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CAPÍTULO 1 GEOTECNOLOGIAS, ESPAÇO URBANO E ASSENTAMENTOS

1.1 As transformações do espaço urbano e a formação de assentamentos informais

1.1.2 Favela em cidades médias

A discussão sobre cidades médias ou intermediárias tem certa complexidade, o que, para Costa (2002, p.102), é causado pela “[...] heterogeneidade das realidades, quer pela temporalidade dos fenómenos económicos-societais, cujas constantes mudanças condicionam os territórios não metropolitanos”. Esses fatores dificultam a conceituação de cidade média e, sobretudo, provocam a falta de consonância nas propostas de definições. Apesar de haver várias acepções de cidades médias usam- se algumas abordagens, como o tamanho demográfico, a funcionalidade regional e a organização do espaço intraurbano.

No caso do critério demográfico, é usada a quantidade da população para se definir cidades médias. No Brasil, quando se utiliza o critério demográfico simplesmente, usa-se denominar cidade de porte médio; há alguns pesquisadores como Andrade e Serra (2001), além do IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, que consideram cidade de porte médio quando a população está entre 100 e 500 mil habitantes. O Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos – UN- HABITAT classifica, como cidades intermediárias, as cidades com população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes.

A União Europeia oficializou, através do relatório EUROPA 2000 +, que as cidades com uma população entre 20.000 e 50.000 habitantes são consideradas médias (COSTA, 2002). Porém, analisando individualmente alguns países da União Europeia, percebe-se uma grande variação desse critério, conforme tabela 04.

Tabela 04 – Quantidade demográfica para classificação de cidade média em alguns países da União Europeia

PAÍSES CIDADE MÉDIA

Escala de dimensão (habitantes)

Alemanha 150 000 – 600 000 Dinamarca <100 000 Espanha 30 000 – 300 000 França 20 000 – 100 000 Grécia 50 000 – 100 000 e 10 000 – 50 000 Itália 50 000 – 200 000 e 100 000 – 300 000 Portugal 20 000 – 100 000 Irlanda 50 000 – 100 000 Reino Unido 150 000 – 600 000 Suécia 50 000 – 200 000

Fonte: EFILWC (1994); Commerçon (1996); Gault (1989);Wilberg (1991) e ONU (1987) – anuário demográfico internacional. Org. Costa (2002). Adap. Leite (2007)

É importante reiterar que o critério demográfico somente não define cidade média, haja vista que essa variável precisa ser associada a outras para classificar uma cidade como média ou intermediária. Dessa forma, é importante considerar outros pontos, como o critério funcional, ou seja, o papel desempenhado pela cidade na rede urbana regional. Esse critério é relevante ao se considerar uma cidade como média. Assim, a cidade média é, na verdade, o centro de convergência de capital e pessoas de sua região geográfica, ou seja, o polo regional, no qual vários serviços especializados se concentram. Nessa abordagem, o consumo é o ponto principal para definir os papéis regionais, o potencial de comunicação e articulação dessa cidade na sua rede urbana regional (SPÓSITO, 2001).

Outro ponto destacado por Corrêa (2007) na busca por uma conceituação de cidade média é a organização do espaço intraurbano. Para esse autor, a forma com que os elementos que compõem o espaço urbano estão dispostos na malha urbana indica sua complexidade econômica. A distância entre o centro e a periferia faz com que se desenvolva a descentralidade comercial e a formação de espaços especializados no interior da cidade. Amorim Filho e Sena Filho (2005) também consideram a organização do espaço intraurbano como ponto importante para classificar a cidade como média. Esses autores defendem o mapeamento do uso do solo para definir a morfologia de usos na cidade e assim construir modelos que indiquem o padrão de uso do solo entre as cidades médias.

Na tentativa de desenvolver um conceito de cidade média, Corrêa (2007) é enfático ao afirmar que para conceituar a cidade média é preciso combinar tamanho demográfico, funções urbanas e organização do seu espaço urbano. Esse autor entende que analisar a cidade média tomando como base apenas um desses pontos é interpretar equivocadamente a definição de cidade média. Além disso, entende que esses elementos se integram, pois a cidade com maior população implica em maior espaço físico, o que consequentemente traz uma diversidade de atividade econômica que se materializa em locais diferentes da cidade. Esse é o cenário de uma cidade que concentra algumas funções urbanas e tem seu espaço fragmentado e, ao mesmo tempo, mais articulado.

Além de listar esse tripé de variáveis como ponto de partida para classificar a cidade média, Corrêa (2007) propõe a inclusão de outras variáveis na construção do conceito de cidade média, pois há outros elementos importantes que interferem diretamente na organização interna da cidade. Essa proposta de Corrêa (2007) corrobora com a ideia de Soares (1999, p.60) que afirma que, para classificar uma cidade como média, devem-se associar algumas variáveis e destaca alguns pontos como tamanho demográfico, qualidade das relações externas, especialização e diversificação econômica, posição e sua importância na região e na rede urbana de que faz parte, organização espacial e índices de qualidade de vida. Essa integração de elementos permite entender a função da cidade na sua rede urbana regional e, até mesmo, no sistema econômico global, essa compreensão permite assim classificá-la como média.

Há uma relação lógica entre o crescimento das favelas nas cidades médias e as mudanças na rede urbana brasileira, na qual essas cidades estão despertando interesses para maximização do capital, como é o caso das indústrias que saem das metrópoles para se instalar nessas cidades em busca de menor custo de produção, atraindo, assim, maior investimento tanto para o setor secundário quanto para o setor terciário das cidades médias.

Essa (re)locação do capital no cenário nacional interfere diretamente nos fluxos migratórios, provocando um fluxo populacional constante para as cidades médias. Esse fluxo é proporcional ao crescimento econômico dessas cidades, ou seja, quanto maior o crescimento econômico, maior será a migração para essa cidade.

Sobre essa situação, Maricato alerta

As cidades de porte médio, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, cresceram a taxas maiores do que as metrópoles, nos anos 80 e 90 (4,8% contra 1,3%). A aceleração extraordinária do crescimento das cidades de porte médio, e das cidades litorâneas, de um modo geral, exige evidentemente atenção devido as conseqüências socioambientais decorrentes da velocidade do processo de urbanização (2001, p.25).

A região na qual a cidade média está inserida tem influência nas transformações sociais do espaço intraurbano. Quando se trata de uma região pobre as transformações são mais drásticas, haja vista que o crescimento populacional será maior, pois a população de uma região pobre tende a buscar novas oportunidades nos centros regionais, ou seja, nas cidades médias.

A intensa migração para as cidades médias, principalmente de pessoas de baixo nível de instrução e renda, provoca o aumento da informalidade no mercado de trabalho, pois a demanda populacional é maior que a oferta de emprego. Como consequência disso, aumenta a informalidade da moradia, tendo em vista que os migrantes não têm condições financeiras de adquirir um imóvel e acabam buscando moradias informais.

Essa situação elucida o crescimento da pobreza urbana nas cidades médias nos últimos anos. Fato esse comprovado por Arriagada (2000) que mostra que a incidência relativa da pobreza nos centros de tamanho médio é superior ao das grandes cidades. Esse autor atribui isso ao recente dinamismo demográfico destas cidades e a maior incidência de emprego informal em suas economias.

Diante do grande crescimento populacional vivenciado pelas cidades médias a partir, principalmente, dos anos de 1990 se intensifica o processo de favelização. No último censo demográfico, conforme tabela 05, o IBGE constatou que há favelas em quase 80% das cidades de porte médio (entre 100 e 500 mil habitantes), e em 40% das cidades com população entre 20 e 100 mil habitantes.

Tabela 05 – Número de favela em municípios brasileiros (por faixas de população) 2000

Municípios com favelas2 Existência

Faixas de população Total de

Municípios Sim Não TOTAL 5 560 1 246 3 993 FAIXAS DE POPULAÇÃO Até 5 000 1 371 81 1 255 De 5 001 a 20 000 2 688 477 2 052 De 20 001 a 100 000 1 275 504 653 De 100 001 a 500 000 194 152 33 Mais de 500 000 32 32 - Fonte: IBGE, 2000. Org.: LEITE, 2007.

O processo de favelização das cidades é bastante peculiar e relacionado com a história política e econômica de cada cidade e região. A ordem cronológica do início do processo de favelização nas cidades médias não pode ser generalizada, necessitando, assim, de um estudo individual para definir o período de origem das favelas. Perante essa visão, cresce a formação de favelas nas áreas urbanas, o que torna esse processo preocupante e merecedor de estudos e de medidas para inclusão social da população dessas áreas.

Além das favelas, outros problemas habitacionais são crescentes nas cidades médias e, consequentemente, interferem na qualidade de vida de toda sociedade. Os cortiços que outrora eram exclusivos das metrópoles estão surgindo nas cidades médias mais desenvolvidas. Os loteamentos ilegais, também frequentes na paisagem urbana das grandes cidades, estão proliferando nas cidades de porte médio do Brasil. Tanto quanto as favelas, esse tipo de loteamento provoca a

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Alguns municípios não declaram sobre a existência ou não de favelas, por isso, a soma dos dados desta coluna não é igual aos dados da coluna total dos municípios.

fragmentação do espaço urbano e atrapalha o desenvolvimento socioespacial das cidades.