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2. Desenvolvimento

2.2. Violante de Cysneiros: heterónimo ou pseudónimo

2.2.2. Violante e a rubrica “Azulejos”, em O Autonómico

2.2.2.2. Favorecimento de temas rurais

O favorecimento de temas rurais não é elemento distintivo da literatura de Armando Côrtes-Rodrigues, por si só, visto que outros autores também o apresentam. Repare-se que “[a]s evocações rusticistas” em Alfredo Pedro Guisado82“aparecem banhadas ainda numa

vaga, e assim mesmo adequada, inspiração de religiosidade cristã” (1979:178), principalmente em Xente d’Aldea83, texto assinado por Pedro de Meneses, seu pseudónimo de naturalidade galega. É, sim, elemento distintivo entre a escrita deste e a de Violante de Cysneiros, ou melhor, entre os textos de Violante presentes em Orpheu 2 e em O Autonómico ou A Actualidade e aqueles assinados em seu próprio nome.

Com Côrtes-Rodrigues, principalmente na sua fase pós-Orpheu, verifica-se um reforçar dessa preferência pelo bucolismo natural dos espaços, predileção expressa nas suas crónicas,

82 A seleção deste autor como fonte de exemplo prende-se, em primeiro lugar, com a economia de tempo e espaço desta

dissertação, já que poderíamos ter escolhido, também, autores como Fialho de Almeida ou Carlos Oliveira, e, em segundo lugar, e mais importante, com a proximidade existente entre Guisado e Côrtes-Rodrigues, já que ambos faziam parte dos mesmos círculos e ambos membros da geração de Orpheu.

83 A obra Xente d’Aldea, escrita em galego, data de 1921. Alfredo Pedro Guisado, sob o mesmo pseudónimo, escreveria,

ainda, Elogio da Paisagem, em 1915; As Treze Baladas das Mãos Frias, em 1916; Mais Alto, em 1917; Ânfora, em 1918; A Lenda do Rei Boneco, em 1920 e As Cinco Chagas de Cristo, em 1927.

nas suas peças dramáticas, na sua poesia, e nos diversos artigos que publicaria nos jornais açorianos, sob os diversos nomes e criptónimos com que assina. Atente-se, por exemplo, no texto assinado por Severo (de) Verdades, datado de 17 de março de 1923, no número 172 do periódico A Actualidade. Neste, na rubrica intitulada “Chronica de Aldeia I”, na qual contextualiza, espacial e temporalmente, a narração através da menção a Santa Bárbara e da referência elogiosa ao Monte Brasil (ilha Terceira) e ao ano de 1922, poderá ler-se: “No campo não.[…] O pensamento religioso da paisagem fala mais alto do que nós. Os lábios fecham-se e o coração escuta” e, por isso, “[q]uando se viaja para o campo, deve-se ir sozinho” (A Actualidade, n. 172: 2). Esse mesmo pseudónimo cortesiano, numa outra rubrica, a “Comentários,” alguns meses depois, mais precisamente na edição de 12 de julho de 1923; no número 195, atesta que “A vida é bela e perfeita como todas as obras que saíram das mãos do Creador […]” e convida o leitor a “Olha[r] a água da fonte”, pois esta “é pura, casta, humilde e boa. Sê bom, humilde, casto e puro do coração e terás compreendido o sentido da vida” (A Actualidade, n. 195: 1). Esta contribuição reveste-se de uma dupla importância no que respeita ao cerne deste trabalho, pois, nesse mesmo texto, Côrtes-Rodrigues estabelece uma simbiose entre espaço-homem-Deus e uma relação de interdependência.

Ademais, Côrtes-Rodrigues, senhor da «severa verdade», escreve que “[a] vida é uma missão nobilíssima que nos cumpre realizar no aranhado limite da nossa existência. Conhecer, amar e servir a Deus eis todo o segredo da humana missão”, mas tal só é possível caso o homem mergulhe na pureza da sua existência mundano-divina. Para tal, o espaço citadino, buliçoso e tentador, não será adequado. Na tranquilidade dos espaços rurais, ao homem, no encontro com a Natureza, suprema criação divina, será facultado o dom da visão. Precisamente por esse motivo questiona: “Como queres conhecer a Deus se és o primeiro a cegar a tua inteligência pelo desvairo do teu orgulho e da tua vaidade?”. Porém, as interrogações retóricas, artifícios perfeitos para atrair o público, intensificam-se quando, continua o discurso, questionando: “Como conhecer a Deus se o negas? E se o não negas pelas tuas palavras, porque o negas pelos teus actos? Porque aquele que diz que crêm em Deus e vive como se Ele não existisse, mente duplamente”. Côrtes-Rodrigues e o seu séquito de pseudónimos revelam por fim que

[n]inguém pode amar sem conhecer. Só quem conhece a Deus o pode amar. Ai de ti que tiveste tempo para estudar todas as literaturas, todas as sciencias, todas as artes, todas as filosofias, para praticares todas as loucuras e para gastares na indiferença as tuas melhores horas e que nunca tiveste um momento tranquilo na tua existência para leres o Evangelho e estudares o Catecismo.

Parece-nos ser visível uma preferência pelo ambiente campestre, tranquilo, bucólico, nos diversos registos escritos de Armando Côrtes-Rodrigues, uma tentativa de reconhecer a importância essencial do campo na purificação da alma. A perspetiva recordar-nos-á os textos poéticos de um Cesário Verde extremista, apaixonado pelo sussurro tranquilo e reconfortante do mundo campestre, ocasionalmente dividido entre a vida na cidade e o apego reconhecido ao espaço campesino, mas sem que lhe falte o olhar atento. No número 198 do A Actualidade, na rubrica “Apontamentos dum Estudante”, X, um dos seus criptónimos, refere que “Vamos em progresso […]” e logo apresenta as consequências: “Como transformaram num século, este povo de Lisbôa. Crente, disciplinado […] ahi o temos, agora, malcriado, revolucionário, grevista, bombista, ingovernável. Está fazendo tirocínio para a ditadura do proletariado”(A Actualidade, n. 198:2). As várzeas e os montes, as pastagens e as searas são os espaços privilegiados, espaços que ele desnuda e é

por demais [re]conhecida a riqueza artística do seu verbo, em prosa ou em verso, sempre impregnado de um lirismo traduzido em páginas de amor à terra, ao povo e seus costumes, à simplicidade rural, à Natureza. Na sua escrita convivem harmoniosamente os ruídos campestres, o chilrear dos pássaros, o murmúrio das águas, a rusticidade das vozes humanas, o guincho dos carros de bois, todos fundidos num hino de louvor ao Criador.

(2011:5)