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CAPÍTULO II – RELAÇÕES POLÍTICO-MILITAR UNITA-SWAPO (1961-1976)

4. Relações UNITA – SWAPO: Cooperação Pré-independência

4.1. Preliminares da cooperação UNITA – SWAPO

Alguns movimentos de libertação de Angola e da Namíbia tiveram, ao longo da década de 60 a 90 do século XX, uma estreita relação de cooperação entre si em torno das ações em prol dos seus objetivos, nomeadamente a independência dos seus territórios, foi o caso da cooperação UNITA-SWAPO. A UNITA foi criada, a 13 de março de 1966, em Muangai, província do Moxico, por Jonas Malheiro Savimbi e outros dissidentes da UPA/FNLA, com o "objetivo de lutar pela liberdade e pela independência total para os homens e para a pátria mãe". Antes de fundar a UNITA, Savimbi fez parte dos quadros da GRAE-FNLA até 15 de julho de 1964, quando anunciou a sua demissão ao movimento liderado por Holden Roberto392.

Savimbi integrou a FNLA no Congo-Leopoldville, três dias antes de 15 de março de 1961, onde exerceu o cargo de Secretário para os Assuntos Exteriores do Governo Revolucionário de Angola no Exterior (GRAE). Entre outras tarefas, estava incumbido de conseguir o reconhecimento oficial do GRAE, por parte dos governos africanos já independentes. Como referimos acima, Savimbi desempenhou um papel importante na formação do Comité de Libertação da OUA, bem como na luta diplomática a favor do reconhecimento do GRAE, facto que permitiu a sua afirmação na arena internacional e o reconhecimento das suas qualidades por parte de alguns líderes africanos. A 29 de junho de 1963, o Governo do Zaire reconheceu oficialmente o GRAE. A 2 de agosto de 1963, em Dacar, os Ministros dos Negócios Estrangeiros da OUA aceitaram a recomendação do Comité de Libertação, reconhecendo o GRAE, e solicitaram a todos os Estados africanos independentes que fizessem o mesmo. Dentro de pouco tempo, o GRAE já tinha sido reconhecido por quase todos os países independentes da África, com exceção do Gana, Guiné e Congo Brazzaville. O Comité de Libertação tinha sido influenciado pela divisão que se vivia no seio do MPLA, em resultado de uma série de dissidências pessoais e divisão

África Austral (1951-1974), Tese de Doutoramento em História, especialidade em Defesa e Relações Internacionais, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e do Emprego – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Lisboa. Ver também em Gomes, Carlos de Matos e (2013), Alcora - O Acordo Secreto do Colonialismo, Lisboa, Divina Comédia.

392 Estatuto da UNITA, aprovado pelo XI congresso, 16 de Dezembro de 2011, em Luanda (online). Disponível

em

http://www.unitaangola.org/PT/Tableestatutos1.awp?WD_ACTION_=CLICTABLE;TABLEDISCUR&TABLEDISC UR=1, consultado a 30 de janeiro de 2017.

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ideológica. Após a rebelião iniciada em Luanda, a 4 de fevereiro de 1961, não tinha havido qualquer resistência realizada pelo MPLA. Durante o seu mandato como Secretário para Assuntos Exteriores do GRAE, Savimbi conseguiu obter uma boa base de apoio para a GRAE-FNLA393.

Em janeiro de 1964, após um encontro com Jomo Kenyatta, Ernesto "Che" Guevara e Stokely Carmichel, líder do Poder Negro Americano, foram convidados de honra numa conferência dos movimentos de libertação da África, em Dar-es-Salam, onde estiveram representados a GRAE-FNLA, por intermédio de Holden Roberto e Savimbi, o MPLA, a FRELIMO, a SWAPO, a ZAPU, a ZANU, o ANC e a PAC (da África do Sul). Para além desses grupos, também estavam dois grupos congoleses sediados em Dar-es-Salam, que, pelo menos com o apoio nominal sino-soviético, estavam envolvidos numa insurreição prestes a eclodir no Congo Oriental. Depois de Guevara ter proferido o seu discurso, interrompido por aplausos frequentes, Savimbi levantou-se e disse-lhe que não concordava com os seus argumentos. Tal atitude criou um certo alvoroço e alguns delegados, em especial a delegação congolesa e da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), gritaram a Savimbi que ele não passava de um fantoche da CIA. Igualmente lançaram impropérios contra os representantes da SWAPO, com os quais Savimbi tinha estabelecido cordialmente relações de amizade394.

O discurso de Guevara, segundo Savimbi, tinha frisado a necessidade de a classe trabalhadora – o proletariado na terminologia marxista-leninista – ser a «vanguarda» em qualquer luta de libertação. Tal como Fidel Castro, Guevara não acreditava na mobilização das «massas» camponesas, a longo prazo. Savimbi teve contacto com as obras de Mao Tsé-Tung, que lhe tinham sido oferecidas por Co Liang, um dos mais importantes agentes da China em África. Os princípios defendidos por Guevara eram contra a doutrina maoista, que advogava a massa campesina como a «vanguarda» de revolução. Para África, onde quase 90% da população africana era a camponesa e possuía características particulares, para Savimbi essa visão não podia ser vista como exceção395.

Em maio de 1964, os desentendimentos entre Holden Roberto e Jonas Savimbi agudizaram-se e instala-se uma crise no GRAE-FNLA. A 15 de julho de 1964, Savimbi anunciou a sua demissão ao GRAE-FNLA. Depois da fracassada tentativa de se unir ao MPLA, Jonas Savimbi publicou, a 11 de dezembro de 1964, em Brazzaville, o manifesto

393 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa, Industrial

Gráfica, pp. 62-65.

394 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa, Industrial

Gráfica, pp. 73-74.

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AMANGOLA – Apoiantes do Manifesto de Angola /«Os Amigos de Angola396». Neste documento condenava-se as caraterísticas etnicista e regionalista da FNLA e as ações desta organização contra o MPLA, bem como explicava-se a saída de Savimbi e de seus seguidores da FNLA, e a sua visão política sobre a luta anticolonial. Este manifeste é visto como a base do surgimento da UNITA397.

Jonas Savimbi foi à Suíça onde permaneceu por curto tempo. No entanto, entre 1964 e 1965, Savimbi percorreu a China, Argélia, Tanzânia, Egito e alguns países da Europa do antigo Bloco do Leste, como a URSS, Checoslováquia, Bulgária e Vietname do Norte em busca de apoio internacional com vista a formação do seu movimento, com ajuda de alguns elementos dissidentes da FNLA, principalmente Tony da Costa Fernandes e Miguel N´Zau Puna. Contudo, foi recebido com frieza na Europa do Leste, pois estavam somente interessados no MPLA. Como já foi referido, foi na China onde Savimbi conseguiu apoio financeiro, político-ideológico e técnico, e nesse contexto o seu amigo Co Liang teve um papel influente. Oficialmente a fundação ocorreu a 13 de março de 1966, em Muangai, província do Moxico 398.

A fundação de um novo movimento, por Savimbi, não foi mal vista por Nujoma. Pelo contrário, Savimbi teve apoio incondicional do líder da SWAPO em quase todas as etapas da formação da UNITA, desde a fundação até à sua instalação no interior de Angola. O surgimento da UNITA deu outra dinâmica e abriu outros horizontes, particularmente, no contexto das relações Savimbi-Nujoma e, de modo geral, no contexto das relações entre Angola e o Sudoeste Africano, no quadro da luta anticolonial. O papel desempenhado por Jonas Savimbi no GRAE e na criação do Comité de Libertação da OUA, bem como a sua afirmação regional e a sua habilidade diplomática, principalmente no panorama africano, provavelmente permitiram atrair alguma consideração por parte dos líderes da SWAPO. Pode-se considerar que este conjunto de factos terá desempenhado um papel importante na aproximação inicial entre Savimbi e Nujoma, bem como na projeção futura da UNITA.

Relativamente à SWAPO, depois da sua transformação, a 19 de abril de 1960, foram definidas quatro estratégias para conquistar e consolidar o apoio no interior do Sudoeste Africano, bem como para a conquista da independência: mobilização política no interior do Sudoeste Africano, a frente diplomática, a frente da educação e a frente militar. No entanto, foi principalmente no âmbito da frente militar que se permitiu embelecer diversas relações entre o Sudoeste Africano e Angola. Em 1969, a SWAPO tornou-se o único movimento de

396 Para mais informação sobre o manifeste AMANGOLA – Apoiantes do Manifesto de Angola – ver em:

Valentim, Jorge (2005), 1954-1975: Esperança- época de ideais de independência e dignidade, Luanda, Editorial N´Zila, p. 264.

397 Savimbi, Jonas (1979), Angola: a resistência em busca de uma nova nação, Lisboa, Agência Portuguesa de

Revistas, pp. 9-11.

398 Bridgland, Fre (1988), Jonas Savimbi: uma Chave para a África, Lisboa, Printer Portuguesa, Industrial

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libertação reconhecido oficialmente pela comunidade internacional – declarado pela Organização da Unidade Africana como o "único e autêntico" representante do povo do Sudoeste Africano. A SWANU e outros movimentos foram excluídos. Nessa altura, os guerrilheiros da SWAPO eram, essencialmente treinados na Argélia, Egito e Gana. Para que obtivessem mais conhecimentos alguns guerrilheiros eram enviados para a URSS e para a China. Ao retornarem, alguns treinavam outros guerrilheiros na Tanzânia, onde a SWAPO esteve exilada e onde dispunha de campo de treino, no distrito de Kongwa, e representação política em Dar-es-Salam, desde 1960/1961399. A SWAPO, como membro da “Aliança de Cartum”, recebia o apoio total dos governos de alguns países membros da OUA, do respetivo Comité de Libertação, de alguns países ocidentais, principalmente dos países nórdicos, como a Suécia400.

Nesta época, a Tanzânia situava-se na vanguarda da luta contra o colonialismo e o racismo na África Austral, tendo sido a trincheira dos movimentos de libertação do continente africano e evidentemente teve uma considerável assistência económica e militar do mundo socialista401. A SWAPO começou a luta armada pela independência do Sudoeste Africano, desde 26 de agosto de 1966 até ao acordo de paz de Nova Iorque de 1988, que visavam estabelecer a paz na África Austral e a implementação da resolução 435/78 sobre independência. Durante a sua luta, os líderes da SWAPO e do seu braço armado – o PLAN – estavam exilados. Era do exílio que partiam para perpetuarem ações no Sudoeste Africano, contra alvos do regime sul-africano. As suas principais bases e instalações estavam, inicialmente, na Argélia, Tanzânia, depois na Zâmbia e, por último, em Angola.

Ora, as relações entre o líder da UNITA, Jonas Savimbi, e o líder da SWAPO, Sam Nujoma, foram estabelecidas entre os anos 1961 e 1964, em Dar-es-Salam, Tanzânia402, quando Savimbi ainda era Secretário para os Assuntos Exteriores do Governo Revolucionário de Angola no Exterior (GRAE-FNLA). Igualmente, também foi importante o papel de Samuel Chiwale – que se encontrava no campo de treino da SWAPO, no Kungwa – na consolidação das respetivas relações de amizade entre a UNITA e a SWAPO devido a três fatores: a militância de Samuel Chiwale na SWAPO, o interesse de Chiwale em

399 Hamutenya, Hidipo (s/d), Namibia and Angola: Analysis of a symbiotic relationship, (online). Disponível em

http://www.kas.de/upload/Publikationen/2014/namibias_foreign_relations/Namibias_Foreign_Relations_h amutenya.pdf, consultado a 3 de fevereiro de 2017, p. 86.

400 Sellstõam, Tor (2000), Sweden and National Liberation in Southern Africa, vol, II: solidarity and assistance

1970-1994 [online], Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala, p. 30.

401 Thiam, Iba Der, James Mulira e Christophe Wondji (2010), “A África e os países socialistas”, em Mazrui, Ali

A. e Christophe Wondli (Editores), História Geral da África, VIII: desde 1935, Brasília, UNESCO, p. 986.

402 Entrevista a José Lázaro Kakunha, em Ondjiva, 11 de agosto de 2016. Ver também em: Entrevista a Evaristo

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aproximar-se à Savimbi e o facto de ser angolano do sul403, tal como se confirma na entrevista da LAC ao Samuel Chiwale:

[…] em Dezembro [ de 1964], ao chegar em [Dar-es-Salam] (...) perguntei ao Pita Nahemba se tinha alguma informação em relação a alguns angolanos. Ele disse: “não senhor. Tenho informação que o Internacional...”. O Dr. Savimbi chamava-se por “Internacional” porque falava muito bem inglês, falava muito bem francês, falava muito bem alemão e português. Então, no exterior todo indivíduo que articula bem as línguas era tido como internacional!404.

Ainda nesta senda, Samuel Chiwale (2008) afirma,

Recebi, em Janeiro de 1965, um telegrama vindo de Dar-es-Salam. Lembro-me de estar na minha tenda no campo de Kongwa [ainda como militante da SWAPO]. Fora enviado por Peter Nanhemba, representante da SWAPO. Lacónico, como todos dos telegramas, dizia simplesmente o seguinte: havia chegado o «internacionalista». Era a maneira como a SWAPO se referia ao Dr. Savimbi pelo facto de ele ser poliglota. Solicitava-se, por isso, que me deslocasse a Dar-es-Salam para o contactar. Pode imaginar-se a minha ansiedade, pois não o conhecia a não ser pelo nome - ouvia falar dele na década de 50. […] Eu sempre dizia para com os meus os botões que se, de facto, não encontrasse em Angola um movimento de libertação em altura das minhas expectativas, seria melhor continuar na SWAPO. Nesse pensamento tinha sido baseado nas contradições protagonizadas entre o MPLA e a UPA. A SWAPO nunca escondeu o seu interesse por mim, considerava-me como um soldado das suas fileiras e eu pensava utilizar essa força política como trampolim para chegar às verdadeiras forças revolucionárias angolanas [sic]405.