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1. O MERGULHO NO TEMPO

1.1. Feira Moderna

“Moderno é um termo dêitico, (...) designa alguma coisa mostrando-a, sem conceituá-la; que aponta para ela mas não a define; indica-a, sem simbolizá-la. ‘Moderno’ é, assim, um índice, tipo de signo que veicula uma significação para alguém a partir de uma realidade concreta em situação e na dependência da experiência prévia que esse alguém possa ter tido em situações análogas”

(Teixeira Coelho,1995: 14).

Por meio de ‘instantâneos’, descreveu-se o contexto contemporâneo, no qual o corpo se tornou o signo emblemático de uma suposta crise de identidade vivenciada pelo sujeito. A demarcação deste cenário, onde ocorrem as práticas de construção do corpo, passa pela demarcação das fronteiras do presente, o que leva a repensar a própria idéia de modernidade. Considerando que, apesar dos séculos que separam o advento da era Moderna até os dias de hoje, há tanto elementos de ruptura quanto de permanência, vislumbrar essas fronteiras serve antes como uma lente de aumento que amplia o foco sobre o presente, do que como um mergulho num passado longínquo. Um dos principais aspectos tomados aqui na diferenciação entre esta era e as sociedades tradicionais é o fato de que a história da modernidade é permeada por umainsatisfação inerente, que motiva um impulso incessante para a mudança e a inovação.

O problema da determinação da Idade Moderna propriamente dita tem preocupado bastante os historiadores, que se perguntam quando começaram, precisamente, os tempos modernos. A resposta clássica residia na queda de Constantinopla (1493) e na descoberta da América (1492). Mais recentemente, eles têm adiantado essa data e, sem fixá-la num acontecimento determinado, tendem a situar seu o verdadeiro começo na órbita do século XVIII, quando então teriam se reunido elementos do círculo cultural em que vivemos. A

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fundação da física-matemática (Galileu morreu em 1642) instalou uma visão de mundo sobre a qual repousaria mais tarde a Revolução Industrial, o Estado Nacional e a supremacia planetária da Europa (Merquior,1969:287).

Portanto, o moderno pode ser concebido tanto em meio às mudanças no plano da organização política e jurídica, nos modos de produzir e de comerciar, quanto no das subjetividades. Todas elas exerceram um mútuo efeito multiplicador e geravam conflitos políticos e ideológicos de monta, de modo que, desde a Renascença, vinha despontando a consciência de que uma linha distintiva separava os novos tempos do que, posteriormente, veio a ser chamado de Medievo (Quintaneiro,2002:9).

O moderno identifica-se com uma atitude destruidora, que acabou por se transformar em rotina, representada pela imagem de um permanente canteiro de obras. Pode-se afirmar, contudo, que ocorreu uma destruição inaugural que rompeu com tudo aquilo que vinha antes. Esseantes pode ser sintetizado pela idéia de Idade Média, acerca da qual será feita uma breve referência. Pois, se o Moderno irrompeu negando seu passado imediato, ao se voltar o olhar para trás, num giro de 180O

, pode-se vislumbrar o mundo antes dessa explosão, cujos destroços estão, até hoje, se espalhando pelo ares.

Rodrigues tomou essa época controversa como objeto, na busca da compreensão do que chamou das ‘formas de (in) sensibilidade na cultura ocidental’ – contatos corporais, suportabilidade aos odores e sabores. É importante recordar que, em 1975, ele já havia publicado ‘Tabu do Corpo’, considerado ‘o primeiro trabalho em língua portuguesa a tratar de forma científica dos aspectos simbólicos do corpo humano’. Neste livro, ele afirmava que, ‘como qualquer outra realidade do mundo, o corpo humano é socialmente concebido, e que a análise da representação social do corpo oferece uma das numerosas vias de acesso à estrutura de uma sociedade particular’ (Rodrigues,1983:44).

‘Sabe-se que cada sociedade elege um certo número de atributos que configuram o que o homem deve ser, tanto do ponto de vista intelectual ou moral, quanto do ponto de vista físico; que esta

constelação de atributos é, em certa medida, a mesma, para todos os membros de uma sociedade, embora tenda a se distinguir em nuances, segundo os diferentes grupos, classes ou categorias que toda sociedade abriga. Reconhece-se ser função da educação inculcar nas crianças esses atributos, de maneira a garantir um certo número de estados mentais e físicos (...). Ao realizar este trabalho, a Cultura dita normas em relação ao corpo; normas a que o indivíduo tenderá, à custa de castigos e recompensas, a se conformar, até o ponto de estes padrões de comportamento se lhe apresentarem como tão naturais como o desenvolvimento dos seres vivos, a sucessão das estações ou o movimento do nascer e do pôr-do-sol. Entretanto, mesmo assumindo para nós este caráter ‘natural’ e ‘universal’, a mais simples observação em torno de nós poderá demonstrar que o corpo humano como sistema biológico é afetado pela religião, pela ocupação, pelo grupo familiar, pela classe e outros intervenientes sociais e culturais’ (ibidem:44-45).

Já em ‘O Corpo na História’, cuja primeira edição data de 1999, Rodrigues ressaltou que a sensibilidade que temos hoje – seja ela auditiva, tátil, gustativa, olfativa e visual – tem uma história e uma significação, observação essa que não poderia ser ignorada num estudo acerca das formas atuais de se relacionar com o corpo. Ele afirma que, embora os processos políticos e econômicos já tenham sido razoavelmente bem estudados pelos historiadores, e a história das mentalidades venha recebendo atenção nas últimas quatro décadas, uma atenção similar não vem sendo dedicada à história das ‘sensibilidades’, seguindo os passos de Lucien Febvre (Rodrigues,2001:15-6). Ele utilizou, assim, o medievo como lente para a compreensão do presente, a fim de demonstrar que esta, a atual, não é a única configuração de

sensibilidades possível.

Sua opção pelo estudo da Idade Média deveu-se ao fato de que - por conter todo um conjunto de valores que o moderno rejeitou para se afirmar enquanto tal – esse período consistir no outro específico desta civilização (moderna e contemporânea), de maneira que esses dois períodos apresentam uma relação quase antagônica entre si. Essa parte de nós, que não cansamos de recusar, se presta muito bem para contrastar e relativizar nossas próprias concepções e sensibilidades. Por outro lado, ele observa que, nas sociedades industriais contemporâneas, ainda há muito de medieval, no que se refere às classes populares, e mais especialmente na cultura brasileira (ibidem:17-9).

Um aspecto curioso reside no fato de que a Idade Média seja, em geral, definida pelo negativo, como uma noção residual: dotados de positividade, ao contrário, situam-se, de um lado, a Antigüidade, e de outro, as Idades Moderna e Contemporânea, que são os tempos da Revolução Industrial, do capitalismo e do progresso. Entre essas fases, figura uma coisa ambígua e vaga, que se chamou de ‘média’ - sem falar nos que a denominam ‘Idade das Trevas’. Por esse motivo, referir-se a algo como ‘medieval’ chega a ser quase uma acusação, residindo aí um tipo de preconceito apontado por Rodrigues como ‘uma armadilha preparada por nosso próprio etnocentrismo’ (ibidem:19)65.

Mas quais seriam as características da subjetividade medieval contra as quais tantos esforços foram canalizados para negar? Pode-se apontar, enquanto uma ruptura fundamental trazida pela modernidade, a quebra da cosmovisão medieval, já que a última postulava uma

integridade absoluta do universo. Assim, o que para os cidadãos das classes altas das

sociedades capitalistas industriais costuma ser representado em termos de oposições, apresentava-se ao homem comum medieval como interpenetração e equivalência.

Um ponto importante que veio a se romper naquela visão de mundo foi justamente a imbricação entre o imanente e o transcendente, entre o terreno e o divino. Se o milagre era o único modo que se conhecia durante o medievo para modificar a ordem das coisas naturais, aquela concepção mágica cederia lugar às causações físicas, num mundo que passaria a ser, cada vez mais, concebido como um mecanismo (ibidem: 44-7). Foi assim que se rompeu aquela espécie de intimidade entre o terreno e o celestial, pela instauração do que se impôs, a seguir, como o já mencionado paradigma da ciência moderna.

A Terra era considerada um ser vivo e o cosmos constituía uma unidade orgânica. Isso era refletido nas casas, que em geral possuíam somente um único cômodo, onde conviviam um

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Rodrigues ressalta que é importante, ao tecer uma referência à Idade Média, tomar cuidado com as generalizações, pois não se trata de um período homogêneo: ela abarca uma imensa multiplicidade de regiões, de povos, de grupos, classes sociais, além de uma pluralidade de tempos, de modo que, como antropólogo, o autor registra um ‘cuidado com a generalização ou com a atribuição dehomogeneidade ao outro’ (ibidem:19).

número variável de pessoas e... de animais (!). (ibidem:41-3). É por isso que a impressão mais forte que se tem sobre o modo de vida medieval é a de amontoamento. Esse amontoamento não tinha necessariamente a ver com pobreza, mas sim com um modo de ser. Na verdade, ele representava a implementação de padrões culturais que se manifestavam nas mais variadas esferas de existência – na superposição das casas, no apinhamento das ruas, ou na utilização, por diversas pessoas simultaneamente, de uma mesma cama, de um mesmo prato, de um mesmo banco. A invenção da ‘privada’- ou seja, do ‘vaso sanitário’ - no final do século XVI, constituiu um aperfeiçoamento técnico fundamental para o cotidiano de nossas sensibilidades contemporâneas. Porém, a absorção do uso dessa ‘novidade’ ainda foi bastante lenta (ibidem:105)66.

Desse modo, as casas, tais como conhecemos hoje, com cômodos e móveis especializados, representam uma modificação de mentalidades e de sensibilidades posterior ao século XII, que muito lentamente se difundiu pelo restante da sociedade. É importante reconhecer, contudo, que essa modificação definiu um ideal arquitetônico que consiste até hoje num indicador de privilégio de classe. Como aponta o trecho abaixo, a forma das habitações, onde os interesses próprios não eram separados dos interesses comuns, ilustra o quanto ainda era desconhecido o sentido de privacidade:

‘o desejo de intimidade é uma invenção das classes dominantes, ponto central de uma mentalidade individualista e pedra angular de um sistema econômico e político. Não é apenas um progresso optativo: representa uma visão de mundo, a que cedo ou tarde todos deverão se submeter’ (ibidem:105).

O movimento de fragmentação do universo medieval – processo do qual pode-se dizer que, depois de iniciado, veio se radicalizando até atingir, hoje, uma expressão altamente

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Prova disso é que o Palácio de Versalhes, construído sem medir despesas, não possuía privadas nem banheiros. A privada ‘seca’, com aura de novidade inglesa, só foi introduzida na França no século XVIII (Rodrigues,1999:105).

elaborada - foi acompanhado, concomitantemente, da formação de domínios específicos de saberes, relativos a cada esfera que se autonomizava, conforme Rodrigues esclarece:

‘com a separação entre indivíduo e a sociedade, surgiram as disciplinas especiais, almejando capturar as lógicas particulares e respectivas dessas esferas’ (Rodrigues,1999:110)

A nova maneira de pensar - e de sentir - o mundo originou, portanto, diversos tipos de separação: entre sãos e doentes, mortos e vivos, adultos e crianças, e, o que é muito relevante, entre as esferas do público e privado. A fim de ilustrar essa última separação, Rodrigues recorda que a cerimônia medieval da morte, coletiva, aberta a todos, metamorfoseou-se no acontecimento isolado de hoje, que se abate a um indivíduo acamado, solitário, exceto pela ‘especializada companhia’ dos profissionais da Saúde, na unidade de tratamento intensivo de um hospital, onde nem mesmo um familiar pode entrar (Rodrigues,1999:109). Ainda acerca da separação entre essas esferas, no trecho abaixo, Duby descreve o medievo em termos de proximidade, promiscuidade, e por vezes multidão:

‘Na época feudal, o espaço, com efeito, jamais estava previsto, no interior das grandes moradas, para a solidão individual, senão no breve instante do trespasse, da grande passagem para o outro mundo. Quando as pessoas se arriscavam fora da clausura doméstica, era ainda em grupo. Todas as viagens eram feitas pelo menos em dupla (...)’ ‘A sociedade feudal era de estrutura tão granulosa, formada de grumos tão compactos que todo indivíduo que tentasse se libertar do estreito e muito abundante convívio que constituía então aprivacy, isolar-se, erigir em torno de si sua própria clausura, encerrar-se em seu jardim fechado, era imediatamente objeto, seja de suspeita, seja de admiração, tido ou por contestador ou então por herói, em todo caso impelido para o domínio do ‘estranho’, o qual, atentemos às palavras, era a antítese do ‘privado’’ (Duby, 1999:503-4).

Essa breve incursão ao universo medieval buscou captar como a modernidade pode ser identificada com um gesto de ruptura de paradigma. Embora a Idade Média seja caracterizada, no imaginário corrente, por cenas de guerra, violência e insegurança, a atitude

do homem diante da vida era relativamente estável, o que foi radicalmente modificado pelo mundo moderno que se descortinou em seguida. Embora marcado por profundos avanços científicos e tecnológicos, a passagem daquele homem medieval para o moderno traz a impressão de que dele foiarrancado o chão, e que talvez nada tenha sido colocado no lugar67

.

A idéia que se tem do período subseqüente é a decaos, tanto que o próprio surgimento da Sociologia está imbuído da reflexão de seus fundadores acerca da nova fase que se inaugurava, e, em parte, de seu estranhamento diante dela. De fato, essa disciplina apresentou- se como um modo de interpretação para explicar aquele caos, tendo em vista que a crise, a instabilidade e as turbulências68, em diversos âmbitos da vida material, cultural e moral consistem nas marcas mais características da modernidade (Quintaneiro,2002:9).

Nesse sentido, é notório que ainsatisfação permanente seja um dos sentimentos mais marcantes na relação com o corpo na sociedade hoje, de modo que esteve presente desde a origem do trabalho até a pesquisa de campo. Ora, se a insatisfação é uma marca da atual sociedade de consumo, nada mais esperado que esteja presente na relação com o corpo, pois não é necessário um grande esforço para constatar que esse sentimento não ocorre isoladamente, mas está presente em muitos outros aspectos da vida. O corpo consistiria somente num exemplo facilmente observável, muitas vezes até mesmo doloroso - conforme a citada proliferação de intervenções invasivas - do que representa toda uma atitude ante a

própria existência.

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Essa afirmação merece um pedido de desculpas, pois, enumerar o que pode ter sido ou não ‘colocado no lugar’ consistiria numa tese inteira, sendo que isso é tema de um profundo debate das Ciências Sociais, então ela foi deixada apenas como uma provocação.

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A Sociologia foi fortemente influenciada pelas correntes de pensamento que estabeleceram suas bases da modernidade européia – o racionalismo, o empirismo e o iluminismo (Quintaneiro,2002:9). Faz-se um breve comentário sobre seus fundadores: Comte desenvolvera uma teoria daquilo que ele chamava de sociedade industrial, ou moderna, colocando-a em oposição às sociedades do passado, feudais, militares e teológicas. Marx colocou no centro de sua interpretação das sociedades modernas o caráter contraditório inerente ao sistema capitalista (Aron,1999:129). Tocqueville definiu a sociedade moderna por seu caráter democrático (idem: 278), pela atenuação de distinções de classe e pela tendência à progressiva igualdade de condição social. Durkheim situava a crise da sociedade moderna numa lacuna deixada pela moral tradicional e pela religião, apontando para a necessidade de reconstituição de uma ética que atendesse ao espírito científico (idem: 280). Weber aponta na sociedade moderna uma tendência à crescente burocratização e racionalização.

Essa atitude pode ser ilustrada pela resposta de um entrevistado, ao ser indagado se estava satisfeito com seu corpo: ‘mas quem está? Se estiver satisfeito um dia, não levanto

mais da cama...’ (Paulo, 23 anos, estudante de Medicina, praticante de caminhada na Asa

Norte). Ela traduz o quanto a insatisfação, nesse caso, com efeitos indiscutivelmente benéficos à saúde, é o próprio motor de sua iniciativa para a prática de atividade física, de modo que essa idéia poderia ser coerentemente transportada para situações e ações mais variadas, tais como o emprego, os estudos, a vida afetiva, a moradia...

Não parar nunca, e especialmente, não parar de mudar, é o mote que perpassa nossos tempos. Os Rolling Stones fizeram uma bela síntese dessa idéia, cantando: ‘I can get no

satisfaction, I can get no satisfaction, but I try, but I try, but I try...’ 69 Trata-se de uma

insatisfação com tudo o que é dado, o que inevitavelmente se reflete, de maneiras diversas, na relação com o próprio corpo. A intervenção do homem, movida por um impulso permanente para a mudança, para a luta contra o que foi recebido da natureza, representa o âmago do projeto da modernidade. Sentimento presente desde os primórdios desta era, a insatisfação não somente se mantém nos dias de hoje, como, sob uma roupagem compulsiva e consumista, talvez esteja nela atingindo seu ápice. Mas o que vem a ser, exatamente, a ‘modernidade’? No sentido literal, pode-se afirmar que:

‘moderno refere-se a qualquer coisa que tenha recentemente substituído outras que, no passado, eram perfeitamente aceitas. Nesse sentido, os primeiros navios que substituíram as galeras a remo também eram modernos, do mesmo modo que os veleiros com relação aos navios a vapor e estes com relação ao poder atômico’(Inkeles e Smith,1974:15).

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Na mesma linha da citação que abre este capítulo, os autores ressaltam que, sob esse enfoque, o moderno se tornará um catálogo de coisas e não um conceito70

. Fridman, a seu turno, sugere que a modernidade pode ser compreendida como:

‘uma designação abrangente para uma série de mudanças materiais, sociais, intelectuais e políticas que tiveram o seu ponto de partida no final do século XVII, na Europa, com a emergência e a difusão do Iluminismo e que acabaram por se misturar com a Revolução Industrial e com as transformações trazidas pelo capitalismo’ (Fridman,2000:10).

No dicionário, o termo significa algo que se refere aos tempos atuais, ou mais próximo de nós. Ou, o que é recente, que está na ‘moda’ (Ferreira,1999). Bruno, entretanto, refere-se à Modernidade como nosso ontem – o que ainda somos um pouco e também o que estamos deixando de ser, pois ela ‘é também o nosso passado, pois a tomamos como objeto de análise histórica na tentativa de delimitar a diferença de nosso presente’ (Bruno,1997:14).

Por outro lado, modernizar, por sua vez, é tornar algo moderno, dar-lhe uma feição moderna, de modo a se acomodar aos hábitos e às necessidades modernas. Assim, sob um enfoque sócio-psicológico, a ‘modernização’ trata basicamente de uma mudança na maneira de perceber, expressar e avaliar. Bellah considera o moderno, mais que uma forma de sistema político ou econômico, uma espécie de mentalidade, ou de ‘estado de espírito’ (Harvey, 2003:16)71

. Berman definiu a modernidade como uma modalidade de experiência vital que é partilhada por homens e mulheres do mundo atual. Segundo a visão desse autor:

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Embora Inkeles e Smith concebam o moderno enquanto uma forma de civilização característica de nossa época atual - assim como o feudalismo e os grandes impérios da Antigüidade foram característicos de épocas históricas anteriores – eles alertam para o fato de que, assim como o feudalismo não era encontrado em todo o mundo, entre os séculos XI a XV, também a modernidade não está presente ao longo de todo o globo. A modernidade possui formas específicas que variam conforme as condições locais e temporais.

71 Não se pretende aqui adentrar no tema do modernismo, enquanto movimento estético, pois esta pesquisa

procura se ater à modernidade enquanto período histórico e uma modalidade de experiência vital. Também é deixada por ora de lado a discussão, presente em numerosos estudos, acerca de uma linha divisória entre o moderno e a instauração de um chamado período pós-moderno.

‘ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de si e do mundo – e, ao mesmo tempo, ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. (...) ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’. Escritores de diferentes lugares e épocas expressaram sua busca em lidar com essa sensação avassaladora de fragmentação, efemeridade e mudança caótica (Harvey,2003:21).

Baudelaire ressaltara a característica de mudança na condição de modernidade ao definir a busca do artista em extrair ‘o eterno do transitório’. Para ele, a modernidade seria o transitório, o efêmero (Baudelaire,1996:24-5). E é justamente no elemento de transitoriedade