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2 ESTADO CONTEMPORÂNEO, FEDERALISMO E REGIME DE

2.2 PACTO FEDERATIVO

2.2.1 Federalismo e sua intencionalidade

A comparação entre a experiência norte-americana (1861-1865) e a brasileira (1889- 1891) deixa entrever diferentes significados para o termo federação. No primeiro caso, percebe-se um sentido de reunião, de centralização. No segundo, o termo está associado à descentralização, sobretudo, na dimensão política, implicando maior ou menor autonomia dos entes federados. Sob uma indivisível soberania, abrigam-se porções territoriais autônomas de diferentes escalas e que se constituem nos celebrantes do pacto federativo, os entes federativos, selado pela Constituição do Estado (MARTINS, 2011).

A Federação brasileira tem como base os seguintes atributos: a) distribuição do poder de governo em dois planos harmônicos: a) o Nacional e o das unidades federadas; b) amplitude maior da competência do poder judiciário que possui, em sua cúpula, o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de equilíbrio federativo e de segurança da ordem

31 A promulgação da Constituição Brasileira de 1946 foi um avanço da democracia e das liberdades

individuais, restabelecendo as eleições diretas em todos os níveis, devolvendo autonomia aos Estados e restaurando a federação (BRASIL, 1946).

constitucional; c) composição bicameral do poder legislativo – o Senado representa os Estados; e a Câmara dos Deputados representa a população; d) constância dos princípios fundamentais da Federação e da República e do instituto de intervenção federal (CRUZ, 2009).

As unidades federadas têm, como característica, a coexistência de poderes de esferas diversas, sendo expressa pela descentralização política e administrativa. A Constituição Federal de 1988, artigo 1° esclarece que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, sendo tais unidades componentes da União Federal. E o artigo 2º do mesmo diploma legal define que as funções governamentais tripartem-se em legislativas, executivas e judiciárias. Para que possam compor o Estado federativo brasileiro, os entes políticos precisam de autonomia e, para tal, é preciso que o ente subnacional possua arrecadação, administração pública e representante no Poder Executivo, eleito pela sociedade.

O debate sobre a federação também está atrelado às mudanças na economia, na demografia e na política. A globalização32 da economia interfere no sistema tributário, enquanto a mudança na demografia altera o padrão das demandas por políticas públicas, aumentando a complexidade das relações intergovernamentais. Uma importante consequência da globalização é a crescente centralização, pela União, da arrecadação tributária, haja vista a necessidade de implementação das políticas públicas de forma centralizada, o que interfere em questões relevantes do federalismo fiscal, como a repartição dos poderes para tributar e a autonomia dos governos subnacionais. Nesse particular, os países de dimensão territorial continental como o Brasil, com ordenamento baseado em sistemas federativos, apresentam vantagens competitivas que se traduzem em amplos mercados internos sem barreiras fiscais e tarifárias.

No regime federativo o sistema tributário concede maior autonomia e responsabilidade fiscal aos entes subnacionais, pois, um padrão de federalismo fiscal desejável deve apoiar-se numa clara definição das atribuições e encargos das esferas governamentais, a partir da exploração e aperfeiçoamento da base tributária própria de cada um deles. Ao mesmo tempo, devem ser descentralizados os programas que possam ser executados nos estados e municípios. Na esfera federal deve ser consagrado o princípio de que não existem estados ou municípios pobres, mas cidadãos pobres onde quer que residam.

32A globalização é um fenômeno caracterizado pela intensificação das relações econômicas, comerciais e

culturais entre os países, onde as constantes inovações tecnológicas nas áreas de transportes e telecomunicações são capazes de diminuir as distâncias e transcender as fronteiras nacionais (SILVA, J. 2014).

Nessa acepção, os programas de alcance nacional devem atender, diretamente, às necessidades básicas e específicas dos cidadãos mais necessitados, e não serem baseados em mecanismos de transferências para estados e municípios "pobres" que não possuem um arcabouço administrativo adequado à concretização dos serviços públicos exigidos pela população (CRUZ, 2009).

Segundo Resende (1995), devido às desigualdades econômicas regionais, o governo federal deveria circunscrever-se as atividades de segurança nacional, justiça, diplomacia, legislativa, desenvolvimento regional entre outras de âmbito nacional, enquanto as funções de saúde e educação poderiam ser de âmbito local, administrados por estados e municípios.

De fato, o pacto federativo consistiu-se numa ampla negociação política e fiscal por meio de alianças políticas articuladas em torno da partilha dos fundos públicos33. No caso brasileiro, os fundos públicos se tornaram no principal fator para a aglutinação dos interesses comuns dos entes federados. É preciso considerar que a concepção de fundo público não se resume à partilha federativa da receita tributária (própria e transferível), mas inclui ainda os incentivos fiscais e financeiros regionais e setoriais, a distribuição dos gastos governamentais e os empréstimos dos bancos públicos (AFFONSO, 1996).

É com base nos múltiplos fluxos de recursos públicos do sistema federativo34 que são estabelecidas as complexas relações políticas de trocas e as alianças transitórias entre as esferas de governo e de poder. Dessa forma, os fluxos de recursos públicos possuem funções estratégicas na manutenção do equilíbrio federativo, uma vez que, têm ampla capilaridade política para reproduzir as bases partidárias, estimulam as empresas com os incentivos fiscais às regiões menos desenvolvidas e, por fim, financiam os investimentos e os serviços públicos (RESENDE, 1995).

De forma geral, o federalismo fiscal inicia-se após a CF/1988, especificamente com a Reforma do Estado a partir de 1994, com a decisão de se transferir para os governos subnacionais algumas das atribuições do governo central, e, em um segundo momento, negociar as transferências de recursos compatíveis com as novas atribuições. Em alguns casos, ocorre o inverso, primeiro a descentralização de recursos e, em seguida, a transferência

33 A Lei Federal nº. 4.320, de 17 de março de 1964, vigente e recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal

como Lei Complementar, regulamenta o artigo 165, § 9º da CF/1988 define o conceito de fundo especial ou de natureza financeira, qual seja: “Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação” (BRASIL, 1964).

34 A Federação constitui um tipo de Estado divisível em unidades subnacionais e unidas entre si por um vínculo

de sociedade. Sob o ponto de vista conceitual, "O Estado Federal é uma organização, formada sob a base de uma repartição de competências entre o governo federal e os governos estaduais, tendo a União supremacia sobre os Estados-Membros, e estes tem tão somente autonomia constitucional” (MARCO, 2014).

de atribuições. A cronologia do processo do federalismo fiscal está fortemente associada a fatores que atuam como determinantes mais gerais do processo. Assim, no caso em que o principal determinante da descentralização é a crise fiscal do governo central, ou nos casos de uma crise aguda de governabilidade, o governo central tende a repassar “parcela da crise” aos governos subnacionais. Nos esclarecimentos de Affonso (2000), o governo central, no caso citado, transfere primeiro o encargo e, só depois, inicia a discussão do percentual de receita que deve corresponder aos governos subnacionais.

Nos casos em que a descentralização fiscal ocorre por uma pressão direta em favor da redemocratização, ganha peso a reivindicação de maior participação dos governos subnacionais nas receitas fiscais. A abrangência conceitual, assim como a percepção das implicações do processo de descentralização, tem sofrido uma série de mudanças nos últimos anos. Observa-se a “descoberta” da descentralização como novo paradigma para a eficiência no setor público.

O autor citado continua sua análise e critica ao dizer que: a descentralização, além de corresponder às exigências de diminuição do tamanho da União, propiciaria a introdução de regras de “comportamento privado” no setor público, ao estabelecer maior concorrência no âmbito de cada esfera descentralizada de governo e ao propiciar melhores condições para a cobrança de serviços públicos eficientes por parte dos “usuários-contribuintes” (AFFONSO, 2000).

Estudos sobre federalismo e direito à educação apontam para a necessidade de um aprofundamento das análises sobre o modo de regulação das relações intergovernamentais. A noção de regime de colaboração, exposta no texto constitucional - artigo 211, da CF/1988 - pressupõe relações cooperativas entre os entes federados: o governo federal teria ação conjunta com os demais entes e estes, por sua vez, capacidade de autogoverno. Assim, guiados pela norma legal, o regime de financiamento entre os entes federados deve se pautar pela colaboração, pela ação supletiva e distributiva da União e dos Estados, estando, porém, condicionada à plena capacidade de atendimento e esforço fiscal de Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.