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Matrimônio e amor conjugal

No documento paolalililucena (páginas 113-125)

4 REPRESENTAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA E A FECUNDIDADE NAS

4.2 Matrimônio e amor conjugal

Foi ao longo da Idade Média que a Igreja empreendeu o processo de apropriação da família, através do controle dos seus rituais. Nesse sentido, ela se tornou a responsável pela realização dos casamentos a partir do século XII. A cerimônia que antes acontecia no espaço doméstico, passou a se realizar na porta da Igreja, para enfim ocorrer no interior da mesma (ARIÈS 1987a). A presença do padre se tornou cada vez mais necessária, demarcando o caráter sagrado da cerimônia (BOSSY, 1985). O fato é que a partir do século IX, o casamento foi tomando a forma de uma cerimônia religiosa, que representava a união do Cristo com a sua Igreja (AZPITARTE, 2001).

O casamento deixava de ser uma cerimônia restrita e privada, para ganhar publicidade, principalmente após o Concílio de Trento. O seu registro agora era feito pelo pároco. Assim deixava de ser apenas um contrato firmado entre as famílias, algo eminentemente humano, adquirindo um status de sacramento (ainda que a Igreja se esforce em afirmar que o casamento sempre teve esse caráter sagrado). A Igreja se tornou a responsabilidade pela publicidade, que legitimava a união.

Gradualmente, a corrente iniciada por São Paulo e concretizada com Santo Agostinho, que considerava o casamento como um remédio para determinados males (ARIÈS 1987a)83, foi se tornando preponderante em relação à outra que defendia o celibato. No período medieval, a doutrina católica estava perpassada por pensamentos antagônicos, que discutiam se a castidade era inferior ou superior ao casamento. No século XII, o casamento havia se firmado não como superior à castidade, mas como um sacramento de importância legítima para a sociedade e para a pastoral da Igreja. A família começa a ser percebida como uma instituição natural, que foi concedida por Deus aos homens.

O matrimônio passou a ser percebido como um grande sacramento, condição natural para os homens que não dispunham de vocação religiosa e, portanto, instituída por Deus. Assim, a sua realização foi considerada por Cristo como de responsabilidade da Igreja. A Igreja não poderia prescindir desse dever (PIERUCCI, 1978).

Mas o fato é que a Igreja demorou alguns séculos para definir e impor o seu modelo de casamento. Entre os séculos XI e XIII, a Igreja começou a intervir nos casamentos, ameaçando excomungar aqueles que atentassem contra indissolubilidade matrimonial (ARIÈS 1987a). Ariès adverte que antes mesmo do surgimento do cristianismo, a ideia de indissolubilidade já tinha aparecido em Roma, mais como uma tendência do que propriamente uma vontade de subverter os costumes. Depois, essa tendência se transformaria na moral cristã. Assim, percebe-se que o cristianismo adota para si uma moral oriunda do paganismo (ARIÈS 1987a).

Assim, no século XIII, o IV Concílio de Latrão consolidou o casamento monogâmico e indissolúvel (LIMA, 1986). Desde a Idade Média, a Igreja entrou em um diálogo com a monogamia, acompanhando determinados costumes populares (HOORNAERT, 1967). A fim de garantir que a monogamia e a indissolubilidade fossem observadas, o casamento foi alçado à categoria de sacramento no século XII (HOORNAERT, 1967). A partir de então, a indissolubilidade do casamento passou a consistir no princípio fundamental do cristianismo. Em certo sentido, essa eternidade da união compôs o ethos familiar. Devido a essa tendência para a indissolubilidade é que a “boa imprensa” sempre considerou que “tudo se pode experimentar na vida, menos o casamento.”84

O Lar Católico tratou de enaltecer o matrimônio enquanto um sacramento. Por estar inserido em tal condição, o matrimônio faria parte da ordem divina, sendo protegido e vigiado por Deus, como uma das instituições mais importantes para a vida do ser humano. O

83 O casamento seria o "remédio" utilizado contra a masturbação, a homossexualidade e a fornicação. 84 INTERCÂMBIO COM AS LEITORAS. Lar Católico, Juiz de Fora, p.3, 10 jan. 1954.

casamento seria um sinal de graça, um momento de comunicação entre o homem, a mulher e a divindade, proporcionando “a santificação dos cônjuges.”85 No entanto, o casamento teria uma faceta também humana, sendo impossível apenas vivenciá-lo no plano da espiritualidade. Os atos de carinho dentro do casamento trariam prazer humano, mas também seriam essenciais para o engrandecimento do amor conjugal e da santificação dos esposos.

O jornal apontou o matrimônio como o sétimo sacramento, mas procurou questionar sobre a sua origem para melhor informar os seus leitores a respeito de como os cristãos primitivos o trataram e interpretaram a sua relação com Cristo. Para o catolicismo, foi extremamente significativo que Jesus tenha realizado seu primeiro milagre em meio a uma boda na região de Canaã. Assim, na percepção dos segmentos católicos, Jesus indicou para a humanidade a importância o ato matrimonial, conferindo a ele uma excepcionalidade, ao demonstrar a sua preocupação com a sua plena realização. A Igreja se esforçou para evidenciar que o entendimento do matrimônio enquanto um sacramento, evocando para isso a tradição. Nesse sentido, a Igreja tratou de legislar sobre as questões referentes à conjugalidade desde os primeiros tempos da Era Cristã. A legalidade desse sacramento se fundamentava no princípio do consentimento, através do qual homem e mulher demonstravam a sua disponibilidade para cumprir com todos os dispositivos e responsabilidades oriundos do ato matrimonial.

Também a legislação envolvia a indissolubilidade da relação, promulgada pelo próprio Cristo ao afirmar que em nenhum caso é lícito repudiar ou rejeitar a mulher, rompendo assim o laço que atava aos cônjuges. Segundo o jornal, a indissolubilidade proposta por Cristo trouxe um diferencial para as relações matrimoniais, que consistiria na graça do matrimônio. Em termos de direcionamento, o matrimônio havia sido discutido e apresentado como um sacramento, em meio aos concílios desde o século XIII, tendo sua afirmação decisiva enquanto tal, no Concílio de Trento86.

A tradição cristã tem enfatizado duas finalidades para a execução do casamento. Ao longo do tempo, verifica-se que a escala de prioridade entre essas duas finalidades tem se alterado. Durante muito tempo, o discurso da Igreja privilegiava a finalidade procriadora, deixando a relação de mutualidade e companheirismo entre os dois cônjuges em segundo plano. Foucault adverte essa dualidade de objetivos do casamento pode ser verificada mesmo antes do advento do cristianismo. Ao estudar a emergência da problematização da nova forma de conduzir as relações com o prazer, no período helenístico, combinando as finalidades de

85 SANTIN, L. É um sacramento. Lar Católico, Juiz de Fora, p.8, 16 maio 1982.

procriação com os valores que concernem ao amor, à afeição e à simpatia mútua, Foucault aponta para o desenvolvimento desta dualidade: “um descendência a obter, uma vida a compartilhar” (FOUCAULT, 1985, p.153). Os filósofos do período debateram a respeito da importância dessas duas finalidades na execução do casamento. De certa maneira, ambas foram consideradas primordiais.

Além disso, os filósofos gregos consideraram que o casamento estava fundamentado em uma natureza binária do homem, sendo este um animal essencialmente conjugal. Em outras palavras, a natureza impulsiona o homem a contrair o matrimônio, pois através deste o ser humano pode se inserir no contexto social, vivendo também na multiplicidade.

Sabe-se que a perspectiva agostiniana não previa grande valorização ao amor entre os cônjuges. Suas ideias ainda permaneceram vivas no início do século XX, através da Casti

Connubii (PIO XI, 1930). Publicada na década por Pio XI na década de 30, a encíclica tratou

de detalhar as ideias do catolicismo sobre o casamento, enfatizando a sua origem divina e fazendo críticas ao casamento civil e ao concubinato (uniões que não foram formalizadas pela Igreja). Além disso, apontou o divórcio e o adultério como os fatores que poderiam corromper a família. Advertiu que o dever para com a família deveria ser prioridade, deixando para segundo plano os interesses e prazeres individuais. Pio XI advertia ser imprescindível para a manutenção do casamento, que os cônjuges sacrificassem algumas de suas vontades particulares para garantir o melhor para a família com um todo. Para ele, o casamento não se resumiria ao amor carnal e a efemeridade das paixões; era preciso existir um compromisso maior que significasse uma junção de espíritos.

A Casti Connubii (PIO XI, 1930) estabeleceu e referendou uma hierarquia entre as finalidades do casamento, proposta agostiniana, considerando como prioridade a procriação em detrimento do apoio mútuo entre os cônjuges e alívio da concupiscência. Esse ordenamento de finalidades foi apresentado pela Igreja como natural, portanto a instituição se exime dessa elaboração. Além disso, o casamento possuiria outros bens, dos quais não poderia prescindir, com pena de se desvirtuar: descendência, fidelidade e indissolubilidade (PIERUCCI, 1978).

A teologia matrimonial foi estabelecida a partir da valorização da fecundidade, legitimando as relações sexuais empreendidas com o objetivo de procriar. Até o século XX, a Igreja manteve uma doutrina em relação ao casamento que subjugava os atos sexuais, pois temia-se o desejo exacerbado até mesmo no âmbito do casamento. Assim, valorizava mais o espírito em detrimento dos apelos corporais (DEL PRIORE, 1993). O sexo parece ser somente perdoado quando a finalidade é gerar filhos. São os filhos também que estimulam os

indivíduos a estabelecerem entre si relações familiares, pois a família sempre foi entendida como a melhor instituição para iniciar a educação dos filhos. Os filhos devem ser concebidos como legítimos e somente teriam esse status se nascessem dentro de um casamento legítimo.

A forma como o catolicismo tendia a perceber as questões que envolviam o casamento tendeu a mudar somente em 1951, quando Pio XII publicou Sobre o Apostolado das Parteiras (RIBEIRO, 1989). A utilização da continência periódica como método de espaçar os nascimentos foi aceita, desde que fosse empregada diante de razões realmente graves (MOSER, 1977). Nesse documento, o papa reconheceu a possibilidade da ocorrência de relações sexuais dentro do casamento que não tivessem como finalidade a geração de filhos. Esse fato abriu espaço para que a questão do relacionamento homem e mulher fosse de fato valorizado pela Igreja, no âmbito do casamento, abrindo espaço para a discussão a respeito do amor conjugal. Porém, esse documento não foi capaz de ultrapassar a hierarquização dos fins matrimoniais.

Até o século XIX, o amor e o casamento no ocidente viviam em esferas separadas. Houve uma aparente mudança no século XVIII, que levou a considerar o amor como um dos aspectos a serem levados em conta para se contrair o matrimônio. Começava a nascer a ideia de amor romântico. O ideal de amor nesse momento caracterizava-se pela separação dos corpos que se amam (D’ INCAO, 2004). Em outras palavras, a sexualidade consistia em uma alternativa fora dos padrões de um amor romântico que poderia transcorrer apenas na dimensão platônica. Somente na medida em que o século XX avançou, a sexualidade passou a ser considerada como um aspecto importante na definição do amor. Assim, pode-se perceber também que, historicamente, a união entre o amor e as atividades sexuais seria algo recente.

Mary Del Priore, em seus estudos sobre o corpo e o amor no período colonial brasileiro, destacou que a Igreja, já nesse momento, desenvolveu um modelo de amor e de sexualidade ideal e útil para os cônjuges (DEL PRIORE. 1989). Naquele contexto social, o amor conjugal não era sinônimo de amor carnal. Mesmo o amor conjugal ainda não consistia em um valor para doutrina cristã. Na verdade, o catolicismo se preocupava como outras questões que envolviam o matrimônio, enfatizando aqueles que diziam respeito à procriação.

Foi somente no século XX que a procriação deixou de ser a finalidade matrimonial preponderante. Com a Gaudium et Spes (VATICANO, 1965), a prerrogativa da hierarquização dos fins matrimoniais, possivelmente idealizada pelo pensamento agostiniano, foi negligenciada (RIBEIRO, 1989). Com isso, a doutrina passou a considerar o casamento enquanto um pacto de amor entre os esposos. Segue-se um trecho do referido documento, que esclarece como a oficialidade católica passou a tratar o amor entre os esposos:

O próprio Deus é o autor do matrimónio, o qual possui diversos bens e fins, (1) todos eles da máxima importância, quer para a propagação do género humano, quer para o proveito pessoal e sorte eterna de cada um dos membros da família, quer mesmo, finalmente, para a dignidade, estabilidade, paz e prosperidade de toda a família humana. Por sua própria índole, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem como que a sua coroa. O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal «já não são dois, mas uma só carne» (Mt. 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com a íntima união das suas pessoas e actividades, tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união. (VATICANO, 1965).

Então, é possível perceber que ao longo do século XX, a doutrina matrimonial se alterou, passando a dar maior visibilidade para a questão do amor no âmbito do casamento (RIBEIRO, 1989). Aos poucos, foi sendo estruturada a percepção segundo a qual o amor entre os cônjuges é construído através da convivência que a sociedade casamento proporciona. A partir disso, pode-se identificar que a “boa imprensa” concedeu um honroso tratamento ao amor conjugal, vinculando-o a uma sexualidade sadia, principalmente a partir dos anos 60, acompanhando o discurso teológico oficial.

O jornal especificou que foi a partir do Concílio Vaticano II, com a constituição pastoral Gaudium et Spes (VATICANO, 1965), que haviam sido traçadas as linhas conjugais a partir das quais o discurso do jornal foi elaborado nesse sentido. Nesse pastoral, o amor conjugal apareceu como um sentimento humano, que envolveria corpo e alma, sendo este elevado a uma condição sobrenatural, através do sacramento, um “amor que transcende toda inclinação erótica.” 87. As características de fidelidade e indissolubilidade foram reafirmadas como bens essenciais para o casamento cristão.

O Lar Católico definiu o amor de modo a circunscrever esse sentimento dentro das relações matrimoniais. Germinando fora dessas condições, nem mesmo poderiam ser considerados enquanto uma modalidade amorosa. Dessa forma, o jornal assim especificou o amor conjugal:

O amor não é algo que se tem ou não se tem, mas aparece como continua conquista. É preciso crescer no amor, ou por outra aprender a amar. Isto significa abrir-se ao cônjuge, descobrir sua riqueza, compreendê-lo, aceitá-lo como é. Amante deve ser aquele com o qual se assumiu o compromisso de amor matrimonial. E o que se chama de “amante” realmente são “desamantes”.88

87 GRINGS, T. Amor Conjugal. Lar Católico, Juiz de Fora, p.7, 21 jul. 1974. 88 GRINGS, T. Amor Conjugal. Lar Católico, Juiz de Fora, p.7, 21 jul. 1974.

Mas, ainda que o amor conjugal prescrito pela Igreja seja seguidor de uma de uma representação de amor nascida em fins do século XX (TRIGO , 1989), não se pode dizer que o discurso religioso camuflou a sexualidade conjugal. Mencionada não somente como meio de reprodução humana, a sexualidade conjugal apareceu no discurso a partir da segunda metade do século XX como uma forma de fortalecer o amor e os laços matrimoniais. Porém sua situação permaneceu ainda secundária dentro das exigências de um matrimônio cristão pleno.

Dessa forma, não haveria mais motivos para se desconsiderar a sexualidade enquanto um aspecto relevante para a construção desse amor. Percebe-se que ocorre uma valorização das condutas sexuais, algo que não era encontrado no discurso religioso, anteriormente. Porém ela permanece encerrada dentro dos laços matrimoniais.

De fato, a partir do século XX muda a posição da Igreja, pois muda o foca da discussão. Até o nosso século, a questão do sexo e do casamento sempre foi tratada pela Igreja a partir de duas oposições fundamentais: prazer/dever, prazer/ procriação. O amor sempre esteve ausente. Agora é ele o centro da formulação. Até o século XX, a Igreja tratou o amor sob dois ângulos: como amor profano a ser afastado, e como amor divino; o amor sempre foi emasculado ou transformado em caridade. Agora, o amor profano recupera dignidade. (CHAUÍ, 1984, p.100).

No entanto, o amor na sua acepção mais erótica, continuou sendo problemático, pois sua durabilidade seria incompatível com a indissolubilidade do matrimônio. Essa característica, que pressupõe a eternidade dos laços conjugais, há séculos faz parte do entendimento que os homens ocidentais fazem do casamento (ARIÈS, 1987a).

O discurso religioso estabeleceu que a sexualidade que compõe o amor conjugal deveria ser interpretada de uma forma mais ampla, além do aspecto erótico. Assim, o discurso oficial considerou que

[...] o amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa - chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do espírito e da vontade - ; o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cfr. Encíclica Humanae

Vitae, n. 9). Numa palavra, trata-se de características normais do amor conjugal

natural, mas com um significado novo que não só as purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos valores propriamente cristãos. (JOÃO PAULO II, 1981b).

O Lar Católico se apropriou dos discursos oficiais, estabelecendo uma retórica sobre o amor conjugal. Nesse sentido, considerou que a falta de amor não seria uma motivo suficiente para romper com os laços matrimoniais, pois o amor lhe parecia fruto de um esforço pessoal, construído no cotidiano89. Assim, o jornal apresentou o amor em uma dimensão menos efêmera. Esse amor conjugal previa uma dedicação espiritual e carnal tanto do homem quanto da mulher, o que necessitaria de um ideal de complementaridade. Cada indivíduo traria para o casamento as suas características e as suas histórias particulares, o que demandaria compreensão e tolerância.

Como o amor conjugal foi interpretado como tendendo para a durabilidade, a fidelidade significaria o compromisso perpétuo para com esse amor. A fidelidade também representava o engrandecimento pessoal, já que ela envolvia noções como a de doação em prol de um bem maior e a contenção dos impulsos sexuais.

Para o Lar Católico, o amor espontâneo que levaria os indivíduos até o casamento, deveria ser regido por um código de leis que lhe confeririam estabilidade e representatividade junto à sociedade. Em suas palavras:

Temos assim de um lado, na parte institucional, a fecundidade, indissolubilidade unidade; e de outro lado, na parte pessoal lhe correspondem os graus psicológicos da generosidade, constância e fidelidade. A instituição interpreta, pois os anseios do amor e lhes oferece garantias de exercício. Os esposos generosos são levados à geração de filhos; o casal constante conquista a indissolubilidade e o casal fiel mantém a unidade. Negar o valor institucional do matrimônio para apelar para a espontaneidade do amor é desconhecer as dimensões do amor humano, concebendo- o de modo puramente espiritual. O próprio ato sexual, visto em sua raiz antropológica, antes de ser desejo de posse sexual é profunda amizade, que se apresenta com caráter de totalidade e exclusividade.90

Percebe-se então o desenvolvimento de um discurso que visava a domesticar a espontaneidade do amor, gerindo-a através de uma série de costumes, hábitos e legislações. A indissolubilidade e a fidelidade pareciam como elementos que comporiam o repertório necessário para a longevidade e a satisfação do casamento. Dentro do discurso construído pelo jornal, essas duas instâncias eram explicáveis e perpassadas pelo amor.

Logicamente, esse amor deveria ser desprovido de passionalidade, tornando-se após o casamento um sentimento eminentemente cristão. Seria também o amor o pano de fundo para a própria efetivação do ato sexual, percebido pelo jornal como uma atividade humana, consequentemente, impossível de ser negligenciada. Mas o jornal desqualificou esse ato como

89 GRINGS, T. Deveres do amor conjugal. Lar Católico, Juiz de Fora, p.7, 6 ago. 1974. 90 GRINGS, T. Amor e leis matrimoniais. Lar Católico, Juiz de Fora, p.7, 28 jul. 1974.

fruto do mero desejo e posse sexual. Conclui-se então, que nem todo sexo seria permitido, mas sim apenas aqueles que atendessem aos padrões estabelecidos pelo cristianismo. Esses padrões estavam definidos através da conjugalidade, que previa para os casais aquilo que o

Lar Católico definiu como caráter de totalidade e exclusividade. Em outras palavras, o sexo

consentido seria aquele que envolvesse o amor conjugal e que excluísse qualquer possibilidade de troca ou permuta de parceiros.

O amor conjugal apareceu nas palavras do Lar Católico como uma decorrência do próprio casamento. Para o jornal, o casamento que é engendrado a partir do sentimento amoroso concorre com uma possibilidade muito maior insucesso.91 Uma vez tendo terminado o sentimento, não haveria mais motivos para manter uma união, sendo o divórcio uma solução eminente. No entanto, para o Lar Católico, o amor não poderia ser concebido como um sentimento desprovido de compromisso. Na verdade, o amor não deveria perecer e sim ser reavivado a cada momento, para assim garantir a durabilidade da união sacramentada pela

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