das bailarinas. A perspectiva do corpo era frontal e a composição respeitava e explorava esse ponto de vista, com poucos deslocamentos no espaço, energia controlada e movimentos diretos no espaço.62

O figurino composto por macacões colados ao corpo, tocas e máscaras delineavam a silhueta e uniformizavam os corpos das bailarinas. A unidade deles era importante para a sincronia almejada na coreografia e também para tornar visíveis as formas, limpando a cena de distrações que pudessem tirar o foco da percepção dos desenhos das linhas dos ossos e do contorno do volume do corpo. O ritmo e a composição musical eram amplamente e exaustivamente estudados para compor as dinâmicas da coreografia. As sequências eram precisas no tempo e seguiam os vários ritmos e melodias dos instrumentos, tornando a música visível. Dançado em palco italiano, o espetáculo tinha como cenário a caixa-preta do palco com linóleo e rotunda pretos. A concepção da luz basicamente compunha a cena, reiterando as atmosferas criadas pela trilha sonora e, em alguns momentos, a luz funcionava também como cenário, com a utilização de gobos que projetavam desenhos de luz no chão, com formas geométricas presentes na coreografia e no figurino.

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A criação de sentidos em Efeitos surgia como uma consequência da exploração prática com o corpo e movimento sem a preocupação com o desenvolvimento de um tema ou discurso. O “significado” era composto pelo jogo entre música e ideias de desenho com o corpo, figurinos, iluminação e objetos de cena, em uma visualidade que, pelo seu apelo fantástico e lúdico da imaginação, não carecia de qualquer lógica de construção de sentidos metafóricos, por exemplo. Não que isso não pudesse acontecer durante a apreciação do espetáculo, mas não era importante para o envolvimento com a proposta coreográfica e nem era explorado no processo criativo de forma consciente.

4.1.2 Anti Status Quo Dança (1994)

Imagem 5 – Espetáculo Anti Status Quo Dança (1994)

Bailarinas: Geysa Costa, Daniela Rebelo e Hiromi Doi. Foto: Mila Petrillo.

O premiado63 espetáculo Anti Status Quo Dança (ver imagem 2) foi composto também por uma colagem de pequenas coreografias criadas e apresentadas individualmente em programas, festivais e mostras de dança da cidade como: Passe Devan’t Dança Brasília, Jogo de Cena e Atrevidos da Dança. O espetáculo foi um aprofundamento da pesquisa iniciada em

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Efeitos, uma verticalização da pesquisa de interação com objetos, da criação de imagens com os efeitos de luz e do aspecto lúdico dos temas. O desenho do corpo e o interesse no aspecto visual do movimento ainda foram muito explorados, mas com mais ênfase em associações fantásticas da imaginação, ilusões de ótica e na interação com objetos, figurino e iluminação.

A preocupação com a criação de sentidos já se fazia presente nos meus primeiros trabalhos de forma ainda intuitiva, mas bastante visível nas construções das relações dos elementos constitutivos da cena dos espetáculos que criei para a Companhia. É possível identificar que, na verdade, nas primeiras obras, a relação do corpo e do movimento com objetos, figurinos, iluminação e música era o próprio ponto de partida para o desenvolvimento das coreografias. Desde então, já buscava e investigava uma coerência entre os elementos constitutivos da cena na criação de cada coreografia. Essas conexões entre os elementos eram os próprios motes da pesquisa coreográfica, da qual surgiam as temáticas e as ideias de movimento. Conforme Pareyson (1993), eram descobertas ao fazer, na manipulação e na experimentação dos elementos durante o processo criativo.

Sendo assim, as pesquisas desses dois primeiros espetáculos da A. S. Q. Cia. de Dança fazem parte da fase lúdica/fantástica das produções coreográficas do grupo porque focam a exploração do movimento na interação com objetos de cena e figurino (estruturas feitas em PVC, elásticos, tecidos, camisetas, pequenas luzes, bolas) e na utilização de efeitos de luz negra (técnica de teatro negro de Praga – República Tcheca), brincando com a imaginação. Os dançarinos usavam os objetos como extensões do corpo, expandindo as possibilidades de seu desenho. O uso de luzes que deformavam o corpo explorava a percepção na perda de suas referências habituais, criando ilusões de ótica. A iluminação fazia também o papel de cenário, utilizando-se das formas e das cores dos figurinos e de objetos de cena, que eram projetados no piso do palco, criando desenhos no chão.

As temáticas dos espetáculos, e de cada coreografia, eram desenvolvidas a partir da relação com a música. E nestas interações com os elementos da cena não havia preocupação com a crítica ou reflexão sobre um tema. O significado desses espetáculos está engendrado na sua visualidade, na plasticidade e na magia das formas em movimento, no aspecto lúdico de associações de ideias e imagens e na criação da imaginação na fusão entre música, iluminação/cenário, pesquisa de movimento e objetos e figurinos.

4.2 Fase exploratória de movimento