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2 LEITURA: ASPECTOS CONCEITUAIS

2.2 PRINCIPAIS FATORES ENVOLVIDOS NA LEITURA

2.2.3 Fatores cognitivos

Além de conhecimentos perceptivos e linguísticos, o leitor, para compreender textos, também precisa se valer de uma de suas competências cognitivas mais gerais. Logo, em relação aos fatores cognitivos, atém-se à memória. Portanto, problematizam-se os componentes da memória.

Conforme Sternberg (2010), a memória é a maneira pela qual se retém e se vale de experiências passadas – informações – para utilizá-las no presente. É de responsabilidade da memória a aquisição, manutenção e recuperação de informações (IZQUIERDO, 2002). Logo, a capacidade de memória é extremamente relevante e relacionada à leitura. Da mesma maneira, a memória é um componente essencial na compreensão, visto que é por meio dela que se manipulam informações do input socioambiental e, também, as que ela já dispõe (armazenadas). Igualmente, porque o conhecimento que ela já tem armazenado influencia tanto na aquisição de novas informações (nesse caso, aprendizagem) quanto na organização delas e sua evocação posterior.

Como pondera Izquierdo (2002), a classificação da memória pode ser feita de três vieses, considerando (1) sua durabilidade (o tempo que informações permanecem no sistema), (2) conteúdo (modalidade de informação que se lida/armazena) e (3) função (atribuições do sistema). Dessa maneira, neste trabalho, as assertivas em relação à taxionomia da memória

são integradoras, isto é, propõe-se a classificação das memórias14 considerando a soma de sua durabilidade, conteúdos e funções.

Para esclarecimento, segundo Sternberg (2010), existem diversos modelos de memória. Neste trabalho, revisa-se um modelo alternativo na época e, hoje, conhecido como tradicional, proposto por Richard Atkinson e Richard Shiffrin em 1968. O enfoque do modelo deles é no tempo que informações permanecem no sistema. Ou seja, enfatiza-se o processo de armazenamento.

Para Atkinson e Shiffrin (1968), a memória é composta de três sistemas: (a) memória sensorial (aquisição de informações pelos órgãos do sentido), (b) memória de curta duração (armazenamento breve de informações) e (c) memória de longa duração (armazenamento definitivo de informações). Esses três sistemas são interligados e compõem uma função cognitiva geral. No entanto, essa função não é unitária. Então, seus sistemas atuam independente, paralela e serialmente. É isso o que, cada vez mais, estudos clínicos indicam.

O sistema correspondente à memória sensorial (sensory memory) é o canal por onde advêm estímulos utilizados em operações mnemônicas e está intimamente inter-relacionado à percepção. Por conseguinte, ele não armazena dados propriamente. Segundo Baddeley (1990), a memória sensorial (MS) é a que registra por centésimos de milissegundos (0,1s) informações adquiridas pelos órgãos do sentido, como a visão (memória icônica –

visual/iconic memory) e a audição (memória ecoica – auditory/echoic memory). Ressalta-se

que há, ainda, registro de informações pela memória olfativa, gustativa e tátil. No entanto, a parte substancial de informações armazenadas na memória provém da visão e da audição. Depois do registro, a memória sensorial responsabiliza-se de encaminhar à memória de curto prazo somente informações as quais uma pessoa decidiu assistir.

A memória de curto prazo (short-term memory) é o sistema responsável por armazenar informações adquiridas dos primeiros segundos/minutos até o longo de três a seis horas (IZQUIERDO, 2002). Calcula-se que esse sistema tenha a capacidade de armazenar, em média, sete itens (unidades de informação) mais ou menos dois de uma só vez. Ou seja, entre cinco e nove itens (MILLER, 1956). É a memória de curto prazo (MCP) que armazena temporariamente dados julgados relevantes e/ou novos até a transferência15 para a memória de longo prazo (MLP), um ―arquivo‖ (local de armazenagem) definitivo para eles.

14 Fala-se em memória enquanto capacidade cognitiva geral (de adquirir, armazenar e evocar informações). E

discorre-se sobre memórias em virtude das modalidades dessa capacidade cognitiva.

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A forma como se discorre acerca da(s) memória(s) é didática. Não é toda informação percebida que é armazenada. Igualmente, não significa que todas as informações que chegaram à memória de curto prazo serão definitivamente armazenadas. De entremeio à armazenagem definitiva, há o período (lábil) de consolidação

Convém apresentar, em virtude da aplicação (uso) e influência (aceitação: confirmação empírica), o modelo de Alan Baddeley e Graham Hitch: a Memória de Trabalho (MT). Em 1974, eles propuseram um modelo alternativo para o tradicional de Atkinson e Shiffrin, de 1968. A memória de trabalho16 foi proposta com ênfase na função (capacidade de processamento e manipulação) do sistema de memória de curto prazo e não meramente em relação ao tempo que informações permanecem no sistema e à sua capacidade de armazenamento. Apresenta-se o modelo de memória de trabalho porquanto muitas pesquisas contemporâneas o tomam como válido para explicação de processos de aquisição e uso de informações durante a compreensão leitora.

A memória de trabalho (working memory) é um sistema multicomponencial formado por quatro estruturas básicas: um componente chefe e três auxiliares. Esses componentes são, segundo Baddeley (2000), o executivo central (central executive), o circuito fonológico (phonological loop), o esboço visuoespacial (visuospatial sketchpad) e o retentor episódico (episodic buffer). Destaca-se que o retentor episódico apenas foi proposto por Baddeley em 2000, em uma fase de amadurecimento teórico. Baddeley (2012) afirma que tentou manter-se resistente em adicionar um quarto componente em seu modelo. Contudo, era necessário responder a certas indagações sobre a interação entre MT-MLP e, principalmente, a respeito do armazenamento de representações na MT.

Em relação ao estado atual do modelo de memória de trabalho de Baddeley, observe- -se o Diagrama 1. A área sombreada representa a estrutura cognitiva de uma pessoa, com representações mentais fixas (porém, passíveis de alterações), enquanto que a área branca representa o armazenamento temporário, em que se processam e manipulam informações. Atividades complexas como aprender, raciocinar e compreender dependem da memória de trabalho. Ela é a responsável por verificar se uma informação já existe, se deve ser retificada, ou deve ser ativada para uma pessoa realizar alguma tarefa. Dito de outra maneira, a memória de trabalho é quem ampara atividades cognitivas complexas, das quais se destaca a leitura.

(aproximadamente seis horas), e há suscetibilidade interferente de fatores externos e internos, como estados de ânimos (sonolência, tédio), emoções (tristeza, depressão), ingestão de bebida alcoólica, consumo de drogas, ou mesmo outras memórias (IZQUIERDO, 2002).

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―The term ‗working memory‘ evolved from the earlier concept of short-term memory (STM), and the two are still on occasion used interchangeably. I will use STM to refer to the simple temporary storage of information, in contrast to WM, which implies a combination of storage and manipulation.‖ (BADDELEY, 2012, p. 4).

Diagrama 1 – Modelo de Memória de Trabalho Multicomponencial Fonte: Baddeley (2012). Nota: tradução do autor.

Contemporaneamente, a memória de trabalho é compreendida como um sistema multicomponencial e está longe de ser apenas a porção ativada17 da memória de longo prazo. Conforme ressaltam Baddeley e Logie (1999), o executivo central é o componente supervisor responsável pela regulamentação da memória de trabalho em geral. Além de o executivo central gerenciar os outros três componentes, ele ativa e integra representações mentais da/na memória de longo prazo. Desse modo, é extremamente relevante seu papel em relação à compreensão leitora, porquanto as informações (conhecimento prévio) para interpretação de

input linguístico são ativadas por ele.

Os outros três componentes (circuito fonológico; esboço visuoespacial; retentor episódico) são especializados no processamento e no armazenamento temporário. O circuito fonológico processa e armazena informações de base fonológica (fala, música) e é constituído

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―Although some have viewed working memory as an activated portion of long-term memory, such a view is probably an unhelpful oversimplification. We believe instead that working memory and long-term memory comprise two functionally separable cognitive systems. More specifically, a major role for working memory is retrieval of stored long-term knowledge relevant to the tasks in hand, the manipulation an recombination of material allowing the interpretation of novel stimuli, and the discovery of novel information or the solution to problems.‖ (BADDELEY; LOGIE, 1999, p. 31).

Semântica Memória de Longo Língua(gem) Visual Prazo Episódica

Esboço Visuoespacial Retentor Episódico Circuito Fonológico Executivo Central Sistemas Sistemas Flexíveis Cristalizados

de um subcomponente armazenador fonológico passivo e outro subcomponente de ensaio ativo (BADDELEY, 2012).

O esboço visuoespacial processa e armazena informações visuais (cores, formas) e espaciais (distâncias, atividades cinestésicas, do tato) e é formado por um subcomponente de armazenagem visual passivo (visual cache) e por um subcomponente de ensaio ativo de informações espaciais (inner scribe). Tanto o circuito fonológico quanto o esboço visuoespacial combinam, autonomamente, informações sensoriais (do input) com informações ativadas pelo executivo central, construindo representações.

Já o retentor episódico processa as representações construídas no circuito fonológico e no esboço visuoespacial e une essas representações às representações ativadas da MLP pelo executivo central, criando uma representação unitária. Por fim, o executivo central transfere essa representação à MLP. Assim, ela passa a constituir a estrutura cognitiva de um sujeito. Com isso, infere-se que o retentor episódico é um componente processador e armazenador de representações de códigos multidimencionais, isto é, de modalidades visuais, espaciais, olfativas, gustativas, táteis.

Por conseguinte, a MT é o sistema mnemônico que ativa o conhecimento disponível na MLP para o processamento de informações percebidas e gerencia a realidade. A MT (memória ativa) mantém on-line informações percebidas/recebidas para realização de alguma tarefa momentânea, ou analisa se são novas e relevantes (com base em informações preexistentes) e, no caso, precisam ser armazenadas a curto e a longo prazo.

Além dos aspectos mencionados, Kintsch, Patel e Ericsson (1999) destacam que o modelo de memória de trabalho da época deles não explicava como se utilizavam diversas informações/representações em certas tarefas cognitivas, como a compreensão textual. Se a memória de trabalho teria capacidade extremamente limitada de armazenagem, interrogava-se como ela poderia manter ativas todas as informações necessárias para se compreender um texto. Baddeley (2000) responde a essa pergunta com o lançamento de um novo componente para a memória de trabalho – o retentor episódico. Já Ericsson e Kintsch (1995) sugerem um novo modelo, não para modificar o anterior, mas para melhor elaborá-lo.

Portanto, Ericsson e Kintsch (1995) propõem dois tipos de memória de trabalho: a memória de trabalho de curto prazo (Short-term Working Memory ou ST-WM) e a memória de trabalho de longo prazo (Long-term Working Memory ou LT-WM). A memória de trabalho de curto prazo, disponível em quaisquer condições e com capacidade de armazenagem severamente limitada, é a soma de representações de informações sensoriais (informações advindas do input socioambiental). Já a memória de trabalho de longo prazo, de

capacidade de armazenagem ilimitada, é a soma de representações ativadas da memória de longo prazo. Essas informações foram recuperadas em virtude de pistas semânticas que a memória de trabalho de curto prazo lançou à MLP. Logo, a memória de trabalho de longo prazo é a porção da MT que lida com informações/representações ativadas e recuperadas da MLP.

Como visto, em 1995, Ericsson e Kintsch propõe o conceito de Memória de Trabalho de Longo Prazo. Entretanto, concorda-se com Baddeley (2012), o qual não considera válido tratar a memória de trabalho de longo prazo como uma diferente modalidade da MT. Não há um subtipo de MT ao se utilizar conhecimento linguístico-semântico da MLP para se aumentar a eficiência da MT. Isso configura apenas um modo específico de interação entre MT-MLP.

Assim, depois que a memória sensorial registra informações, elas chegam à memória de trablho para serem processadas. Após o processamento, as informações úteis e relevantes são armazenadas por um período de tempo na memória de curto prazo. Então, essas informações assistidas chegam à memória de longo prazo.

A memória de longo prazo (long-term memory) é o sistema que armazena informações por períodos indeterminados (STERNBERG, 2010). Esse sistema tem capacidade de armazenamento ilimitado teoricamente. Ela é subdividida em (1) memória explícita/ declarativa, aquela que armazena informações em que um sujeito tem consciência e consegue discorrer verbal e intencionalmente sobre tais informações, e (2) implícita/ não declarativa, aquela que armazena informações sobre atividades automatizadas de ordem sensorial (tirar a mão de fogo para evitar queimadura), motora (dirigir) e cognitiva (ler e escrever), relacionadas a procedimentos (memória procedimental/ procedural). A memória declarativa tem ainda duas subdivisões: a memória episódica, que armazena informações de eventos pessoais e específicos vivenciados, logo autobiográficas, e a memória semântica, que armazena informações sobre o conhecimento enciclopédico, dos quais se incluem os linguísticos.

Informações definitivamente armazenadas ficam no sistema de MLP, em estado de latência, isto é, ―hibernadas‖. Quando houver a necessidade de utilização dessas informações, a MT trata de ativá-las e recuperá-las (evocação). Como síntese, propõe-se a análise do Diagrama 3. Em relação ao fluxo da informação da memória sensorial (percepção) para a MT, as proposições são especulativas, principalmente das informações adquiridas pelo tato, olfato e paladar.

Diagrama 3 – Modelo Integrador da Memória Humana18

Fonte: elaborado com base em Baddeley (2012) e Sternberg (2010).

Em suma, infere-se que a memória é uma das competências cognitivas extremamente relevantes para a/na aprendizagem: além de o que foi aprendido ficar armazenado na memória, o que se tem lá influencia novos aprendizados, tanto na assimilação quanto na acomodação do conhecimento. Na leitura, é a capacidade mnemônica que propicia a manipulação de informações utilizadas na reconstrução da significação de um texto, ou seja, na compreensão verbal.

Terminada a revisão dos aspectos perceptivos, linguísticos e cognitivos relacionados à leitura, na seção seguinte, por fim, objetiva-se esclarecer o próprio processo de compreensão. Dessa maneira, aspectos relacionados à compreensão textual são discutidos.

18 Em 15 de agosto de 2016, via e-mail <a.baddeley@york.ac>, Alan Baddeley mostrou-se favorável à

organização da memória humana e ao fluxo de informações da forma como estão apresentados no Diagrama 3. O diagrama foi elaborado de acordo com o pensamento atual de Baddeley (2012) sobre percepção (memória sensorial), memória de trabalho e memória de longo prazo.

Esboço Visuoespacial Retentor Episódico Circuito Fonológico Executivo Central Sistemas Sistemas Flexíveis Cristalizados Memória icônica (visão) Memória tátil (tato) Memória gustativa (paladar) Memória olfativa (olfato) Memória ecoica (audição) Memória Semântica (enciclopédica) Memória procedimental Memória Episódica (autobiográfica)

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