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1.4 1 O Federalismo Dual da República Velha

1.4.5. O neo federalismo brasileiro

Antes, entretanto, merece breve registro, ainda neste capítulo, de que forma o movimento que ficou conhecido nos Estados Unidos como “New federalism”, e que repre- sentou a re- descentralização de competências para os entes federados e a privatização dos serviços públicos, influenciou o modelo brasileiro.

Para essa análise, a primeira premissa que deve ser afastada é a idéia de que a alternância entre períodos de centralização e de descentralização na história do Brasil está freqüentemente associada a períodos de autoritarismo e de avanços democráticos, respectiva- mente.

Ora, o raciocínio, demasiado singelo, é insuficiente para explicar a atual configuração do modelo federativo brasileiro, que sofre nítida influencia do neo-federalismo, e bem assim a oscilação entre abertura e encerramento que o distingue, uma vez que inexiste a presumida regularidade nesse movimento.

Partindo desse pressuposto, EDUARDO KUGELMAS analisa a conjuntura nacional das últimas décadas para a qual, segundo entende, converge aspectos “re- centralizadores e descentralizadores”. Na expressão do autor:

80 RIBEIRO Wladimir Antonio. Op.cit. p. 125

81 Art. 18 A organização político-administrativa da Republica Federativa do Brasil compreende a União, os Es-

“Se há um movimento pendular, não há simetria neste movimento. Nem o Estado Novo chega a destruir a estrutura federativa, nem a Constituição de 1946 abala o reforço do governo central e sua ampliação de atribuições. Mais perto do momento atual, o regime autoritário controlou ferreamente os níveis subnacionais de poder, principalmente através das eleições indiretas para os governos estaduais e da centralização fiscal, por outro lado não ex- cluiu as elites políticas regionais do pacto de dominação e manteve em boa medida as atribuições administrativas das esferas subnacionais. A célebre metáfora [da sístole / diástole, que simboliza o movimento de contração e de descontração do sistema] pode induzir à crença de uma anulação completa dos mecanismos institucionais anteriores a cada movimento pendular, quan- do o que de fato ocorre é uma constante redefinição do padrão de relaciona- mento entre as esferas, através de uma dinâmica de aperto / afrouxamento de controles políticos e fiscais.”82

Fato inusitado no processo de democratização foi a realização de eleições diretas na esfera estadual antes de a mesma conquista materializar-se no plano nacional. Na avaliação de KUGELMAS, criou-se no país uma situação de “diarquia” (coexistência de duas fontes de legitimação), o Governo federal, de um lado, e os governadores, de outro, pois todos estes, em bloco, e não apenas os eleitos pela oposição, passam a atuar como agentes políticos de especial relevância, demonstrando a capacidade de articulação e de administração mesmo em face da ditadura militar83.

A nova força política não tardou a dar sinais de sua influência. A minuciosa análise do autor revela os ganhos experimentados pelos chamados governos subnacionais, tanto no que concerne a sua participação na receita tributária84, como em termos de prestígio e de poder de manobra, exercidos sobre as respectivas bancadas no Congresso Nacional, mercê da notória debilidade do sistema partidário e do relativo enfraquecimento do Executivo nacio- nal, no governo de José Sarney.85

A idéia que associa descentralização e democracia iria fortalecer-se durante todo o período de abertura política, o que influenciou sobremaneira os debates do Congresso Constituinte, eleito em 1986 em pleito simultâneo à escolha dos novos governadores. Durante essas discussões, a despeito de algumas divergências, todos os Estados convergiram na pre- tensão de ver ampliados os seus recursos fiscais. O resultado foi a adoção de um modelo fede- rativo notavelmente descentralizado, marcado pelo fenômeno que ABRÚCIO denominou o “ultrapresidencialismo estadual”.86

A estratégia para aumentar recursos e poder político em mãos dos governos estaduais e municipais consistiu em enfraquecer o governo central. Desse modo, o modelo de descentralização, vitorioso ao final do processo constituinte, nasceu antes de uma reação dos

82 KUGELMAS. Eduardo. A evolução recente do regime federativo no Brasil’. In: HOFMEISTER, Wilhelm e

CARNEIRO, José Mário Brasiliense (Orgs.). Federalismo na Alemanha e no Brasil. p.33-34

83 Ibdem.

84 Em 1983, por meio da EC 23 (Emenda Passos Porto), elevaram-se os percentuais dos Fundos de Participação e

modificaram-se os critérios de cálculo dos repasses em benefício dos governos subnacionais, de tal sorte que, entre este período e o ano de 1988, inverteu-se a tendência de duas décadas anteriores, com o decréscimo da participação da União no total da receita disponível, que passa de 69,8% a 60,1%. [KUGELMAS, Eduardo. op. cit. p. 35]

85 Ibidem, mesma página.

governos intermediários e locais contra os excessivos poderes da União, do que de uma ação política concertada para a distribuição planejada de atribuições e de vantagens.

Essa tendência à robustão dos poderes estaduais, no entanto, é revertida em 1994, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) para a Presidência da República. De início porque, pela primeira vez na história da redemocratização, o pleito presidencial foi concomitante ao proporcional, vinculando os compromissos políticos dos novos congressistas à plataforma eleitoral do candidato majoritário vitorioso. Além disso, vários aliados de Cardo- so foram eleitos para os governos estaduais, destacadamente nos Estados de São Paulo (Mário Covas), do Rio de Janeiro (Marcello Alencar) e de Minas Gerais (Eduardo Azeredo), sendo que o sucesso dos novos governadores peessedebistas estava estreitamente ligado ao plano nacional de estabilização econômica, cujo êxito conferia enorme legitimidade política e social ao Presidente da República. Depois, a melhoria das condições financeiras da União em oposi- ção à crise dos Estados contribuiu para o fortalecimento do poder central em detrimento do poder dos governadores. Nessas circunstâncias, as reformas propostas pelo primeiro, com impacto na estrutura federativa, foram amplamente facilitadas.

Para sustentar o ajuste fiscal e obter receitas primárias superiores ao cresci- mento dos gastos do governo federal, o Governo FHC concentrou novamente a arrecadação tributária nas mãos da União, especialmente pela criação de contribuições sociais não parti- lhadas com estados e municípios. O ajuste fiscal não se limitou ao esforço da União, estados e municípios também foram compelidos a fazer sua parte, através dos acordos de renegocia- ção da dívida, nos quais a União assumiu e refinanciou as dívidas dos governos estaduais e dos muncípios de São Paulo e Rio de Janeiro, por aproximadamente 30 anos. 87

Com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), instituída pela Lei Comple- mentar 101, de 2000, o controle da União sobre o ajuste das contas estaduais e municipais ganhou significativo reforço. Por esta lei, em franco desrespeito à matriz constitucional, o Governo Federal priorizou os superávits primários, em prejuízo das prestações positivas da União, Estados e Municípios, como garantidores do exercício dos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos assegurados na Constituição Cidadã.

Portanto, a evidencia se vê a influencia do neo-federalismo no novo modelo federativo brasileiro durante os anos do Governo FHC. Ao propor uma agenda de descentrali- zação das políticas públicas para o âmbito local, sobretudo das políticas sociais de educação, saúde e assistência social, mas simultaneamente a re-centralização as receitas públicas tributá- rias nas mãos da União para a promoção do ajuste fiscal, o Presidente Fernando Henrique Cardozo, cumpriu a agenda internacional da Reforma do Estado, em defesa de um Estado mínimo, mais regulador e menos intervencionista.

Os resultados desse processo de descentralização são, em todo mundo, mui- to questionados, pois nem todos os Estados-membros e, na sua maioria, os Municípios, têm a infra-estrutura necessária para atuar com eficiência na realização dos programas sociais. Nes- se aspecto, mais uma vez, destacamos a importância dos consórcios públicos que, através da associação dos entes federados, permite a criação de escalas econômicas adequadas à presta-

87 SILVA, Fernando Antonio Resende da. O dilema fiscal: remendar ou reformar? / Fernando Resende, Fabrício

ção dos serviços, sem comprometer o processo de descentralização de competências para o âmbito local.

Seguindo o movimento pendular, no Governo Lula, desde 2003, essa ten- dência de concentração da arrecadação na esfera federal começa a se reverter. Nesse sentido, estão sendo empreendidas diversas mudanças na legislação brasileira com a finalidade de au- mentar as transferências de recursos para os governos subnacionais, sobretudo para os muni- cípios, bem como para melhorar suas potencialidades de arrecadação próprias como vermos no próximo capitulo.

CAPITULO II