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1.4 1 O Federalismo Dual da República Velha

1.4.3. Federalismo Orgânico da Ditadura Militar

O Regime Militar foi um período de muito autoritarismo e contradições políticas. O instrumento jurídico que o fixa é o Ato Institucional 1, de 9 de abril de 1964, subscrito pe- los Comandos em Chefe do Exército, Marinha e Aeronáutica, que arrogava à "Revolução" o Poder Constituinte mas, apesar disso, "mantendo" a Constituição de 1946, com alterações definidas pelo próprio AI- 1, como ficou conhecido.

De acordo com BAGGIO, os militares não pretendia tornar explicito o autorita- rismo do regime porque eles contavam com o fundamental apoio dos governadores, especial- mente de Carlos Lacerda, da Guanabara; Ademar de Barros, de São Paulo e Magalhães Pinto de Minas Gerais71. Assim, “o AI-1 não cancelou as eleições diretas para governador em 1965, o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas não foram fechados e, dentre outras coi- sas, foram chamadas eleições indiretas para a Presidência.” 72

Contudo, depois da derrota dos militares, nas eleições diretas para governadores, veio o AI -2, de 27 de outubro de 1965, que modificou a Constituição de 1946 em vários pon- tos, entre eles, extinguiu os partidos políticos e permitiu a criação de outros, subordinados à nova legislação. O AI- 3 estendeu a eleição indireta aos Estados e estabeleceu que, com exce- ção dos Prefeitos das Capitais dos Estados, que passaram a ser eleitos por meio da Emenda à Constituição 12, de 8 de abril de 1965, os demais continuariam a ser eleitos diretamente, ad- mitindo-se as sublegendas, ou seja, mais de um candidato por partido, dentro do qual os votos se somam, elegendo, dentre os do partido, aquele com maior número de votos (art. 4.º). O AI- 4, de 7 de dezembro, convocou extraordinariamente o Congresso Nacional que havia sido fechado, para regular como se daria o processo constituinte, fixando inclusive o dia de pro- mulgação da nova Constituição (24 de janeiro de 1.967 ).

Na data marcada veio a lume a Constituição de 1967, e, nos termos que previa (art. 189), entrou em vigor em 15 de março, início de mandato de novo Presidente da Repú- blica, "eleito" indiretamente, Marechal Artur da Costa e Silva. De seu texto destaca-se que: a) centralizava na União grande número de competências, especialmente legislativas (art. 8.º); b) possuía lista de competências materiais (art. 8.º, incisos I a XVI) e legislativas (art. 8.º, XVII, alíenas a à v), muitas delas limitadas ao estabelecimento de normas gerais; c) previa que cabia aos Estados todos os poderes não conferidos por esta Constituição à União ou aos Municípios; d) instituía um sistema tributário que fazia com que os Estados e Municípios tivessem grande dependência da União; e) previa que os Prefeitos das Capitais, estâncias hi- drominerais e Municípios declarados de "segurança nacional" seriam nomeados, dependendo a nomeação dos dois primeiros da Assembléia Legislativa e, do último, do Presidente da Re- pública

Verifica-se que, assim, uma total deterioração da autonomia dos governos subnacionais. Relativamente à autonomia municipal, mais uma vez a eletividade dos municí- pios ficou limitada. Por sua vez, os casos de intervenção do Estado no Município foram am- pliados. Quanto à representação parlamentar do Município, o número de vereadores ficou limitado a vinte e um, proporcionalmente ao eleitorado local.

71 Esse episódio mostra bem como as elites políticas regionais, concentradas no sudeste, sempre se mantiveram

no poder e como a democracia para elas tinha uma valor meramente instrumental e retórico. [ver ABRUCCIO. Fernando Luiz. (Os descaminhos da Democracia, mar./abr. 1999)]

Todavia o dispositivo que mais conflitava com forma federal de Estado era o que previa que “a criação de novos Estados e Territórios dependerá de lei complementar” (art. 3.º). De fato, como leciona ZIMMERMANN, “diferindo o Estado federal dos demais estados unitários exatamente pela característica básica da descentralização política, sobeja- mente realçada pela autonomia legislativa das unidades federativas, é de se admirar que a própria integridade territorial e, quiçá, a própria existências das próprias, pudessem ser amea- çadas pela vontade exclusiva do poder central”73

Com a Emenda Constitucional 1/6974, o impacto deste novo texto foi ainda mais centralizador, tanto do ponto de vista horizontal como vertical da distribuição do poder. De tal Carta, destaca-se: a) a mudança do nome da Constituição que, contraditoriamente a sua concepção centralizadora, passa a ser designada como Constituição da República Federativa do Brasil e não, como era em 1967, Constituição do Brasil; b) a manutenção de uma lista de competências materiais da União (art. 8.º, I a XVI) e legislativas (art. 8.º, XVII); c) que dispôs sobre a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios (acrescentando o art. 16); e d) que previu a hipótese de intervenção federal para coibir corrupção no poder público estadual.

O art. 3.º da Constituição de 1967, que permitia que lei complementar crias- se novos Estados, permaneceu intacto, a ameaçar o federalismo brasileiro, assemelhando-o a um Estado unitário descentralizado. E assim se deu que, através da Lei Complementar nº 20, de 1º julho de 1974, sem qualquer consulta ao povo fluminense ou carioca, foi feita a fusão do Estado da Guanabara com o Rio de Janeiro75.

Mesmo neste contexto extremamente centralizador, as práticas “coronelis- tas” da Republica Velha continuaram vigentes, o que obrigou o Governo militar a ter de ne- gociar com as elites estaduais. De acordo com ABRUCCIO, “isso se explica pela manutenção de eleições para cargos de fundamental importância para a carreira dos grupos políticos lo- cais. O regime militar criou uma situação paradoxal, com a vigência de instrumentos autoritá- rios ao lado de mecanismos democráticos”. 76

Como explica BAGGIO, “o regime militar começou a entrar em decadência com a crise do fenômeno chamado ‘milagre econômico’, que, por cerca de cinco anos, conse- guiu fazer o país desenvolver-se economicamente [...] No entanto, a política econômica que proporcionou esse crescimento baseava-se nos mecanismos cruéis do capitalismo selva- gem”.77

73 ZIMMERMANN, AUGUSTO, op. cit., p. 326.

74 “Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova Constituição. A emenda só serviu como meca-

nismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da Republica Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil. [SILVA, José Afonso. Curso de direito Constitucional positivo. São Paulo: Ma- lheiros, 1997. p.88.]

75 ZIMMERMANN, op. cit., p. 326

76 ABRUCCIO, Fernando Luiz. (Os descaminhos da Democracia, mar./abr. 1999) in Quem es tú Federação?

Publicação da Comissão Nacional para as Comemorações do V Centenário de Descobrimento do Brasil. São Paulo, ano 1 – nº 2- mar./abr. 1999