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A fecundidade: discursos sobre o controle de natalidade e as tecnologias

No documento paolalililucena (páginas 143-169)

4 REPRESENTAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA E A FECUNDIDADE NAS

4.4 A fecundidade: discursos sobre o controle de natalidade e as tecnologias

No que concerne ao tema da fecundação, esta dissertação está pautada na análise de duas questões, a saber: a introdução social dos métodos contraceptivos em meados do século XX e os discursos elaborados pela Igreja para normatizar a procriação humana e interditar o uso desses métodos. É preciso esclarecer que o recorte temporal estipulado compreende tanto o aparecimento da pílula anticoncepcional quanto a elaboração da encíclica Humanae Vitae (PAULO VI, 1968), que se destinou especificamente a regular as questões referente à geração da vida humana. Nesse sentido, esses pontos devem ser percorridos com a finalidade de enfocar como o Lar Católico discorreu sobre a utilização de métodos anticoncepcionais e o controle de natalidade, evidenciando como a apropriação do discurso religioso oficial foi essencial para a formulação de suas apreciações sobre o tema.

De um modo geral, as instituições buscaram construir discursos que pudessem delinear e estabelecer o modo como a sociedade se relacionaria com os métodos que inibem temporariamente a concepção. Dentre tais instituições, destaca-se a Igreja Católica, historicamente produtora de um trabalho significativo a esse respeito, uma vez que se caracterizou por estipular verdades sobre a procriação que de alguma forma estiveram presentes no imaginário social.

De acordo com Pierucci, ao dispor de uma doutrina sobre a legitimidade dos meios anticoncepcionais, a Igreja Católica se comportava como uma instituição que se interpunha

entre os indivíduos e a sua prática sexual e reprodutiva (PIERUCCI, 1978). Assim, mesmo imersa em um contexto que demandava uma baixa fecundidade, a Igreja se manteve reticente em relação aos mecanismos que estavam disponíveis para reduzir os índices de natalidade. Em outras palavras, não houve, por parte do clero, a articulação de um discurso favorável ao uso dos métodos contraceptivos propostos pela ciência, ainda que essa instituição tivesse relativizado sua defesa à família numerosa.

Portanto, sua doutrina sobre a reprodução humana resultava na construção de discursos de orientação normativa, que visavam estipular um determinado comportamento em relação aos meios anticoncepcionais para os sujeitos. Ainda segundo esse pesquisador, a ritualização que revestiria esses discursos funcionava como uma estratégia de controle dos leigos, conquistando corações e mentes. Em meio a esse processo, era enfatizado que a transgressão ou a aceitação dessa doutrina acarretariam em recompensas ou punições. Logo, a história da reprodução humana também pode ser escrita através dos discursos clericais e do poder da Igreja Católica exerce ou exerceu nesse campo.

Historicamente, a contracepção sempre foi praticada como forma de regular os nascimentos considerados desnecessários. Pode-se concluir então que não se trata de uma iniciativa inaugurada pela modernidade. Sendo assim, o fato de a Igreja ter identificado a necessidade de mobilizar discursos para controlá-la e até mesmo extingui-la, também não é recente. Sabe-se que já na Idade Moderna a Igreja condenava o coito interrompido, prática que se tornou recorrente entre a população europeia e que engendrou uma profusão de discursos que visavam a controlá-la (LEERS, 1987).

De acordo com Flandrin, no século XVIII havia uma demanda por práticas contraceptivas. Assim, a Igreja orientava os padres a inquirirem seus fiéis, no momento da confissão, com o intuito de descobrir se eles empregavam tais práticas (FLANDRIN, 1986). Mas mesmo diante da pressão realizada pelos clérigos, novos métodos contraceptivos foram desenvolvidos ao longo da história. Nas primeiras décadas do século XX, já estava disseminada a prática das “tabelinhas”, que regulavam o período de fertilidade feminina. Logicamente, as possibilidades de contracepção se tornaram mais efetivas e bem sucessivas com a introdução da pílula anticoncepcional na segunda metade do século XX. A intervenção na reprodução utilizando métodos científicos começou a se tornar uma realidade para as mulheres a partir dos anos 60 e 70, representando mais uma etapa do processo histórico de regulação da prole (NUNES, 1994).

A introdução da pílula incidiu no discurso religioso e de certa forma pode se perceber que a encíclica Humanae Vitae (PAULO VI, 1968) consistiu em uma reação à

disseminação desse método entre as mulheres. Um dos motivos que poderiam explicar a necessidade de utilizar essa tecnologia reprodutiva, mesmo diante das dúvidas que ela instigava sobre os efeitos causados na saúde feminina, seria o fato de o contexto histórico dos anos 50 e 60 não ser favorável ao crescimento da natalidade.

Tal contexto, indiretamente, questionava as bases da teoria católica sobre a sexualidade humana, pautada em uma relação entre o sexo e a reprodução. O discurso religioso, ao longo dos séculos, criou mecanismos para conferir naturalidade ao histórico vínculo que envolvia estes dois aspectos. Utilizando-se desse argumento, a Igreja acreditava dirimir as possibilidades de contestação a sua doutrina sexual, uma vez que algo que pertence à natureza não pode ser transformado pela ação humana. Assim, apresentando-se enquanto portadora das vontades divinas, que se evidenciavam para o mundo na forma de uma natureza imutável, a Igreja permanecia reticente em conceder sua permissão para a manipulação da mesma. É possível encontrar na encíclica Humanae Vitae, uma passagem na qual a referência a essa questão é muito clara:

Nenhum fiel quererá negar que compete ao Magistério da Igreja interpretar também a lei moral natural. [...] os constituía guardas e intérpretes autênticos de toda a lei moral, ou seja, não só da lei evangélica, como também da natural, dado que ela é igualmente expressão da vontade divina e que a sua observância é do mesmo modo necessária para a salvação. (PAULO VI, 1968).

Foi no século XX que as descobertas científicas contribuíram para desarticular essa integração entre sexo e reprodução, questionando sua naturalidade. A princípio, observou-se que nem todo o ato sexual teria como consequência a fecundação. Em seguida, a ciência desenvolveu tecnologias capazes de regular o ciclo menstrual das mulheres, impedindo que a fecundação fosse realizada sem o consentimento feminino (a pílula).

Diante dessa situação, a Igreja se viu desafiada, tendo que realizar adaptações na sua doutrina, sem que essas denunciassem uma mudança muito radical em relação ao que anteriormente era proposto. Era necessário que o fiel apropriasse seu discurso, identificando que a manutenção da essência da doutrina cristã sobre o sexo estava associada à introdução de novos apontamentos sobre o encontro sexual dos casados. Assim, paulatinamente, novidades foram sendo arroladas nos discursos papais sobre o tema, dentre elas, aquela que admitiu a abstinência periódica para controlar a natalidade (OLIVEIRA SILVA, 2001). Em 1951, na alocução Cartas às parteiras, o Papa Pio XII admitiu os direitos dos casais católicos em espaçar o nascimento dos filhos, beneficiando-se do ciclo fértil natural feminino. Pela

primeira vez, abriu-se um precedente para o planejamento familiar, estabelecendo certa ambiguidade dentro da doutrina, já que a Casti Connubii (PIO XI, 1930) não havia caducado.

Anos mais tarde, a Humanae Vitae de Paulo VI (1968) referendou o que Pio XII já havia determinado em relação à separação entre o sexo e a reprodução, mas verificou a impossibilidade de que a regulação da prole fosse realizada através da utilização de tecnologias reprodutivas. Assim estava determinado por meio de documentos oficiais, que a Igreja enquanto instituição aceitava a existência de um prazer romântico entre os cônjuges que não acarretasse em geração de uma nova vida. Porém, estava sacramentada a oposição clerical ao uso de tecnologias que interferissem no que era descrito como natureza corporal feminina.

Retomando a questão do contexto histórico no qual a Humanae Vitae (PAULO VI, 1968) estava inserida, antes de analisar mais propriamente a sua produção, observa-se que o mundo estava mergulhado em um questionamento fervoroso em relação à família numerosa. Assim, na década de 50, a teoria de Malthus foi resgatada, diante do medo das consequências de uma explosão demográfica. O temor gerado pela possibilidade de que um aumento populacional destoasse do desenvolvimento econômico e produtivo, fez com que muitos grupos defendessem a necessidade imediata de se separar a reprodução do sexo, desvinculando essas questões do discurso religioso. Para esses grupos, a abstinência sexual pregada por Pio XII parecia uma saída precária, sendo preciso mobilizar artifícios científicos mais seguros, dentre eles a pílula e o dispositivo intra-uterino. Nesse ponto, desagradaram profundamente à Igreja Católica.

A questão demográfica tomou conta entre os anos 50 e 60 em várias partes do mundo. A demanda por uma diminuição populacional emergiu naquele momento, pois, segundo Bernardino Leers, os índices de mortalidade infantil estavam em processo de queda desde o princípio do século XX. Este fator teria sido decisivo para que se verificasse uma eminente possibilidade de crescimento populacional. Com o aumento do número filhos vivos, as famílias tiveram que buscar alternativas para conter os nascimentos (LEERS, 1987). A nova realidade exigia um cuidado maior com o orçamento, já que a vida tornava-se cada vez mais cara no contexto das cidades. Cresciam também as necessidades da classe média, que precisava amparar em filhos no âmbito da educação e da saúde. Com o tempo, foi disseminada a representação segundo a qual somente os mais pobres teriam pouca consciência e insistiriam em manter famílias numerosas. Isso contribuiu para que a classe média optasse por gerar um número mais reduzido de filhos. Logo, a partir dos anos 60, muitos casais buscaram na ciência o apoio necessário para controlar a natalidade, para assim se

enquadrarem na situação econômica moderna que demandava uma redução de gastos com a prole (NUNES, 1994).

Porém, a necessidade de se conter um possível avanço populacional parecia mais evidente para os países que estavam em processo de desenvolvimento. Os países desenvolvidos alardearam uma explosão demográfica, que culminaria com a escassez de recursos naturais. Assim, suas instituições elaboraram projetos de controle de natalidade, tencionando conscientizar os mais pobres a respeito da necessidade de se limitar o contingente populacional para o bem do próprio planeta.

Havia uma pressão internacional para que as regiões mais pobres, dentre elas o Brasil, adotassem políticas de controle de natalidade. Diante desse contexto, os grupos se formaram em torna dessa discussão: os antinatalistas e os anticontrolistas (SOUZA JÚNIOR, 2006). Os antinatalistas propunham um programa de desenvolvimento para o país, que passaria pelo controle de natalidade. O outro grupo acreditava que o Brasil progrediria quando ocupasse todo o seu vasto território. A Igreja era partidária dessa concepção.

Embora a Igreja demonstrasse uma preocupação para com as questões sociais que afligiam a população, ela não poderia concordar com medidas tão radicais como aquelas propostas pelas agências internacionais que pretendiam trabalhar nos países pobres no sentido de controlar a natalidade. As alternativas pensadas por essas agências pareciam equivocadas na visão da Igreja, justamente porque envolviam a mobilização da fecundidade feminina, através de tecnologias reprodutivas.

Assim, Paulo VI fez sua ponderação sobre essa questão na encíclica Humanae Vitae:

As mudanças que se verificaram foram efetivamente notáveis e de vários gêneros. Trata-se, antes de mais, do rápido desenvolvimento demográfico. Muitos são os que manifestam o receio de que a população mundial cresça mais rapidamente do que os recursos à sua disposição, com crescente angústia de tantas famílias e de povos em vias de desenvolvimento. De tal modo que é grande a tentação das Autoridades de contrapor a este perigo medidas radicais. Depois, as condições de trabalho e de habitação, do mesmo modo que as novas exigências, tanto no campo econômico como no da educação, não raro tornam hoje difícil manter convenientemente um número elevado de filhos. (PAULO VI, 1968).

Segundo Lucia Ribeiro, o episcopado brasileiro verificou a necessidade de se pronunciar sobre o tema da natalidade, a partir do momento em que houve a tentativa de organismos internacionais de implantarem no Brasil um programa em prol da redução das

taxas de natalidade (RIBEIRO, 1994). A Igreja se colocou contra essa iniciativa internacional de intervir na questão populacional brasileira, criticando as posições neomalthusianas136.

Seguindo a mesma linha, diante da ameaça em relação à atuação dos organismos internacionais, o Lar Católico reiterou o seu discurso contrário à imposição dos métodos artificiais aos mais pobres. Nas suas páginas foi possível detectar a preocupação para com a possibilidade de que essas agências conseguissem de fato interferir na escolha do casal em relação ao número de filhos.

Em 1966, o jornal publicou um texto de autoria do colaborador Djalma Mariano, no qual ele noticiou que o governo brasileiro estava com a intenção de convidar técnicos norte- americanos para encabeçar uma campanha de controle de natalidade137. Advertiu que trabalhos nesse sentido estavam sendo realizados desde o final da Segunda Guerra Mundial em território americano, mobilizando milhares de dólares para “mostrar que é mais fácil diminuir a população mundial do que unir os homens para alimentar os povos subdesenvolvidos.”138.

O texto veiculado no jornal buscou argumentar que essa campanha seria desnecessária no contexto brasileiro, uma vez que o país contava com um grande território ainda não ocupado pela população brasileira. Além disso, o Brasil ainda poderia progredir muito em termos agrícolas, tendo a potencialidade de sustentar uma população numerosa. Portanto, o controle oficial da natalidade não precisaria ser empregado, caso o país aprendesse a distribuir suas riquezas entre o povo, com certa equidade. Além disso, na acepção do colaborador, tais campanhas funcionariam como estratégia dos governos mais abastados para se eximirem das responsabilidades para com os mais pobres.

Tal política contrária à natalidade pareceu uma afronta para o autor do artigo, uma vez que o Brasil disporia de recursos naturais, espaço e de um potencial de geração de riquezas, que não justificam semelhante postura. Percebe-se a articulação de uma argumentação para refutar os motivos apresentados em prol da instalação de um antinatalista no Brasil. Nesse caso, as condições em termos de natureza, territorialidade e riqueza foram mobilizadas para justificar a existência de possibilidades palpáveis para que o país pudesse abrigar qualquer contingente demográfico.

136 Para Thomas Malthus, a população crescia em ritmo geométrico, enquanto que a produção de alimentos

crescia em ritmo aritmético. No fim do século XVIII, ele advertiu que a falta de controle da natalidade era oriunda da falta de moral da população pobre. Baseado nesse discurso, um movimento neomalthusiano se organizou no pós Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de pressionar o Estado e a classe médica, no sentido de incentivaram políticas antinatalistas (SOUZA JÚNIOR, 2006).

137 MARIANO, D. É impossível controlar a natalidade no Brasil. Lar Católico, Juiz de Fora, p.1, 28 ago. 1966. 138 MARIANO, D. É impossível controlar a natalidade no Brasil. Lar Católico, Juiz de Fora, p.1, 28 ago. 1966.

Segundo ele, a Igreja havia relativizado a sua antiga doutrina em relação à prole, após o concílio Vaticano II, passando aceitar métodos naturais para o controle de natalidade. No entanto, isso não fez dela uma plena defensora desse controle, nem sequer favorável à adoção de uma política de Estado que se destine a tal finalidade.

Em certa oportunidade, o jornal classificou a busca pela limitação de filhos na qual a sociedade moderna havia mergulhado em diabólica139. Tal busca não estaria em consonância com o que determinaria a Igreja. Porém, isso não impedia que as famílias cristãs estivessem sendo contaminadas por esse pensamento em relação aos filhos. O jornal detectou que já nos cursos preparatórios para os noivos, estes eram alertados a respeito da existência de métodos que teriam por objetivo controlar os nascimentos. Houve uma condenação em relação ao modo de vida moderno, que privilegiaria a obtenção de determinado conforto material, que envolvia o desejo pelo consumo de determinados aparelhos eletrônicos, em detrimento da educação e manutenção de um número extensivo de filhos. Além desses fenômenos que corroíam a família, a utilização da pílula também já consistia em uma realidade para os solteiros, o que denunciava uma vida sexual pré-marital, contrária à doutrina cristã.

Quanto à questão do crescimento populacional, o jornal verificou que de fato as estatísticas demonstraram que a população mundial se expandia em um índice mais elevado que a produção de alimentos. Nesse sentido, essa se tornava uma questão a ser pensada em mais profundidade pela Igreja. Porém, mesmo preocupada com o destino da humanidade, ela alegava que não poderia concordar com as políticas adotadas por alguns países, que legislam sobre o número de filhos de um casal. Sobre esse assunto, na década de 60, o Papa Paulo VI ponderou que essa é uma decisão que caberia a cada casal em particular140.

Foi seguindo a mesma linha argumentativa que D. Lucas abordou a questão da natalidade, tão cara à doutrina familiar católica. Considerou o crescimento demográfico bastante benéfico, mas ponderou que muitos nascimentos ocorriam em um contexto no qual não se levava em conta o conceito de paternidade responsável. A partir disso, se posicionou contrariamente àquelas instituições norte-americanas que prestavam serviços no sentido de distribuir métodos anticoncepcionais entre a população mais pobre. Por fim, concluiu que a Igreja considerava que as soluções propostas por essas agências “eram simplistas e unilaterais e pouco respeitosas das pessoas e pouco educativas em seus métodos.”141.

139 CARVALHO, H. As tais pílulas. Lar Católico, Juiz de Fora, p. 1, 27 mar. 1966.

140 BOÉR, N. O Papa e o controle da natalidade. Lar Católico, Juiz de Fora, p. 4, 21 maio 1967. 141 NEVES, L. M. Problemas de Família no Brasil. Lar Católico, Juiz de Fora, p.5, 25 ago. 1974.

Também houve uma veemente condenação em relação aos países desenvolvidos, que promoviam e divulgavam o uso dos anticoncepcionais em uma tentativa de se impedir o avanço da população e conter os conflitos sociais que, segundo eles, era oriundo de uma defasagem entre população e recurso. Entendeu-se que esses países estavam se eximindo de suas responsabilidades na área social das regiões menos desenvolvidas. Além disso, para o discurso religioso, os problemas econômicos nos países mais pobres não estavam atrelados ao tamanho de sua população, e sim na ganância, na injustiça e na ambição que se encontravam disseminadas pelo mundo142.

Quando da publicação de encíclica Mater et Magistra (JOÃO XXIII, 1961), o mundo já se encontrava pressionado pela ideia da explosão demográfica. Mesmo diante desse contexto, o Papa João XXIII defendeu que o controle de natalidade não era a solução para os problemas da humanidade, apontando que a saída estava no desenvolvimento e na paz social (SOUZA JÚNIOR, 2006). Percebe-se que o discurso religioso, portanto, interpretou que a solução para os problemas sociais não residia no controle populacional, mas sim na disposição e capacidade de cada país de desenvolver os seus potenciais econômicos, distribuindo a riqueza equitativamente. Completando essa argumentação, os colaboradores do jornal ainda ponderaram um país como o Brasil não poderia restringir a sua população e sim fazer uso dela no trabalho produtivo143.

Assim, de acordo com o que pode ser apurado através dos textos colhidos no jornal, a Igreja manteve um posicionamento crítico em relação ao controle de natalidade promovido pelo Estado com a ajuda de organismos internacionais. Na verdade, na década de 60, a Igreja continuou a valorizar o aspecto da fecundidade no âmbito do casamento. Isso fica evidente através da leitura da Humanae Vitae, na qual o Papa Paulo VI (1968) expôs toda a responsabilidade que envolvia a procriação e a educação dos filhos. Na mesma encíclica, ficou claro que o discurso clerical não mais enfatizava a necessidade de uma família numerosa, mas sim da família considerada possível pelos cônjuges. Nesse aspecto, o documento refletia uma tendência social a respeito da questão da fecundidade: a perda de valor da família numerosa (SOUZA JÚNIOR, 2006).

A partir dessa contextualização, fortaleceu-se na encíclica o conceito de paternidade responsável, que previa a autonomia do casal quanto à possibilidade de ministrar o nascimento dos filhos. Tal conceito, aliado ao ideal de amor conjugal, seria imprescindível para a manutenção da estabilização afetiva familiar. O amor conjugal seria essencial para que

142 DUTRA, P. Pílula – 1. Lar Católico, Juiz de Fora, p. 4, 29 set. 1968.

o casal unisse esforços na geração e educação de seus filhos. A paternidade responsável envolvia a utilização da razão, pois somente por razões graves seria permitido controlar os nascimentos, temporariamente, e sempre utilizando os métodos considerados naturais. Logo, os cônjuges deveriam em conjunto ponderar sobre o melhor momento de ter os filhos.

A vivência do amor conjugal acarretaria na procriação e educação dos filhos. Assim,

No documento paolalililucena (páginas 143-169)