• Nenhum resultado encontrado

2. SOBREVOANDO MARCAS

2.2. Segmentação da Cultura

Descrito o processo da transformação de valores de austeridade e acumulação para uma ética do consumo, lazer e desfrute, relatou-se o surgimento de outras maneiras de acumular capital que não no corpo e de novos padrões de beleza. O corpo passou a assumir um protagonismo sem precedentes, sob o conceito de boa-forma que se confundiu com a magreza, associada a músculos fortes e definidos. Esse padrão está fortemente relacionado às aspirações narcisistas, ao mesmo tempo em que se constituiu num lucrativo ramo da sociedade de consumo. Por trás de sua hegemonia, coexistem diversas estratégias de construção do corpo, dentre elas a prática de atividade física, que se abre num vasto leque de modalidades. Por trás de um modelo hegemônico, a sociedade pós-fordista assistiu ao surgimento de uma variedade de opções, o que se reflete na variedade dos meios disponíveis para buscar o corpo ideal. Por outro lado, os frankfurtianos afirmaram que a indústria diversificou seus produtos sem que isso viesse a consistir numa verdadeira identidade, mas sim num processo de pseudo-

individuação.

Situando-a no âmbito das práticas corporais, é introduzida aqui a noção de segmentação da cultura. Ela está relacionada àquela característica do terceiro espírito do capitalismo de oferecer, em diversas esferas da vida, uma grande variedade de opções (e de marcas). Servindo como uma ilustração para o tema em tela, pode-se estabelecer uma analogia entre como ocorre esse processo nos meios de comunicação e no âmbito das práticas corporais, comparando-se o público de leitores ao de praticantes de atividade física. Além de auxiliar a compreensão da idéia de segmentação, a proliferação de revistas especializadas e a presença freqüente do tema em revistas de variedades – um dos elementos que motivaram à escolha do tema desta tese - demonstram que o culto ao corpo se tornou um importante filão editorial. Portanto, as revistas oferecem um quadro bastante elucidativo acerca de variados aspectos que entram em jogo na cultura contemporânea, inclusive o culto ao corpo.

Mira observou que as revistas sempre foram mais segmentadas que meios de comunicação mais caros, tais como o cinema e a TV. Investigando exemplares de revistas, de

grandes e pequenas tiragens, a autora estabeleceu a especificidade dos leitores, seus respectivos estilos de vida e o que diferenciava umas das outras, percebendo que as grandes fronteiras entre os públicos eram basicamente as variáveis sociológicas de gênero, geração e classe social137

(Mira, 2000:11)138

. Essa realidade não se refere a fórmulas editoriais que se mundializam, mas sim a modelos culturais que correspondem, em cada país e num dado momento, a uma condição moderna vivenciada por certos segmentos de público139. Se de um lado, essas diversas publicações estabelecem canais de comunicação com condições de vida, hábitos e práticas específicos, de outro, à medida que a sociedade de consumo ganha dimensão mundial, a segmentação consiste numa estratégia para atingir novos nichos de mercado, ao se cruzarem essas três variáveis básicas e se especificarem as ofertas. Segundo uma dinâmica cada vez mais sofisticada, o leitor tornou-se um consumidor em potencial, e o editor um especialista em um grupo de consumidores. Tendo se tornado uma espécie de ‘catálogos de compra’, as revistas penetram nos meandros da subjetividade, relacionando-se diretamente à construção da identidade e ao modo de vida de seus leitores.

Na sociedade brasileira, a modernização levou a uma considerável transformação de todos os setores da produção cultural com vistas ao mercado. Desde os anos 1960, período de grandes transformações mundiais, com o surto de industrialização e urbanização no país, o surgimento de um leitor apressado passou a exigir publicações que trouxessem o máximo de informação num mínimo de tempo140. A partir dos anos 1980, a construção da auto-imagem e a 137

Porém, ela ressalta que, se ‘mulheres’ e ‘jovens’, por exemplo, acabaram por se constituir como alteridades e segmentos do mercado consumidor, as diferentes classes, embora demarquem níveis de consumo desiguais e uma diversidade quanto à preferência por certos produtos, não podem ser vistas exatamente como segmentos. Isso porque as diferenças de classe atravessam toda a cena cultural (Mira, 2000:11-2).

138

Num estudo acerca da questão da segmentação da cultura sob o ponto de vista da atual adoração pela boa- forma, Castro (2003) propôs o mesmo recorte utilizado por Mira (2000) - gênero, geração e classe – para investigar os estilos de vida de grupos freqüentadores de diferentes modalidades de atividades física de algumas academias de São Paulo, relacionando também seus achados ao conteúdo das revistas especializadas, o que será descrito adiante.

139

A autora considerou as revistas um meio privilegiado para abordar o antagonismo entre massificação e diversificação da indústria cultural, de modo que o tema da globalização e da segmentação constituíram, portanto, os fios condutores de sua pesquisa.

140

As revistas Playboy (1975) e Nova (1973) , por exemplo, marcaram a delimitação dos grandes segmentos mundiais em termos de gênero, além de traduzirem mudanças de costumes. Globalizadas, possuem como leitores,

elevação da auto estima deixaram de se relacionar unicamente à moda e seus artifícios, tais como as vestimentas e maquiagens, e passaram a se inscrever profundamente no corpo. A crescente preocupação com a forma física se reflete no fato de Nova ter originado Saúde! e

Boa Forma, que se especializaram no tema. No contexto do avanço do processo de

segmentação da mídia, surgiram inúmeras outras revistas141 .

A temática do corpo e do estilo de vida, que já recebia ênfase nas revistas voltadas para o público jovem, passou a ser introduzida nas revistas femininas e masculinas tradicionais, como ‘Cláudia’, ‘Nova’ e ‘Playboy’. Pouco a pouco, observa-se o declínio da fórmula de beleza que se baseava em artifícios, tais como o pan-cake, as perucas e as unhas postiças e a transformação na direção de um corpo natural e saudável, associado a atividades físicas prazerosas142

, tendo como temas básicos os exercícios físicos e as dietas (ibidem:187).

Dos anos 1990 em diante, as revistas especializadas em corpo passaram a proliferar abundantemente nas bancas143

. Nelas, identificam-se duas tendências marcantes ligadas ao culto ao corpo: uma que se preocupa com a saúde e outra cujo objetivo é estético. Apesar da respectivamente, homens e mulheres do Brasil, cujo perfil muito se parece com o dos norte-americanos (idem: ). Nesse período surgem as revistas Claudia, Quatro Rodas, Realidade e Veja. Claudia e pretendia atualizar a ‘mulher brasileira’ e consolidou a imprensa feminina no Brasil.Quatro Rodas reuniu elementos voltados para o público masculino, surgindo quase simultaneamente à implantação da indústria automobilística no país. Veja (1968), ao contrário deRealidade (1966), que durou dez anos, sobrevive até hoje como uma revista semanal de informação.

141

Podem ser citados, como exemplos: Pop e Bizz, para o público jovem, Capricho e Carícia, para garotas,

Placar e Fluir, respectivamente sobre futebol e esportes radicais, e Casa Claudia, sobre decoração. Exame Vip

expressa o estilo de vida e as marcas de classe de seus leitores, em geral sofisticados executivos.Contigo e Caras enfocam a vida e a intimidade dos ‘olimpianos’, ou seja, os ricos e famosos, astros de telenovela e pessoas da alta-sociedade, tema discutido adiante neste capítulo.

142

A idéia é bastante complexa, à medida que as revistas não deixam de consistir em catálogos de venda, conforme assinalou a própria autora. O fato é que, para se atingir o corpo com a referida aparência de ‘natural’, é importante dedicar alguns esforços, entre eles inclusive o da compra de produtos, anunciados pelas próprias revistas. O final da década de 1990 assistiu a uma proliferação das práticas cirúrgicas, em especial, às de implante de silicone, o que vai na contra-mão dessa idéia de ‘corpo natural’. O que entra em jogo são os ‘gostos diferenciadores’ que por sua vez situam-se no contexto dos valores de distinção de cada grupo social e época determinados, o que leva alguém a considerar certa característica como ‘chic’ ou ‘brega’, temas tratados durante a pesquisa de campo deste trabalho. Em relação a essas transformações ao longo do tempo, surge o tema da moda, que será discutido adiante.

preocupação estética prevalecer sobre a questão da saúde, elas não são incompatíveis, em princípio, pois a primeira tende a englobar a segunda, e ambas confundem-se, já que prevalece a idéia de que um corpo saudável é um corpo bonito e vice-versa. Desse modo, o exercício físico e a dieta aparecem como pontos de confluência entre essas duas visões, pois quem se alimenta corretamente e faz exercícios físicos tem um corpo bonito (magro) e evita problemas circulatórios, respiratórios, depressão. Simultaneamente, a obesidade tornou-se o grande mal de uma sociedade sedentária e da abundância, para as classes que consomem (ibidem:185-6)144 .

Manifestando essas duas tendências, surgem ‘Saúde!’ e ‘Boa Forma’, sendo esta a primeira a ocupar o rico filão do mercado dofitness. ‘Corpo a Corpo’ que, no início, tratava de temas ligados à ecologia, esoterismo e vida alternativa, após a realização de uma pesquisa entre os assinantes, acabou por se concentrar na questão da forma física, pois, segundo o então diretor de sua editora, ‘as pessoas não acreditam mais naquele ‘tipo cabeça’, que não liga para o corpo. É crescente a importância de cuidados com a beleza e saúde’145

(Mira, 186).

Espaço privilegiado para a negociação das diferentes identidades, recuperar a auto- estima passou a ser, antes de tudo, recuperar o próprio corpo, pois é nele que o sucesso e o fracasso são negociados. Observa-se que essas revistas utilizam as convenções básicas do gênero ‘auto-ajuda’, tema cuja expansão vem despertando o interesse das análises sociológicas, à medida que seus altos índices de vendagem correspondem a uma forte tendência da subjetividade contemporânea.

Giddens identificou no livro do gênero ‘O sentido do corpo’, de Vernon Coleman, um sintoma de que a aparência e a postura, em ambientes pós-tradicionais da alta modernidade, 143

Seria possível dedicar um estudo somente à sua análise, mas aqui são somente apontados alguns aspectos relevantes, pois um maior aprofundamento do tema foge a nosso objeto em questão. Conforme citado, o estudo de Castro (2003) baseou-se nas revistas ‘Corpo a Corpo’ e “Boa Forma’.

144

Adiante, quando forem expostos os achados da pesquisa de campo, em todos os universos pesquisados, a idéia de que uma boa saúde está relacionada à boa alimentação e à atividade física é unânime e perpassa as diferentes classes sociais.

145

Essa revista é publicada pela Editora Azul, e o depoimento do diretor de então encontra-se no artigo ‘Movimentação do segmento de revistas defitness’, citado por Mira, 86.

não podem mais ser consideradas definitivas. O corpo participa de maneira muito direta do princípio de que o eu deve ser construído. O ‘sentido do corpo’ envolve algo que os especialistas não podem oferecer, mas simplesmente auxiliar, quando consultados, que é o ‘cuidado do corpo’. Abordando desde hábitos alimentares aos cuidados com a saúde, o livro oferece um programa de triagem visando a um concreto planejamento da vida, trazendo consigo uma idéia exageradamente simplista: uma lista de controle que permite, por meio de questionários relativos a diferentes assuntos, o cálculo da expectativa de vida da pessoa (Giddens,2002:97). O corpo é um elemento importante na reflexividade moderna, já que ‘regimes corporais e a organização da sensualidade (...) se abrem à atenção reflexiva contínua, contra o pano de fundo da pluralidade da escolha’ (ibidem:98). Vale a pena atentar para esse conceito, muito utilizado por Giddens, que se refere ‘à capacidade tipicamente humana de monitorar a própria conduta e de voltar-se sobre seus próprios produtos e repensá-los, com maior ou menor produtividade’ (Domingues,2001:156). Para esclarecer essa idéia, Domingues afirma que:

‘duas lógicas atuam na reflexividade: a do inconsciente – segundo Freud, o local do desejo e da fantasia – e da atividade consciente do ego. Esta, por seu turno, pode ter caráter meramente prático ou envolver articulação discursiva. Racional é a reflexividade que se exerce de forma sistemática. A reflexividade se processa no plano individual – sempre referida, por outro lado, aos processos interativos em que os agentes atuam - bem como no coletivo – dentro de subjetividades coletivas e na interação entre elas’ (Domingues:156).

Domingues também demonstrou que na literatura de auto-ajuda, assim como no senso comum, apresenta-se, ainda que diluída, a noção de ‘indivíduo utilitário’ - herdeira do ‘utilitarismo’, corrente filosófica surgida entre os séculos XVIII e XIX concomitantemente à Revolução Industrial, na Inglaterra. Para tal, observou que, em ‘O sucesso não ocorre por acaso’, Lair Ribeiro assegura que para ‘conseguir o que você quer’, é preciso planejar, conforme descreve abaixo:

‘Em outras palavras, definidas suas ‘metas’ imediatas e ‘finalidades de vida’, trata-se de buscar a melhor maneira de atingi-las146

. Ou seja, definidos seus interesses de curto e de longo prazo, cabe ao sujeito centrar-se, estabelecer uma direção determinada e sistemática para sua ação, bem como autocontrole, de modo a adequar, da melhor maneira possível, os meios a seu dispor aos fins que almeja alcançar. Originalmente os filósofos da Ilustração e do utilitarismo acreditaram que o sujeito teria, salvo distorções que poderiam ser removidas, clareza em relação a seus interesses e objetivos; racionais por princípio, eles se organizariam mental e praticamente para utilizar-se do mundo a seu redor, inclusive de seu corpo, visando a realização de seus projetos’ (Domingues: 2001: 29).

Na fórmula da literatura de auto-ajuda, compartilhada por livros e revistas, são facilmente localizadas as noções de ‘reflexividade do eu’ e de utilitarismo. Como exemplo, pode ser citada a matéria em que uma da nutricionista aconselha como ir ao supermercado ‘sem colocar em risco a dieta’, sugerindo que se faça uma lista sem supérfluos, que não se vá às compras com fome, que se inicie pelo setor de ‘horti-frutis’, incluindo versões lights dos produtos (Eloísa Guarita,Dieta Já!,junho de 2004, p:8)147

. O trecho a seguir apresenta algumas soluções para lidar com o perigo de ‘engordar no inverno’:

‘É só dar uma esfriada no tempo e – perigo! – a gente relaxa logo na preocupação com a silhueta. Tudo favorece a um certo descuido: as roupas que encobrem os pneuzinhos, a fome extra que dá e, principalmente, as comidas gostosas, quentes e mais calóricas (...) Lembre-se de que o importante, sempre, é ter prazer em tudo o que se faz.148

Se o regime é um sofrimento, claro que fica mais fácil capitular e deixá-lo de lado diante do primeiro cheeseburger que aparece na frente. Por isso, 146 É curioso como os valores vigentes são percebidos pela arte, de modo que a canção de Moska, cantor e

compositor carioca, faz uma crítica da idéia contida no trecho citado: ‘te chamo para a festa mas você só quer atingir sua meta’.

147 Os questionários de ‘monitoramento’ exercem forte atração no público das revistas do gênero: são uma

espécie de ‘teste psicológico’ acerca de algum aspecto da vida, baseados cujos resultados se traduzem em pontuações, numa linha semelhante aos programas de Coleman. Um exemplo do tipo é apresentado em ‘pronta para lidar com os altos e baixos da dieta!’ (idem: 26-7) (acrescentar outros exemplos). A matéria apresenta referência a cuidados correspondentes às respectivas estações do ano, tais como o perigo de engordar no inverno, tema freqüentemente mencionado nos editoriais das revistas.

148Observa-se aí uma contradição num discurso que mistura prazer e sacrifício, tema abordado anteriormente em relação às palavras de ordem que obrigam à diversão e ao lazer.

é importante que seus pratos prediletos sejam incluídos no cardápio’ Rosana Faria de Freitas, diretora de grupo (idem: 3).

Na mesma linha, a revista ‘Dieta Já!’ traz uma seção fixa, chamada de ‘minha história’, com o relato de uma ‘pessoa comum’ acerca da transformação de seu corpo – alguém que conseguiu ‘vencer a batalha’ contra o peso e emagreceu muitos quilos. Como exemplo, a paulista Érica Paschoal conta que ‘deu uma reviravolta completa na vida: afinou 46kg , transformou-se em corredora e está cursando Educação Física’ (Dieta Já!, junho 2004,p:15). Indicada na foto da capa, a seção que aborda personalidades do mundo artístico e esportivo, revelando o que fazem para manter a boa-forma, também é uma atração importante. A atriz Suzana Vieira posa apresentada pelo seguinte subtítulo: ‘aos 61 anos e com um corpo de 30 - ela conta como conquistou essas formas’.

Mira afirmou que as pessoas comuns ofereceriam uma identificação direta com as leitoras, enquanto as atrizes e atores, modelos e esportistas dividiriam o espaço com os especialistas. No entanto, é importante ressaltar que, enquanto a base do convencimento dos últimos reside em seu discurso de autoridade científica, os ‘olimpianos modernos’ - um produto original do novo curso da cultura de massa - possuem um papel bastante peculiar. Foi assim que Morin se referiu aos ‘ricos e famosos’ da mídia os quais, simultaneamente magnetizados no imaginário e no real, como o herói-deus da tradição cristã, possuem uma dupla natureza: embora sobre-humanos no papel que encarnam, são humanos em sua existência privada, pois é dela que é retirada a substância para sua identificação, nesse caso, com o leitor (Morin,1969:111).

‘Condensadores energéticos da cultura de massa’, encarnando mitos de auto-realização da vida privada, eles tornam-se modelos de cultura, de conduta e de vida, refletindo valores do imaginário contemporâneo. Essa idéia é ironicamente sintetizada no lema que um bem sucedido corretor de imóveis, personagem do filme ‘Beleza Americana’, repete a si mesmo e a uma ‘discípula’: ‘O segredo do sucesso é aparentar sempre uma imagem de sucesso’.

Segundo Morin, a sobre-individualidade dos olimpianos consiste no fermento da individualidade moderna, o que leva sua presença a todos os setores da cultura de massa (ibidem:113-4). Sua afirmação, embora feita há mais de trinta anos, permanece atual, e pode ser estendida aos modelos de conduta no que diz respeito ao corpo, à medida que, como foi demonstrado, nas revistas defitness, os olimpianos oferecem dicas e relatam o que fazem para atingirem sua tão desejada ( ou ‘invejada’) perfeição.

Castro elaborou também um estudo interessante acerca das relações entre mídia e sociedade no que se refere à questão do corpo, analisando a maneira pela qual se dá a mediação entre as tendências, valores e padrões relativos ao corpo da sociedade e as necessidades mercadológicas do produto. Ao longo das entrevistas da pesquisa de campo, a autora percebeu uma forte sintonia entre as propostas editoriais abordadas e as motivações individuais (Castro, 2003:60). Ela explica que o culto ao corpo consiste numa manifestação cultural que conta com uma base material concreta, e que dá sustentação ao discurso hegemônico sobre corporeidade, o qual perpassa toda a sociedade como ideologia – doutrina, sistema de valores, que expressa a disputa de interesses econômicos em jogo – e como cultura - ou seja, como um processo social no qual os homens definem e modelam suas vidas. Pela análise de questões como essas, que se manifestam no discurso das revistas, a autora relacionou a lógica dos usos e a lógica da indústria cultural149

.

Recorda-se que, por meio da expressão ‘indústria cultural’, os teóricos da Escola de Frankfurt150

- Adorno, Horkheimer, Marcuse – criticavam a racionalidade técnica e o processo 149

Castro analisou as revistas ‘Corpo a Corpo’ e ‘Boa Forma’, junto ao discurso de freqüentadores de academias de ginástica paulistas. As publicações mesclam argumentos estéticos e técnicos, trazem dicas e funcionam como ‘catálogo de compras’ da indústria da beleza, subdividida também em correntes variadas de estilos e gostos pessoais.

150

A expressão ‘indústria cultural’ foi cunhada por Adorno, na década de 1940, ao analisar a questão dos bens culturais (Adorno,2002:9), a fim de estabelecer um contraponto às noções usuais de ‘cultura de massa’ e ‘cultura popular’. Isso porque, enquanto as últimas remetem à idéia de que as massas seriam as criadoras das mercadorias culturais por elas consumidas, Adorno ressaltou que a produção, distribuição e recepção dos produtos culturais - veiculados pelas emissoras de rádio, televisão, editoras de revistas e ‘best sellers’ - são organizadas de maneira industrial e seguem os mesmos processos de padronização e de alcance ao respectivo público alvo que os dos demais segmentos da indústria. Isso o levou a afirmar que ‘a indústria cultural, mediante suas proibições, fixa positivamente (...) uma linguagem sua, com uma sintaxe e um léxico próprios’ (ibidem, 2002:17-19).

de uniformização exercido sobre os indivíduos. Segundo esse processo, ‘a eliminação das diferenças possibilita a previsibilidade e o reforço da dominação, enquanto as malhas do tecido social vão sendo cada vez mais atadas de acordo com o modelo do ato de troca’(Adorno:1986:78). À primeira vista, portanto, a idéia de segmentação parece incompatível com a de massa, levando à indagação de ‘como pode ao mesmo tempo ser a