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2 ESTADO CONTEMPORÂNEO, FEDERALISMO E REGIME DE

2.3 FEDERALISMO BRASILEIRO E AS RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

2.3.3 Relações Intergovernamentais: modelos e aplicação

Segundo Wright (1988), o termo relação intergovernamental foi, originariamente, utilizado na década de 1930, com o advento do New Deal e o esforço do governo norte- americano em combater os efeitos econômicos da crise de 1929 – conjuntura de crise do federalismo dual. O termo se referia à reciprocidade entre as instâncias federadas, ou seja, à escolha, em conjunto, das ações e a medição de seus efeitos práticos.

O principal motivo para o incremento no emprego da expressão relações intergovernamentais foi início dos estudos sobre administração de sistemas federais como lócus e distinto dos estudos sobre federalismo, os quais não consideram os aspectos políticos e administrativos. Para Elazar (1987), RIG deve ser definido como o modo e os meios de operacionalizar um sistema de governo ─ relações extensas e contínuas entre a União, estados e municípios.

Segundo o mesmo autor, as RIG ocorrem todas as vezes que dois ou mais entes federados interagem para o desenvolvimento ou implementação de políticas públicas41. Nesta pesquisa adota-se a ideia segundo a qual o conceito de federalismo engloba relações intergovernamentais, sendo utilizado na investigação da implantação de políticas.

41A língua inglesa define política de três formas: como esfera política (polity); a atividade política (politics) e a

ação pública (policies). A primeira faz a distinção entre o mundo da política e a sociedade civil; a segunda designa a atividade política em geral; a terceira acepção designa o processo pelo qual são elaborados e implementados programas de ação pública. Essa pesquisa adota a terceira opção, apresentando a política pública como um conjunto de medidas concretas que constituem a substância “visível” da política. Essa substancia pode ser constituída de recursos financeiros (orçamentos), intelectuais (a quem compete disponibilizar os serviços públicos), reguladores (legislação) e materiais. Constitui-se, também, de “produtos”, isto é, de outputs reguladores, financeiros, físicos (PIERRE; SUREL, 2002). A expressão política pública deve ser compreendida como forma de intervenção do Estado para atender às demandas sociais reconhecidas como direitos (MARTINS, 2010).

2.3.3.1 Modelos de relacionamento de poder

Elazar (1987) elaborou os modelos da Pirâmide de Poder e Centro-Periferia que remetem à noção de hierarquia, com o poder emanando de cima para baixo ou do centro para a periferia, como se vê no modelo a seguir.

Figura 01 - Modelo de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local

Fonte: Elazar (1987, p. 35).

Para o autor, os dois modelos acima apresentam a estrutura de poder em um governo unitário42, porém não ilustram, adequadamente, o conceito de divisão de poder em um sistema federativo, visto que transmite a ideia de que o poder dos governos subnacionais é derivado do topo da pirâmide ou a partir de uma unidade central, que poderia, inclusive, recuperar o poder concedido a estados e municípios. Assim, ambos os modelos ilustram mais a questão da descentralização do poder e reforçam a noção de hierarquia.

Considerando que os sistemas federativos são caracterizados pela existência de múltiplos centros de poder não centralizados, Elazar (1987) sugere que a melhor forma de ilustrar a divisão de poder é a partir de uma matriz de governos, conforme o modelo a seguir.

42 “O tipo puro do Estado Simples é aquele em que somente existe um Poder Legislativo, um Poder Executivo e

um Poder Judiciário, todos centrais, com sede na Capital. Todas as autoridades executivas ou judiciárias que existem no território são delegações do Poder Central, tiram dele sua força; é ele que as nomeia e lhes fixa as atribuições. O Poder Legislativo de um Estado Simples é único, nenhum outro órgão existindo com atribuições de fazer leis nessa ou naquela parte do território” (AZAMBUJA, 2008, p. 393).

Figura 02 - Modelo matricial de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local

Fonte: Elazar (1987, p. 37).

Na matriz, a estrutura do Governo Federal está representada na parte externa, enquanto estados e municípios estão na parte interna. Os centros de tomada de decisão (as três esferas de governo) são conectados por linhas com setas que representam uma relação formal de autoridade; e, ao mesmo tempo, a matriz é cortada por linhas cruzadas que simbolizam o fluxo formal e informal de comunicação (SANO, 2008). Essa figura procura transmitir a ideia de que não há maior ou menor centro de poder; apenas, palcos maiores ou menores de tomada de decisão política e de ação.

Embora nesse modelo esteja ausente a relação hierárquica, Sano (2008) reconhece que podem ocorrer situações em que alguns entes federados terão uma carga de poder superior, depende do sistema federativo ou do momento histórico, podendo desequilibrar a relação de poder para um ou outro lado da matriz.

A forma matricial indica, entretanto, uma situação de completo equilíbrio entre as unidades que constituem um sistema federativo, tornando essa matriz mais uma ideia reguladora do que uma descrição empírica das federações. Ainda segundo o autor, essa teia confere ao federalismo grande flexibilidade, constituindo-se em uma de suas grandes vantagens, mas que, por outro lado, torna mais complexa sua construção empírica.

Os modelos pirâmide do poder e centro periferia privilegiam a dimensão vertical no relacionamento entre os governos, ou seja, a União é, hierarquicamente, superior aos estados e municípios. No caso da matriz, as suas “células internas” corresponderiam a estados ou

municípios e privilegiam as RIG horizontais e são naturalmente características de sistemas federativos. É valido acrescentar que o modelo matricial destaca a importância de se coordenar uma federação, visto que os entes têm ações que podem ser sobrepostas.

Entretanto, com o aumento da justaposição entre políticas públicas nas federações contemporâneas, cresce a necessidade de uma maior coordenação nas ações, visando manter a autonomia e os direitos dos pactuantes. No caso brasileiro, devido ao elevado grau de desigualdade entre as unidades da federação, algum grau de centralização pode ser visto como positivo, contanto que seja mantida certa autonomia e criadas condições para a superação da assimetria (SANO, 2008).

Quadro 03 – Fases das relações intergovernamentais no Brasil

Fonte: Sano (2008, p. 25).

A CF/1988 surtiu efeito na coordenação uma vez que fortaleceu a federação ─ transformação dos municípios em unidade federada e redemocratização do Brasil, trazendo, assim, maior autonomia aos entes subnacionais e um incremento na descentralização das políticas públicas. A partir de 1994, a União aumentou o controle na implementação das políticas através de mecanismos de descentralização, restringindo a autonomia dos entes subnacionais. O aumento do poderio da União, por sua vez, lhe deu maior capacidade de estabelecer políticas nacionais – como o Fundef e Fundeb, do mesmo modo que a crise fiscal de 2008 enfraqueceu os governos estaduais e fortaleceu o poder de coordenação da União.