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1. O MERGULHO NO TEMPO

1.7. Sociedade de Consumo de Massa

Embora a malhação reúna tanto características do ascético quanto do narcisista, percebe-se nitidamente que a emergência da última está relacionada à questão do consumo. De fato, à medida que uma determinada configuração social passa por reestruturações, novas demandas surgem diante dos indivíduos, e se acentuam os traços de personalidade mais condizentes aquelas etapas. Em outras palavras, parte-se da compreensão de que um determinado sistema não gera somente produtos e mercadorias, mas também determinadas configurações de subjetividade, de modo que as raízes da cultura do narcisismo podem ser localizadas na emergência da sociedade de consumo de massas. Essa coincide com a decadência de um dos ciclos do capitalismo, da qual a crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, é considerada um marco relevante.

A partir de então, é possível identificar uma mudança radical de direção, pois enquanto no século XIX o capitalismo priorizava a produção, a partir daquele momento, foi requerido um modelo econômico que estimulasse o consumo, nele incluindo as massas trabalhadoras. Portanto, visando resolver um problema da superprodução, e não das pessoas, foram criadas estratégias que estimulassem o desejo de consumir para além do necessário. Segundo Severiano, ‘com o desenvolvimento das forças produtivas e a criação de um mercado de produtos massivos, o valor funcional do objeto não poderia ser mais o regulador geral para o consumo. (...) havia que se consumir (...) para atender (...) às necessidades do capital, sob risco de uma falência geral do próprio sistema capitalista’(Severiano,2001:66).

É por isso que o advento dacultura de massa (mass-culture) representa um fenômeno imprescindível à compreensão das transformações sofridas pelo capitalismo. Historicamente, ela pode ser situada 'numa seqüência da extensão do poder industrial no planeta: no início do século XX, o apogeu da colonização da África e da Ásia; em seguida, a segunda

industrialização, processada nas imagens e sonhos, ou seja, a colonização da alma humana’. A

partir de então, mercadorias culturais passaram a ser ‘derramadas no domínio interior do homem, o que deu origem a terceiros problemas, surgidos nos meados do século XX' (Morin,1969:15-6).

Detectada pela sociologia americana após a Segunda Guerra Mundial, a cultura de massa é produzida segundo as normas maciças da fabricação industrial e propagada por suas respectivas técnicas de difusão. Segundo Morin, a cultura de massa constitui ‘um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identificação específicas. (...) Como toda produção em massa, baseia-se na lógica do máximo consumo' (ibidem:37).

Em suma, a cultura de massa representa um produto de uma dialética produção- consumo, no centro da dialética global da sociedade em sua totalidade (idem:47). Ela representa a indústria do desejo abstrato, por meio da qual mecanismos extra-econômicos passaram a desencadear no psiquismo dos indivíduos desejos insaciáveis, não somente por

produtos, tais como rádios, televisores, automóveis, roupas, mas como por modos de vida, o que inclui o desejo de atingir a boa-forma segundo determinado tipo de sensibilidade e todo o leque de opções oferecido para alcançar esse objetivo.

Um aspecto importante a ressaltar, por outro lado, é que os teóricos da Escola de Frankfurt - Adorno, Horkheimer, Marcuse - discordavam da utilização da noção de ‘cultura de massa’, porque, assim como ‘cultura popular’, ela transmitiria a idéia de que o povo seria o criador das mercadorias culturais que consumia. Portanto, na década de 1940, a fim de estabelecer um contraponto em relação a essa idéia, ao analisar a questão dos bens culturais, Adorno cunhou a expressão ‘indústria cultural’ (Adorno,2002:9). Por meio dela, Adorno ressaltava que a produção, distribuição e recepção dos produtos culturais - veiculados pelas emissoras de rádio, televisão, editoras de revistas e best sellers - seriam organizadas de maneira industrial, seguindo os mesmos processos de padronização, escolha do público-alvo, simplificação e obsolescência que as mercadorias produzidas pelos demais segmentos da indústria. Na visão desse autor, mediante suas proibições,a indústria cultural ‘fixa positivamente (...) uma linguagem sua, com uma sintaxe e um léxico próprios’ (ibidem, 2002:17-9).

Segundo Adorno, a dinâmica da indústria cultural impedia a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente, o que ele considerava um requisito para uma sociedade democrática, que não poderia desabrochar senão através de homens não-tutelados. Pode ser destacado como um ponto relevante da obra dos teóricos da Escola de Frankfurt a crítica à racionalidade técnica e ao processo de uniformização - ou eliminação das diferenças - segundo os quais seria exercido o controle sobre os indivíduos. Desse modo, a eliminação das diferenças possibilita a previsibilidade e o reforço da dominação, enquanto as malhas do tecido social vão sendo cada vez mais atadas de acordo com o modelo do ato de troca (Adorno: 1986:78).

Marcuse, por sua vez, propôs uma crítica aguda à sociedade pós-industrial, elaborando o perfil de um ‘homem unidimensional’128

: um autômato, conformista, despolitizado, cujas necessidades são dirigidas, enquanto são esquecidos valores como a liberdade, a criatividade e

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a individualidade. Seu ideal de felicidade relacionava-se intimamente com a capacidade pessoal de consumir. Submetido a uma rotina despersonalizante, teria o tempo livre cada vez mais controlado pela indústria do lazer e a sexualidade transformada em valor de mercado. Perfeitamente moldado ao real, adaptava-se a ele como se fosse o único possível. Enfim, Marcuse caracterizou o capitalismo tardio como um mundo administrado por uma racionalidade dominadora, no qual o progresso tecnológico convivia com a frustração dos ideais do Iluminismo (Marcuse, 1966:12). Enfim, para esses teóricos, as conseqüências da submissão do consumidor ao poder das grandes indústrias de entretenimento afetaria tanto a política das sociedades quanto a subjetividade das pessoas.

Por esse motivo, Baudrillard enxergou noconsumo mais que uma prática funcional, ou que uma mera possessão dos objetos, ou uma função de prestígio individual ou de grupo: trata- se, na verdade, de uma linguagem, de um sistema de comunicação e permuta, onde códigos de sinais são constantemente emitidos, recebidos e inventados. Segundo ele, ao ter substituído as religiões das sociedades ‘primitivas’ e as ideologias em geral, o consumo passou a ser o responsável pela ‘integração’ da sociedade. Isso porque ele ‘educa os indivíduos na disciplina inconsciente das regras de seu jogo’ (Baudrillard,1975:143).

Para ele, o narcisismo aparentemente ‘personalizado’ do indivíduo da sociedade de consumo não corresponderia a uma fruição de sua singularidade, mas sim a uma refração de traços coletivos. A ansiosa ‘procura da personalidade’ está inevitavelmente inserida numa produção industrial de diferenças, de modo que o ‘culto à diferença’ é a maior evidência da ‘perda das diferenças’(ibidem:135)129

. Segundo essa lógica, se, de um lado, o corpo é enaltecido, de outro, atrofiam suas possibilidades reais, pois ele é cada vez mais acossado pelo sistema de controle e de constrangimentos urbanos, profissionais e burocráticos. Sua suposta ‘redescoberta’ não teria se dado como presença original e específica, mas como um modelo de simulação. Foi por isso que Baudrillard elegeu o ‘manequim’ como o tipo-ideal de corpo no

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O autor exemplifica que o mito da ‘relação consigo mesma’ da mulher não passa de uma relação de consumo. ‘Agradar pelas qualidades naturais da beleza e do encanto foi substituído pela relação mediatizada dos sinais da linguagem do consumo’ (Baudrillard,1975:146).

sistema simbólico da Economia Política do Signo (rever capítulo1.3). Se o sistema de ar- condicionado central dosshoppings e das sofisticadas academias representa uma ‘climatização geral da vida’, simulando uma primavera perpétua, de maneira análoga, o corpo também teria se tornado um simulacro. Assim atestam os equipamentos de academias em que os exercícios simulam movimentos tais como a caminhada, o passeio de bicicleta, ou subir escadas. Além disso, como o vestuário, o corpo passou a ser regulado pela ‘atualidade’, devendo mudar sempre, acompanhando a moda.

Na visão desse autor, o corpo torna-se dessexualizado à medida que sua verdadeira realidade é abolida e volatilizada em proveito da neo-realidade do modelo materializado por meio da comunicação. Como qualquer outro objeto do consumo, o corpo é transformado num acontecimento, do qual são eliminadas as características objetivas (idem: 147-149). Enquanto um manequim, ele deixa de possuir espinhas, celulite, suor, sensações de frio, dor... É por isso que, num contexto de mudança nas formas de sensibilidade, ele apresenta-se como um excelente alvo das propagandas da indústria de cosméticos, pois, mesmo desejando igualar-se ao manequim, um corpo vivo jamais alcançará sua condição, o que faz com que esse desejo resulte em possibilidades de lucro infinitas.

Em suma, Baudrillard considera o corpo como o mais belo, precioso e resplandescente de todos os objetos na panóplia do consumo, ainda mais carregado de conotações que o próprio automóvel. Se, no passado, todos os esforços eram dirigidos para a salvação da alma, hoje, é como se os dizeres da publicidade denunciassem que ele, o corpo, a substituiu em suas antigas funções morais e ideológicas, sob o seguinte lema: ‘Temos um só corpo e é preciso salvá-lo’ (ibidem:212).

O curioso é que, se durante séculos, tenha havido um esforço tão grande para convencer as pessoas de que elas não tinham um corpo, hoje tudo leva a convencê-las do próprio corpo. Mas o corpo não seria a própria evidência? Esse autor responde que não, pois o estatuto do corpo é um fato da cultura. Segundo ele, o modo de organização em relação ao corpo reflete o modo de organização da relação das coisas e das relações sociais, de modo que

está em acordo com Lévine e Touboul (citadas à página 29), quando afirmaram que ‘o corpo se dá, (...) de modo igualmente imediato, como um ser natural e como um objeto social, ou seja, como um objeto de inscrição de valores próprios a uma sociedade na própria carne dos homens que a compõem’ (Lévine e Touboul,2002:13)’.

Desse modo, não é de se surpreender que o estatuto geral da propriedade privada se aplique igualmente ao corpo, à prática social e à representação mental que dele se tem. Ao invés de ser negado, deve ser intensamente ‘investido, nos sentidos econômico e psíquico’ (Baudrillard,op.cit.:213-4). Esse investimento pode assumir infinitas variações, a nível indivídual, assim como pode refletir padrões referentes aos diferentes segmentos da sociedade. Dentre inúmeras outras, e perpassando diferentes segmentos sociais, a malhação foi descrita como uma das maneiras mais emblemáticas de investimento sobre o corpo na atualidade.

O que está em jogo, nessa dinâmica é que, sob essa relação de investimento, o corpo assumiu uma condição de mercadoria, idéia que remete ao que Marx denominou ‘o caráter fetichista130

da mercadoria e seu segredo’. Por meio desse conceito, na busca da compreensão crítica da economia e ideologia capitalistas, Marx descreveu a civilização burguesa como o lugar onde o mais ordinário dos bens manufaturados se torna uma figura prodigiosa. A mercadoria moderna, portanto, consiste no substrato de uma operação quase alquímica, fato que Marx identificou como um dos estragos provocados pela ‘emancipação do valor de troca em relação ao valor de uso’ (Rigaut,2004:18).

Não é possível esclarecer aqui todas as relações estabelecidas por Marx em sua teoria do valor, mas o principal é que, se à primeira vista, as mercadorias aparecem como algo trivial, facilmente compreensível, sua análise mostrou-as cheias de sutilezas e ranços. Marx compara-as aos produtos do cérebro humano que, nas práticas religiosas, são aparentemente

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A palavra fetichismo apareceu no meio do século XVIII no campo da antropologia da religião. Esse substantivo, derivado do portuguêsfetisso (feitiço: sortilégio, encantamento), foi utilizado para designar o peder de proteção que certos povos reconhecem em objetos inertes. Ele distingüe-se da idolatria, por ser anterior a qualquer forma de organização do sagrado, consistindo numa resposta ‘espontânea’, mais ‘material’ que verdadeiramente espiritual. Essa definição alimentou o pensamento proto-etnológico do século XIX, por meio da noção mais ampla de ‘animismo’ (Rigaut,2004:17).

animados de vida própria e consistem em entidades independentes, em relação a elas mesmas e aos homens. O que ele chama de fetichismo se prende aos produtos do trabalho quando eles aparecem sob a forma de mercadoria e também é inseparável de sua produção. O fetiche provém do caráter social particular do trabalho que as produz. A cisão entre o produto do trabalho e o objeto de utilidade e objeto de valor se realiza no momento da troca. Os objetos úteis são produzidos, portanto, visando à troca e o caráter de valor das coisas já é vislumbrado desde a sua produção. Enfim, somente por meio dessa troca é que os produtos do trabalho adquirem a realidade de valor social, uniforme, distinto de sua realidade sensível, enquanto objetos de utilidade (Marx,1946:57-8).

Por isso, Marx criticou os economistas que pensavam ter descoberto uma espécie de ‘substância química’ que determinaria o valor de uso das coisas, pois, para ele, esse valor se realizaria somente na troca, dentro de um processo social. Ele sugeriu que, quando Galiani afirmou, em 1801, que ‘o valor das coisas é uma relação entre pessoas’, deveria ter acrescentado: ‘escondida sob o envelope das coisas’ (ibidem:62). A fim de ilustrar essas idéias, ele afirmou que, caso as mercadorias pudessem falar, diriam: ‘Nosso valor de uso pode interessar ao homem, mas o valor de uso não é um atributo material nosso. O inerente a nós, enquanto coisas, é o nosso valor, (...), enquanto nós somente nos relacionamos umas com as outras pelo valor de troca’ (Marx, 1946:72).

Após essa breve exposição do fetichismo da mercadoria, em Marx, pode-se introduzir o conceito de ‘estética da mercadoria’, com o qual trabalhou Haug (1997), a fim de explicitar que a base material do reinado absoluto da última é justamente o risco de ‘encalhe’ que ronda permanentemente a produção de mercadorias, o que retoma a discussão acerca das transformações ocorridas no sistema capitalista após a crise da Bolsa de Valores de Nova York em 1929.

O que interessa aqui foi que ele observou que os destinatários humanos da propaganda também são tratados como mercadorias, à medida que essa lhes oferece, por exemplo, roupas, e de maneira análoga, uma boa-forma corporal, enquanto ‘embalagens para si mesmos’,

tornando-se, portanto mercadorias que são embalagens para o indivíduo-mercadoria. Nesse âmbito, as duas áreas centrais nas quais a propaganda apresenta soluções para os mesmos problemas de recepção e venda que os das mercadorias propriamente ditas são a carreira profissional, ou seja, o mercado de trabalho, e a reputação geral, em especial, o sucesso amoroso. Ele citou que, ainda em 1968, à indagação de ‘como pessoas inteligentes muitas vezes não progrediam nem alcançavam sucesso em sua profissão’ um anúncio respondia que a causa não deveria ser o azar, mas provavelmente, sua ‘embalagem’, lançando sua mensagem: ‘com um novo terno, você vender-se-á melhor! E quase sempre é isto o que importa na vida’. No ano seguinte, uma revista recomendava a uma mulher que buscava uma relação amorosa: ‘torne-se arrebatadoramente linda... (...) se quiser sondar o mercado, você precisa se oferecer na mais sedutora embalagem...’ (Haug,1997:105).

Haug descreve assim a atração que a embalagem da moda exerce sobre o sucesso amoroso, levando a relacionamentos que aparecem sob a forma dinheiro-mercadoria, por meio da imposição de um novo padrão para se obter sucesso na profissão e no amor:

‘A concretização desse novo padrão não foi aqui a causa motriz, mas meio e efeito colateral do ponto de vista do interesse e da força motriz determinantes. As maneiras de ambicionar o sucesso e do comportamento amoroso são, segundo essa sua transformação, subproduto de determinadas estratégias de ambicionar o lucro. Essas estratégias pretendem tornar vendáveis determinadas mercadorias dos complexos de uso profissional e amoroso. A sua tática consiste em oferecer as respectivas mercadorias aos seus destinatários como meio para tornarem a si mesmos vendáveis. Trata-se essencialmente da propagação de uma determinada disposição humana para a compra; a par disso, e inseparável do objeto e da técnica, propaga-se acomprabilidade das pessoas. Da perspectiva da empresa anunciante, trata-se da valorização de seu capital (idem,106)’.

Assim como Haug interpretou os gastos com roupas como investimentos de capital, os cuidados com o corpo reproduzem esse mesmo impulso, cuja esfera ele denominou ‘comercialização da aparência superficial do corpo’. Ele descreve uma mudança ocorrida na relação entre a pessoa e seu corpo à medida que a fome de lucros ampliou o mercado dos cosméticos a ponto de suas estratégias passarem a penetrar nos poros da sensualidade humana:

‘O setor (dos cosméticos) cresceu e obteve lucros a partir de uma propaganda maciça com o mesmo objetivo puramente instrumental de submeter a relação entre a pessoa e seu corpo, ou o dos outros, a transformações radicais. (...) O seu cheiro (do corpo) passa a ser repugnante. (...) Desse modo, surge uma nova norma social imediata e prepotentemente apoiada nossentidos do indivíduo, relativa à normalidade, ao asseio, em contraposição à repugnância e ao inferior. Pode-se denominar esse fenômeno de padronização da sensualidade. Ele ilustra como os mecanismos cegos da ambição de lucro, enquanto meio em si indiferente para um fim e, enquanto sub-produto do lucro, moldam a sensibilidade humana’ (Haug,1997:109-110).

A questão fundamental que aí se descortina é que, na sociedade capitalista, o corpo e os cuidados com ele não escapam a essa condição de mercadoria. Não somente os produtos cosméticos, mas as práticas que têm como objetivo a transformação de sua forma, estão diretamente relacionados a um tipo de sensibilidade vigente. O sentido mais importante, neste caso, a ser agradado, no outro, é o da visão, mas pode-se constatar uma modificação em relação ao sentido do tato, tanto o seu próprio quanto do outro.

É importante, por outro lado, levar em consideração que não se pode reduzir tudo a um esquema perverso ao qual os indivíduos são submetidos cegamente, pois é incontestável que o movimento e uma alimentação saudável, tragam, freqüentemente, a sensação de prazer e bem- estar, além dos extensamente comprovados benefícios à saúde. Contudo, o que se discute aqui é a qualidade como esse movimento é exercido, e a finalidade (que reside na opção por uma atividade) que aponta muito mais para o alcance de uma forma futura do que para o prazer imediato de sua realização. Ou seja, a questão do valor de troca está presente desde a produção, conforme havia observado Marx.

As idéias de cultura de massa e de indústria cultural estão, portanto, relacionadas à veiculação de uma espécie de modo de vida, atrelado, por sua vez, aos produtos e opções de atividades físicas oferecidas a um determinado tipo de sensibilidade que se configura a partir daquele desejo de atingir a boa-forma. Sob esses aspectos, diante da instauração de novos referentes culturais e estilos de vida, fundados numa ‘cultura do narcisismo’, novas implicações psicossociais e políticas favoreceram a constituição do indivíduo contemporâneo.

Na lógica dessa cultura, a busca da realização individual ocorre por meio da apropriação dos signos do consumo. Englobando a esfera da relação com o corpo, é gerada uma insaciável preocupação, e desencadeando num crescimento vertiginoso da ‘indústria da beleza’, nesse contexto, tornou-se um novo alvo do consumo.

Entretanto, embora o fenômeno da ‘sociedade de consumo’ esteja sendo tratado em seus contornos mais recentes, Morin recorda que, muitas décadas antes, Marx já havia observado, na 'Contribuição à Crítica da Economia Política' (1844), que a produção cria o consumidor, à medida que ‘produz não só um objeto para o sujeito, mas também um sujeito

para o objeto’ (Marx apud Morin,1969:47).

Em suma, à medida que ele desencadeou mudanças no nível da subjetividade individual, todo esse quadro dos desdobramentos pelos quais passou o sistema capitalista, em suas sucessivas reformulações, no sentido de dar origem à sociedade de consumo, foi descrito a fim de auxiliar a compreensão da emergência da personalidade narcisista, em especial se for recordado o pressuposto de que ‘determinadas formas societárias implicam a gestação de novas formas de organização da identidade, de modo que cada sociedade estimula aqueles traços de personalidade mais adequados à sua manutenção’ (Severiano, 2000:19).

Enfim, é possível vislumbrar as relações entre cada uma dessas reestruturações do sistema e a instauração de personalidades em que são acentuados os traços a ele mais condizentes. Em outras palavras, sob a compreensão de que um determinado sistema não gera somente produtos e mercadorias, mas também determinadas configurações de subjetividade (Vandenberghe,2005). Sendo assim, apresentados os aspectos da sociedade, a partir deste ponto, será enfocada a subjetividade individual. Sob esta perspectiva, aquele ethos dos primeiros capitalistas, inscrito num contexto material específico, que priorizava a busca