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CAPÍTULO II – RELAÇÕES POLÍTICO-MILITAR UNITA-SWAPO (1961-1976)

4. Relações UNITA – SWAPO: Cooperação Pré-independência

4.2. Fatores da Cooperação UNITA – SWAPO

Apesar de a SWAPO ter tendências pró-soviéticas e a UNITA tendências maoistas, a sua relação foi descrita por Hidipo Hamutenya (s/d) como “fraterna, segundo o qual, o "vínculo era supostamente natural: em vez de se basear em aspetos políticos, sociais e económicos ou ideologia, baseava-se na afinidade regional, etno-cultural e histórica”. Segundo este autor, “alguns membros da SWAPO também fizeram parte da União dos Povos de Angola, que foi a primeira organização política estabelecida em Angola, alguns angolanos também faziam parte da SWAPO, e vice-versa”406.

403 José Samuel Chiwale é nacionalista angolano, foi militante da SWAPO e da UNITA, onde sempre ocupou

cargos sêniores (Comandante das FALA).

404 Entrevista a José Samuel Chiwale, programa Café da Manhã da Rádio LAC, (s/d), em Luanda. 405 Chiwale, Samuel (2008), Cruzei-me com a História, Lisboa, Sextante Editora, pp. 57-59.

406 Hamutenya, Hidipo (s/d), Namibia and Angola: Analysis of a symbiotic relationship. (online). Disponível em

http://www.kas.de/upload/Publikationen/2014/namibias_foreign_relations/Namibias_Foreign_Relations_h amutenya.pdf, consultado a 3 de fevereiro de 2017, p. 86.

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Acreditamos que a falta de um estudo sistemático e mais rigoroso sobre os fatores que contribuíram para a aproximação UNITA-SWAPO tem levado a conclusões simplistas e adjacentes sobre esta questão, limitando o seu horizonte. Talvez por esta razão, Proinfie Mac Anghusa, uma ex-alto funcionário da Comissão das Nações Unidas para a Namíbia, escreveu que “por razões que só ele próprio conhece, Sam Nujoma (Presidente da SWAPO) apoiou durante algum tempo a UNITA e o Dr. Jonas Savimbi (líder da UNITA)”407. Neste contexto, podemos dizer que não existe um único fator isolado das estreitas relações que se registaram entre a UNITA e a SWAPO. Isto é, não se descartam os fatores regional/geográfico, étno-culturais e histórico, mas não podemos considerar que estes tenham sido os únicos fatores determinantes na estreita relação simbiótica que se estabeleceu entre a UNITA e a SWAPO. Portanto, apesar de os movimentos de libertação de África, particularmente de Angola e da Namíbia, bem como a cooperação entre a UNITA e a SWAPO, terem também uma dimensão regional, étnica, cultural e histórica, devem ser igualmente considerados um conjunto de outros fatores, no contexto das relações entre estes respetivos movimentos, designadamente fatores económicos, sociais, político- ideológicos, geoestratégicos e militares.

Fator geoestratégico

Segundo Samuel Chiwale (2008), entre março e novembro de 1966, estava sob controlo da UNITA o território que ia de Buçaco a Rivungo, isto é, do Moxico ao Cuando Cubango408. Como já foi referido, inicialmente, os guerrilheiros da SWAPO eram treinados na Argélia, Egito, Gana, a URSS e China, depois retornavam à Tanzânia, onde treinavam e, depois, na Zâmbia. Em 1966, a SWAPO estabeleceu a primeira base militar a noroeste da Namíbia e, em 1968, outra foi aberta no Caprivi409.

Desde o início da luta armada empreendida pela SWAPO, a 26 de agosto de 1966 (com um ataque às posições da SADF em Omugulugwombashe), que os guerrilheiros da SWAPO, a partir da Tanzânia, usavam a rota da Zâmbia, passando pelo sudeste de Angola até chegarem ao Sudoeste Africano. Este facto levou a SWAPO a estabelecer ligações e uma cooperação tático-estratégica com a UNITA, uma vez que a UNITA controlava a rota de trânsito vital para a SWAPO, da Zâmbia para o Sudoeste Africano através do corredor

407 Bridgland, Fred (1989), “introdução”, em Shipanga, Andreas e Sue Armstrong (1989), Namíbia - A Luta pela

Liberdade, Lisboa, Bertrand Editora, Produção de Maria Luísa R. Corrêa, pp. 10 -11.

408 Chiwale, Samuel (2008), Cruzei-me com a História, Lisboa, Sextante Editora, p. 94.

409 Hamutenya, Hidipo (s/d), Namibia and Angola: Analysis of a symbiotic relationship. (online) Disponível em

http://www.kas.de/upload/Publikationen/2014/namibias_foreign_relations/Namibias_Foreign_Relations_h amutenya.pdf, consultado a 3 de fevereiro de 2017, p. 86.

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leste-sudeste de Angola (Buçaco- Rivungo)410. No entanto, devido à posição geográfica do Sudoeste Africano, não era possível sustentar a luta de libertação no noroeste, porque lhe foram cortadas todas as rotas de abastecimento pela SADF. As poucas rotas de abastecimento que existiam estavam localizadas entre vizinhos hostis e territórios não independentes411. Deste modo, para ultrapassar estas dificuldades tornava-se cada vez mais necessário a SWAPO estabelecer cooperação com a UNITA por ser um movimento mais próximo do ponto de atuação geográfico e da visão estratégica. Ainda nesta senda Samuel Chiwale (em Jorge Valentim, 2005) afirma “verdade seja dita de 1970 a 1974 o único Movimento de Libertação que esteve eficazmente no interior do País era UNITA”412.

Uma vez que a UNITA controlava desde março de 1966 os territórios do corredor leste-sudeste de Angola (Moxico ao Cuando Cubango)413, deste modo, a SWAPO vai necessitar da zona controlada pela UNITA para permitir a sua movimentação e para servir de retaguarda. Como afirma José Lázaro Kakunha (2016) “[…] a SWAPO tinha carências territoriais para fazer a guerra na Namíbia. Então veio cá propor uma retaguarda segura que pudesse servir de ponto de partida para atacar o exército sul-africano”414. No entanto, com o corredor leste-sudoeste-sudeste de Angola sob o domínio da UNITA, a SWAPO não teve outra hipótese vantajosa em Angola, nessa altura, pois se quisesse combater no Sudoeste Africano tinha que passar pelas áreas controladas pela UNITA, sob o comando do general Francisco Kulunga. A outra alternativa para os guerrilheiros da SWAPO seria entrar no Sudoeste Africano por meio do território do Zâmbia ou do Botsuana, o que seria mais desgastante e estrategicamente menos vantajoso415.

A zona fronteiriça no nordeste do Sudoeste Africano com Angola e Zâmbia tinha-se constituído na principal rota de fuga para muitos sudoestino-africanos que decidiam exilar- se durante o período “pré-25 de Abril”. Refugiados, militares, voluntários e outros civis que procuravam alistar-se à SWAPO não só passavam pelos territórios da UNITA, como também se hospedavam nas suas bases, antes de chegarem às bases da SWAPO. A UNITA proporcionou a estes sudoestino-africanos alojamento, alimentação e outras provisões básicas. A organização nacionalista rival da UNITA, o MPLA, cuja zona de

410 Dreyer, Ronald (1988), The Search for Independence and Regional Security (1966-1988), Programme for

Strategic and International Security Studies – PSI Occasional Papers Number 3/1988, Geneva, p. 3.

411 Hamutenya, Hidipo (s/d), Namibia and Angola: Analysis of a symbiotic relationship, (online). Disponível em

http://www.kas.de/upload/Publikationen/2014/namibias_foreign_relations/Namibias_Foreign_Relations_h amutenya.pdf, consultado a 3 de fevereiro de 2017, p. 86.

412 Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda,

Editorial N´Zila, p. 293.

413 Chiwale, Samuel (2008), Cruzei-me com a História, Lisboa, Sextante Editora, p. 94. 414 Entrevista a José Lázaro Kakunha, em Ondjiva, 11 de agosto de 2016.

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combate estava localizada no nordeste de Angola, também tinha estações de recrutamento na região transfronteiriça onde operavam a SWAPO e a UNITA416.

Segundo Samuel Chiwale (em Jorge Valentim, 2005), Mao Tsé Tung e Chau En Lai (ex-comandante das forças armadas chinesas) diziam que uma guerrilha só se pode desenvolver a partir de três condições: (i) conhecimento pleno da geografia; (ii) domínio da informação a comunicar ao povo; (iii) compreensão das dificuldades objetivas da população417. No entanto, a SWAPO não tinha conhecimento pleno da geografia de Angola. nem o respectivo povo. Para tal, era necessário ligar-se a um movimento angolano que operava naquele corredor para conduzi-los até à fronteira com o Sudoeste Africano. Desde então, os guerrilheiros da SWAPO passaram a circular livremente nas áreas controladas pela UNITA, ao longo do trajeto Zâmbia – Angola – Sudoeste Africano418.

Desde o início da guerra anticolonial, desenvolvida pela UNITA, que a SWAPO se encontrava em Angola, nas áreas sob o controlo da UNITA419, chegando mesmo a efetuar operações conjuntas e a formar um comando unificado contra as forças coloniais. Com o objetivo de evitar as frequentes disputas territoriais contra a FNLA e contra o MPLA na região leste de Angola, era comum os guerrilheiros da UNITA disfarçarem-se, como se fossem guerrilheiros da SWAPO, durante a circulação no leste e sudeste de Angola. Apesar de se ter aliado à UNITA, a SWAPO procurou não se envolver, direta ou indiretamente, nos confrontos e rivalidade entre os movimentos de libertação de Angola a favor do seu aliado. Porém, as armas que a SWAPO ofereceu à UNITA, com o objetivo de lutar contra a tropa colonial, logicamente tinham de ser usadas em confrontos com os outros movimentos rivais angolanos, isto é, contra a FNLA e contra o MPLA420.

Fator económico-militar

A necessidade de obter meios logísticos e bélicos por parte da UNITA tinha sido outro fator de aproximação entre os dois movimentos, pois para desenvolver uma luta anticolonial era imperativo ter uma “economia-militar” que a pudesse sustentar.

Além disso, durante a luta de libertação nacional de Angola, os três movimentos de libertação – FNLA, MPLA e UNITA – tinham, todos, uma pretensão hegemónica de ser o

416 Shigwedha, Vilho Amukwaya, (2014), “The Relationship Between UNITA and SWAPO: Allies and

Adversaries”, em Journal of Southern African Studies, 2014 Vol. 40, No. 6, 1275–1287. Disponível em http://dx.doi.org/10.1080/03057070.2014.967505, consultado a 20 de fevereiro de 2017, p. 1277.

417 Chiwale, Samuel (2008), Cruzei-me com a História, Lisboa, Sextante Editora. p. 87.

418 Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda,

Editorial N´Zila, pp. 183 e 291-298.

419 Mulato, Ernesto (2014), Do Bembe a Luanda. Um percurso pela democracia em Angola, 1ª edição, Lisboa,

João Marques Edições, p. 166.

420 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa, Industrial, p.

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único a dominar a cena político-nacionalista de Angola, e assim serem considerados como os únicos representantes do povo angolano. Estas pretensões eram manifestadas através ataques retóricos e de combates armados, na luta fratricida com destacamentos militares que atacavam as bases militares e emboscavam colunas que combatiam o colonialismo português. A luta fratricida em pequena escala tornava-se um instrumento para satisfazer as exigências dos governos de países africanos independentes e, sobretudo, dos EUA e da URSS que gostariam de escolher os representantes legítimos421. No primeiro trimestre de 1969, a UNITA sentiu-se sufocada pelos portugueses e pelos outros movimentos de libertação (MPLA e FNLA), que atacavam as suas posições, este facto levara à deserção de algumas figuras influentes da UNITA, como Wanagola422. Nesta perspetiva Miguel M. N´Zau Puna, afirma que,

[…] De 1969 para 1971 foram os anos mais duros para a nossa organização. As nossas áreas começaram a ser invadidas pelas forças colonialistas tugas. Havia bombardeamentos constantes. De resto, tínhamos vários inimigos. No leste, e a leste, tínhamos de nos defender das forças do MPLA e, pelo Norte e a norte, eram as forças da FNLA chefiadas pelo Mwanangola […]. A verdade é que tanto a FNLA como o MPLA foram derrotados e forçados a regressar para as suas terras de origem [sic]423.

Entre essas dificuldades pode ser apontada a falta de meios logísticos e bélicos necessários para se defenderem dos seus inimigos/adversários e para o desenvolvimento da luta pela independência. Esta realidade também foi confirmada por Jonas Savimbi, no discurso proferido no I Congresso da UNITA, tal como diz Samuel Chiwale (2008),

- Vocês perguntam-me onde é que vamos buscar o armamento! – Exclamou o Dr. Savimbi. – A minha resposta é só uma às vossas aldeias. Vamos começar a luta com o armamento que vós tendes. […] – O que é que vocês utilizam para abrir uma lavra na mata? Não é a enxada e o machado? […] E na caça, como é que os vossos filhos a fazem, não é com a seta e o arco? 424.

O discurso proferido por Savimbi no I Congresso, em 1966, mostra claramente as dificuldades que a UNITA tinha nos primeiros anos da sua existência. A UNITA debatia-se com a falta e a necessidade urgente de material logístico e militar para que pudesse desenvolver a sua luta e concretizar os propósitos estampados no projeto de Muangai.

A situação agravou-se mais quando a UNITA sabotou da linha férrea do Caminho de Ferro de Benguela (CFB). Os países africanos, influenciados pela Zâmbia, e alguns

421 Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda,

Editorial N´Zila.

422 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa Industrial, p. 96. 423 Puna, Miguel M. N´Zau (2011), Mal me Querem, Porto, Papiro Editora, p. 85.

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países fora do continente africano procuraram limitar os apoios à UNITA, porque ataques à linha do CFB prejudicara os interesses da Zâmbia e de seus parceiros económicos na região e fora de África. Para além disso, também lhe foi vedado o trânsito nesse país425. Por outro lado, a maioria dos países africanos – incluindo a Zâmbia – e algumas potências mundiais era a favor da união dos movimentos de libertação de Angola, o que implicaria o desaparecimento da UNITA. A UNITA não era reconhecida pelo Comité de Libertação da OUA, nem fazia parte da Aliança de Cartum o que lhe dificultou a obtenção dos meios logísticos e bélico necessário426.

Perante este contexto foi necessário, mais uma vez, a UNITA recorrer ao velho amigo, a SWAPO, para obter apoio bélico e logístico. Deste modo, Samuel Chiwale foi mandado, clandestinamente, a Lusaca, para tentar obter armas da SWAPO. Nessa altura, a SWAPO já tinha transferido as suas armas para o Cuando Cubango e preparava-se para introduzi-las no Sudoeste Africano. No regresso, Chiwale manobrou através do Cuando Cubango e conseguiu arranjar 126 espingardas que os levou para o Lunguue-Bangu. Entre os meios bélicos oferecidos à UNITA, por intermédio de Chiwale, incluem-se as minas antitanques, que foram usadas para fazer explodir um comboio do CFB, novamente, por ocasião da visita do jornalista austríaco, para que Sitte visse e filmasse, e rockets e catapultas RPG-7, que eram usados em várias missões da UNITA. Ao contrário da UNITA, a SWAPO era reconhecida pelo Comité de Libertação da OUA, de onde recebera apoio militar (treinamento, armamento e outos meios logísticos), político e diplomático. Em contrapartida, o facto de o PLAN-SWAPO não ter homens suficiente para lutar com essas armas ajudou a fortalecer a UNITA que passou a receber parte dessas armas427. De acordo com Ernesto Mulato (2014), "Sam Nujoma tinha as costas largas, porque beneficiava do apoio da ONU e estava ciente de que o regime do apartheid cedo ou tarde iria ceder"428.

Por um lado, estava a UNITA isolada dentro de Angola – impedida de transitar na Zâmbia, desde 1967, devido aos repetidos ataques contra o CFB – e com dificuldades e necessidades logísticas. Por outro lado, estava a SWAPO com poucos homens e sem um “espaço trampolim” para penetrar no Sudoeste Africano. Neste contexto, os dois movimentos estabeleceram, na visão de Miguel N'Zau Puna, “uma associação amplamente silenciada, mas bem conhecida, ou seja, a UNITA estabeleceu uma aliança estratégica e

425 Entrevista a Evaristo Ndemupateke David, em Ondjiva, 08- 09-2016.

426 A. Marcum, John (1979), Angolan Revolution: Exile Politics and Guerrilla Warfare (1962-1976), Volume II,

London, The Massachusetts Institute of Technology, p. 224. Ver também em: Sellstõam, Tor (2000), Sweden and National Liberation in Southern Africa, vol, II: solidarity and assistance 1970-1994 [online], Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala, p. 30.

427 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa, Industrial, pp.

96 249.

428 Mulato, Ernesto (2014), Do Bembe a Luanda. Um percurso pela democracia em Angola, 1ª edição, Lisboa,

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tática” em troca de apoio logístico para chegar à frente do país429. Continuando nesta questão, José Chiwale (em Jorge Valentim, 2005) acrescenta,

[…] nós tivemos dois objectivos: (1) - Não tínhamos o armamento. Os outros tinham o armamento. (2) - Não tínhamos capacidade total para defender todas as áreas da guerrilha eficazmente no interior do país contra diversas frentes abertas contra a UNITA. Para lhes levar até à fronteira com a Namíbia os nossos guerrilheiros tinham que ser armados por eles para lhes servir de escolta e facilitar a entrada deles no interior da Namíbia430.

Deste modo, a UNITA foi contornando a sua carência de material bélico e logístico. Contudo, a SWAPO não era a única fonte de obtenção de tais meios de subsistência, tal como diz Jorge Valentim (2005), “[…] conseguimos minimizar as necessidades que nós tínhamos. Nós, a nossa fonte principal do armamento eram os camaradas da SWAPO, mas também as armas eram capturadas na frente do combate”431, contra as posições dos portugueses e em confrontos com outros movimentos, caso esses recuassem, deixando algum material (armamento, fardamento, medicamento e treinamento) útil que pudessem recuperar432.

Em suma, o armamento e outros meios logísticos da UNITA vinham apenas de quatro fontes: da captura em confrontos com inimigo (Forças Portuguesas e, principalmente outros movimentos angolanos), dos desertores das forças coloniais e da ELNA no Zaire, do apoio da SWAPO e da China. A China cumpria as suas promessas, embora de modo limitado e discreto, enviando o material de guerra à UNITA, em nome da SWAPO. Mas, com a prisão de Savimbi, e sob a intervenção direta do presidente Julius Nyerere, os meios logísticos dirigidos à UNITA eram entregues aos outros movimentos de libertação433. Portanto, outro fonte de sobrevivência da UNITA passou a ser o comércio com as populações dos territórios sob o seu controlo e com os movimentos de libertação da África Austral que tinham alguns interesses económicos e estratégico-militares nas respetivas áreas434, como foi o caso da SWAPO. Embora as forças da UNITA tenham beneficiado da cooperação que mantinha com a SWAPO, estas procuravam penetrar na Ovambolândia,

429 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa, Industrial, pp.

96 249, p. 249.

430 Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda,

Editorial N´Zila, p. 183, pp. 291-292.

431 Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda,

Editorial N´Zila, p. 293.

432 Entrevista a Pedro Tongeni, em Ondjiva, 02 de dezembro de 2016.

433 Chiwale, Samuel (2008), Cruzei-me com a História, Lisboa, Sextante Editora, p. 120.

434 Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda,

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por via do sudeste de Angola, e a UNITA dependia, ainda, em grande parte de um pequeno combate estratégico voltado para a obtenção de meios necessários para sobreviver435.

Fator político-ideológico

A UNITA, desde sempre, identificava-se como ideológica socialista maoista, e a SWAPO apresentava-se como um movimento socialista marxista-leninista. Apesar de os dois movimentos se identificarem pelas versões opostas do socialismo, a UNITA e a SWAPO comungavam em alguns pontos de vista políticos, segundo Nghiyalasha Elise Hauljondjaba (em Vilho Amukwaya Shigwedha, 2014),

[…] a relação cordial entre as duas partes foi também influência pelos seus valores e objectivos políticos comuns. O programa político da UNITA para Angola foi análogo ao programa político da SWAPO para melhorar o nível de vida dos pobres rurais e da classe operária explorada na Namíbia. Como a SWAPO, a UNITA se apresentou como o “messias” para os camponeses oprimidos e trabalhadores em Angola. Sua constituição proclamava que o movimento se empenharia em um governo proporcionalmente representativo de todos os grupos étnicos, clãs e classes, e "concentrou-se em elevar a consciência política dos camponeses, a maioria iletrados e amplamente dispersos"436.

Segundo Samuel (2008), no I Congresso da UNITA, realizado em 1966, definiu-se o “Princípio de Mobilização dos camponeses por um partido revolucionário”. Considera-se que os camponeses enquanto classe têm as suas qualidades e os seus defeitos, tendo em atenção o facto de a população angolana, na altura, ser constituída por 80% de camponeses. Era, portanto, indispensável despertar nos camponeses uma consciência proletária, a fim de que pudesse servir os interesses fundamentais do povo angolano. O sexto princípio ditava o seguinte: “juntar-se ao povo do interior do país”437. A UNITA e a SWAPO acreditavam que só por meio dos camponeses se podia libertar os povos oprimidos dos três continentes, em particular os povos da África Austral 438. Além disso, a UNITA e a SWAPO procuravam levar uma política de não-alinhamento, no quadro da política exterior, como diz o cofundador da UNITA, Tony da Costa Fernandes (30-06-1977).

435 A. Marcum, John (1979), Angolan Revolution: Exile Politics and Guerrilla Warfare (1962-1976), Volume II,

London, The Massachusetts Institute of Technology, p. 217.

436 Shigwedha, Vilho Amukwaya, (2014), “The Relationship Between UNITA and SWAPO: Allies and

Adversaries”, em Journal of Southern African Studies, 2014 Vol. 40, No. 6, 1275–1287. Disponível em http://dx.doi.org/10.1080/03057070.2014.967505, consultado a 20 de fevereiro de 2017, p. 1278.

437 Estatuto do I Congresso da UNITA, 1966, em Chiwale, Samuel (2008), Cruzei-me com a História, Lisboa,

Sextante Editora, pp. 98-99.

438 Entrevista a Alcides Sakala em "Memórias da Independência" Programa Televisivo da TV Zimbo, 24 de

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«Somos profundamente nacionalistas […], não admitiremos nunca que Angola venha a ser um campo de batalha entre o Ocidente e o Oriente. […] As portas do nosso país estarão sempre abertas a quem queira cooperar connosco, desde que se tenham sempre em conta os princípios de não ingerência e do respeito mútuo. Nos domínios da cooperação, os americanos, os russos e os chineses serão igualmente bem-vindos e nenhum deles será privilegiado em relação aos outros. Mas, sobretudo, não queremos participar na luta da divisão do mundo entre o bloco comunista e o capitalista. Nós queremos ser um país não-alinhado. Com certeza isso não significa prescindirmos de assumir uma posição política. Por exemplo, a nossa posição quanto aos países ainda sob dominação estrangeira é bastante clara. A UNITA, até aqui, foi o único movimento em África que, durante a sua