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Essas mudanças e flutuações nas concepções do sujeito contemporâneo já foram identificadas pela publicidade Tanto que, num curto intervalo de

televisão, percebe-se que alguns comerciais, preocupados em atingir

nichos de mercado os mais variados possíveis, procuram afirmar que se os

produtos que anunciam se prestam a vários tipos de personalidade e estilos

de vida. Podem ser citados o do

shopping ‘Conjunto Nacional’, de

Brasília, que descreve personagens com diferentes tipos de perfil; o do

Banco ‘HSBC’, no qual um único ator, passa por muitas metamorfoses-

relâmpago, transformações radicais, sucessivas e rápidas, visando a

transmitir a idéia de que, ao longo da vida, uma pessoa pode assumir

variados estilos, atentando para a provisoriedade e volatilidade das

identidades da sociedade contemporânea, transmitindo a idéia de que

nossas identidades e nossa aparência estão em mudança permanente, para

a qual aquele é o melhor banco. O

jingle do Banco ‘Itaú’, por sua vez,

apresenta variados tipos-ideais de personalidade: ‘modernos, apressados,

práticos, urbanos, que precisam de um banco’ – representados por pessoas

com aparência ‘alternativa’, de artista, praticante de esportes radicais,

funcionária de repartição – a fim de veicular a mensagem de que aquele

banco é o ideal para todos eles, apesar de suas diferenças, lançando o lema

sugestivo ‘quem tem que ser careta é o seu banco e não você’. Assim, ao

invés de relacionar as empresas anunciadas somente a públicos mais

‘convencionais’, e se perderia uma parcela significativa do mercado

consumidor, fica nítida a intenção da propaganda de atingir os mais

diferentes públicos.

Essas passagens levam à idéia de que a hiper-modernidade assiste a um complexo fenômeno de relação entre a subjetividade individual e seu modo de estar na sociedade circundante: de um lado existe uma grande pressão no sentido da massificação, mas, do ponto de vista individual, a necessidade de se afirmar enquanto único, ter o seu próprio estilo, ou simplesmente, ‘ter estilo’. De volta, como foi abordado no capítulo da ‘segmentação’, o mercado se sofisticando para captar cada vez mais os gostos de seu público, e dirigindo-se a seus consumidores como se eles fossem especiais, enquanto paira no ar a evidência de que se é apenas mais um na multidão. Além disso, a busca pela identidade está imbricada ao processo de identificação, oriundo da psicanálise. Por meio dele, nos identificamos com os outros, seja pela ausência de uma consciência de diferença ou separação, seja como resultado das supostas similaridades. A atitude de imitar os ídolos ou se tornar igual a eles, como a garçonete do filme citado, é um exemplo de levar essa idéia às últimas conseqüências165

.

Mercer observou que a identidade se tornou uma questão justamente por estar em crise, como ‘quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza’ (idem:9). Em meio a esse tão abrangente processo de transformação, Hall indaga se não seríamos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada.

Em um caminho semelhante, Figueira utiliza a noção de ‘desmapeamento’ para designar a coexistência de mapas, ideais, identidades e normas contraditórias nos sujeitos. O desmapeamento não é a perda ou a simples ausência de ‘mapas’ para a orientação, mas sim a existência de mapas diferentes e contraditórios inscritos em níveis diferentes e relativamente dissociados dentro do sujeito. (as materializações das idealizações passam pelo efeito de

165 A identificação é o processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um

atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações. Se, como apontou Freud, a identificação é o processo pelo qual o sujeito humano se constitui e se esse processo é realizado através da assimilação de alguma coisa do ‘outro’, devemos perguntar como esse ‘outro’ se constitui. Tanto o ‘eu’ quanto o ‘outro’ se constituem pelo mesmo processo, fazendo com que se quebre a idéia de que existe um ‘outro’ original, primeiro. A forma como essa série de identificações asume visibilidade, ou, o processo através do qual ‘o sujeito humano se constitui’, estará fundamentada nas reiterações performáticas (Bento, 18: 220).

desmapeamento (Sérvulo Figueiraapud Bento,189). Todos esses acontecimentos, enfim, estão relacionados com o caráter de mudança da modernidade tardia, a globalização e seu impacto sobre a identidade cultural. Em suma, levantar a questão da identificação impõe a tarefa de refletir sobre os jogos de negação e de afirmação, de repulsa pelo outro, que habitam as margens, e de atração por modelos idealizados de maneira que a identidade é, portanto, marcada pela diferença (Bento,2003:221), o que será explicado nos próximos capítulos sob a dialética da distinção e do estigma.

Faz-se presente, ininterruptamente, uma tensão entre dois movimentos opostos: de um lado, ao longo da modernidade ocorre um fortalecimento da idéia de indivíduo, de liberdade e do lema ‘seja você mesmo’. De outro, a busca de alcançar determinado padrão, processo apontado como uma forma de ‘pseudo-individuação’ pelos estudiosos da Escola de Frankfurt, no sentido contrário à suposta originalidade e singularidade individuais.

2.5. Distinção

1. ato ou efeito de distinguir (-se); diferença, separação: ‘já Aristóteles, na poética, fazia distinção entre o historiador (conta o que aconteceu) e ou narrador (conta o que poderia ter acontecido)’ (Álvaro Lins, Literatura e Vida literária). 2. caracteres, características, qualidades, pelos quais uma pessoa ou coisa difere de outra: Pouca distinção havia entre as duas irmãs. 3. Elegância e reserva no porte, nas maneiras:É mulher de tato e rara distinção. 4. Correção de procedimento; dignidade. 5. Prerrogativa, honraria, privilégio: Recebeu do governo as mais altas distinções. 6. Classificação de distinto em provas ou exames:O aluno obteve distinção em português. (Ferreira, 1986: 600)

No movimento de construção da identidade, reside a busca de alcançar aquilo que é socialmente aceitos – no caso, a beleza – e negar o indesejável. A busca do corpo perfeito está pautada sobre critérios e valores pessoais dos quais as marcas representam a tradução mais explícita. A metáfora do espelho dágua, onde se vislumbram as figuras do Narciso e da Moura-Torta, presta-se a ilustrar a dialética, entre o belo e o feio, o desejável e o indesejável. Extraindo-se, do reflexo, somente seus traços graficamente relevantes, dele restariam somente

‘marcas’. A marca pode ser definida como ‘um sinal que se faz num objeto para reconhecê-lo; desenho ou etiqueta de produtos industriais; categoria, qualidade espécie, tipo; sinal; nódoa, vestígio de doença ou contusão’ (Ferreira,1999:1282). O termo griffre, originário do francês, designa uma roupa comprada em loja cara, com etiqueta famosa e chic, assim como significa ‘arranhão’ e ‘garra’. Ou seja, pode significar algo positivo ou o contrário, tanto elitizar, distingüir alguém como superior, especial, quanto ‘arranhar’, rotular como vulgar, ou ainda, estigmatizar, levando ora à aceitação, ora à rejeição.

Considerando que os valores da subjetividade dos indivíduos de um dado contexto histórico-cultural são socialmente construídos, o corpo sempre foi receptáculo das marcas de sua cultura. Em relação à aparência, signos positivos ou negativos representam critérios de distinção social, no sentido de promover uma superioridade, uma separação das ‘massas’, do ‘populacho’, ou um motivo para discriminação. Uma peculiaridade desta era é a sofisticação alcançada pela questão da boa-forma, a enorme multiplicidade de técnicas aí envolvidas, o que faz com que a aparência do corpo denuncie possibilidades e limites no acesso às práticas existentes.

A idéia de distinção relaciona-se à separação entre o que é bom e o que é mal, o que presta, e o que não presta, enfim, entre o joio e o trigo. Os significados acima auxiliam à compreensão desse fenômeno, que diz respeito não somente ao vestuário, modos, hábitos alimentares, enfim, aos gostos de um modo geral, mas também à questão do corpo e seus respectivos cuidados. Nos grandes centros urbanos do Brasil e do mundo, a partir da década de 1980, ocorreu um verdadeiro boom da malhação e proliferou-se a prática de atividade física em academias e nos espaços livres, preconizadas a todos, sob o argumento da necessidade de manutenção da saúde e da boa-forma (1.5.). Contudo, por razões que vão desde os hábitos alimentares até a disponibilidade de tempo livre e dinheiro, pode-se supor que o corpo ideal apresentado pela mídia, por não estar ao alcance de todos, representa um elemento diferenciador na hierarquia social166., ou seja, um critério de distinção.

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Daí o motivo de terem sido especialmente pesquisados, locais de diferentes níveis sócio-econômicos: a academia mais cara da cidade, pois seu próprio preço já limita o acesso a esse serviço a pessoas de uma determinada faixa de renda, áreas livres freqüentadas principalmente por pessoas de classe média, assim como

É importante esclarecer que, embora essa distinção refira-se a um ponto de vista da contemporaneidade ocidental, essa atitude não consiste numa particularidade deste tempo, à medida que manifesta características das respectivas épocas. A título de exemplo, recorda-se que Elias analisou rigorosamente a lógica interna da sociedade de corte francesa, demonstrando as regras do jogo social segundo as quais os atores se acomodavam. Retratou, assim, um tipo de sociedade que acabou servindo como um modelo, freneticamente perseguido por outras elites, desejosas de manterem seu prestígio social, o que nada mais é do que um conjunto de características distintivas em relação às outras classes (Elias, 1974).

Há também outras modalidades de diferenciação entre grupos sociais que não se referem propriamente à distância entre classes, como são concebidas no Ocidente. Apesar de suas especificidades, o sistema de castas da Índia, sobre o qual Dumont se debruçou, permite algumas analogias com essa idéia num contexto moderno. Trata-se de um tipo de sociedade holista, compartimentada em categorias que se estendem num prisma que vai dos Brâmanes aos Intocáveis (Dumont, 1987:85)167

. A classificação das castas baseia-se num princípio hierárquico de ‘oposição de contrastes’ tais como puro e impuro, o que depende de critérios tais como o próprio regime alimentar e a moral da renúncia (idem: 106). Suas palavras demonstram uma nítida linha divisória entre o homem e a natureza, a qual é evidente não somente entre os hindus, mas como entre nós:

‘Em relação à organização social, as pessoas puras são, por um lado, o equivalente do que chamamos ‘gente de bem’ ou ‘bem-nascidos’. ‘Com relação à natureza, indicamos (…) como a impureza marcava a irrupção do biológico na vida social’(ibidem:111).

uma cidade de periferia, tanto em espaços livres quanto numa academia, com condições materiais radicalmente diversas da primeira. Desse modo, é possível investigar alternativas às quais pessoas de baixa renda lançam mão a fim de conquistar o corpo desejado.

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Conforme citado no capítulo 3.2, ‘o indivíduo’, Dumont observou que, enquanto as sociedades tradicionais dão ênfase sobre o homem coletivo, pressupondo uma hierarquia, a sociedade modernaenfatiza cada homem em particular. Com base nessa percepção, ele as denominou respectivamente sociedades holistas e individualistas.

No que diz respeito ao corpo, pode-se estabelecer uma analogia entre os conceitos de pureza do sistema de castas e os de adequação aos padrões de beleza vigentes. Numa época como a nossa, marcada pela ‘lipofobia’ (Fischler,1995:69), os ‘obesos’, por exemplo, estariam situados no extremo impuro do prisma da hierarquia estética. De maneira semelhante ao descrito na Índia, sua condição física revelaria hábitos alimentares inadequados, uma incapacidade de renunciar a prazeres, uma falta de disciplina para a prática de atividade física, itens que refletiriam ‘indesejáveis irrupções do biológico na vida social’.

Assim, embora possa ser surpreendente que na Índia, o simples fato de comer ou não carne bovina seja determinante para situar alguém numa casta, entre nós, conceitos estéticos vigentes tidos como dados levam freqüentemente o senso-comum a estabelecer uma associação entre aparência e valores morais. Isso leva uma pessoa obesa a ser vista como alguém que não possui auto-controle ou amor-próprios suficientes, tema a que se retornará no próximo capítulo. A efemeridade deste padrão de beleza, contudo, é verificada se lembrarmos que ‘era preciso sem dúvida, no passado, ser mais gordo que hoje para ser julgado obeso e bem menos magro para ser considerado magro’ (Fischler, 1995:79).

De fato, a idéia de pureza referida por Dumont está ligada a valores simbólicos que ultrapassam o aspecto físico imediato de higiene e limpeza. Do mesmo modo, num estudo acerca dos valores e critérios de distinção entre grupos, Elias e Scotson (2000) perceberam uma relevante desigualdade social, onde os indicadores sociológicos correntes, tais como renda, educação ou tipo de ocupação, eram relativamente homogêneos, em ‘Winston Parva’ - nome de um povoado industrial ficitício da Inglaterra. Nesse local, os habitantes mais antigos estigmatizavam os recém-chegados, como se fossem pessoas de menor valor humano e como se lhes faltasse uma virtude superior ou um carisma grupal distintivo. Os autores investigaram as causas dessa atitude e perceberam que os ‘estabelecidos’ forneciam um ‘modelo moral’ para todo o grupo.

É curioso como o relato de uma brasileira residente na África do Sul, cujo marido tem ascendência holandesa, ilustra como por vezes as questões relativas aos grupos discriminados

se confundem, relacionando ‘desvios’ em relação à norma estética vigente à segregação étnica:

‘Ann (uma familiar), ela sim, freqüenta um círculo de amigos negros e mestiços. Talvez por ser muito gorda, e ter a auto-estima muito baixa, ela procure andar com pessoas de classes sociais inferiores, pois lá fica mais à vontade168

De fato, essas relações têm sempre algo em comum. Elias aponta no movimento nazista um exemplo de relação que se encontra no mundo todo. ‘Ele eleva a si próprio ao coroamento da humanidade, ao tipo humano mais valioso, que é convocado pela natureza para dominar outros grupos. Os judeus eram considerados como contraponto, como a parte menos valiosa da humanidade’(Elias, 2000:199).

Em relação à ‘boa-forma’, as diferenças nas condições de existência apresentam-se tanto no domínio da atividade física quanto no da alimentação. Um reflexo disso pode ser encontrado numa pesquisa acerca da história da comida, em que um historiador afirma que, pela primeira vez, em milênios, as classes privilegiadas desejem se distinguir pela magreza, ligada a um estilo de vida sofisticado, e não pela opulência das formas. Por outro lado, apesar da comida leve e saudável custar caro, a difusão dos conhecimentos científicos e o aumento da preocupação com a saúde expandiu-se significativamente ao longo de diferentes segmentos da sociedade, de modo que aquilo que, há algumas décadas, representava somente uma preocupação das elites, atingiu as pessoas de baixa renda. Os meios de comunicação de massa e os profissionais de saúde encarregam-se de divulgar as recentes descobertas científicas, de modo que as práticas corporais desdobram-se em diferentes segmentos e nichos de mercado, e a busca169

de saúde e ‘boa-forma’ não se restringe às classes abastadas.

Prova disso é que, mesmo nas localidades em que a maior parte da população não tem poder aquisitivo para freqüentar uma academia, as pistas públicas estão repletas de pessoas caminhando, com assiduidade, além da própria presença de academias, com preços mais 168Entrevista realizada em outubro de 2003.

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acessíveis àquela população. Apesar desses grupos não possuírem o mesmo acesso aos serviços de saúde, a informação acerca da importância da prática de atividade física é difundida amplamente na sociedade. Nessas camadas da população, muitas pessoas afirmaram prestar atenção à alimentação – por exemplo, tomando cuidado para evitar o excesso de sal e de gordura - e demonstram conhecer a importância desse aspecto para a boa-saúde, o bem- estar e a longevidade.

Tudo isso se dá a partir do modo como são vivenciadas as ‘imagens de nós’ dos grupos dos ‘aceitos’ e dos ‘discriminados’. Membros dos grupos mais poderosos pensam a si mesmos e se auto-representam como humanamente superiores e podem fazer com que os indivíduos ditos inferiores se sintam carentes de virtudes. Dessa maneira, o curso dos acontecimentos assume seu significado e sentido, para os homens nele envolvidos, através da elevação ou diminuição em um esquema prévio de autovalorização. As relações de autovalorização e o núcleo em torno do qual é construída a auto-estima de uma pessoa ou grupo varia imensamente. ‘Seja como for, os seres humanos são sempre valorizados do seu próprio ponto de vista e aos olhos dos outros’ (idem:209).

Elias e Scotson descreveram, por meio do microcosmo de ‘Winston Parva’, processos e propriedades de alcance geral nas relações de poder na sociedade, tais como a maneira como um grupo de pessoas é capaz de monopolizar as oportunidades e utilizá-las para marginalizar e estigmatizar membros de outro grupo muito semelhante (Elias e Scotson,2000:8-13).

Seu trabalho serve, portanto, de guia para o levantamento de outros valores sociológicos à medida que apresenta um caso que ilustra atitudes sociais típicas que podem ser estendidas a toda uma gama de padrões de desigualdade humana: relações entre classes, grupos étnicos, colonizadores e colonizados, homens e mulheres, pais e filhos, homossexuais e heterossexuais, judeus e alemães, deficientes e (ressaltam-se as aspas) ‘normais’ e, por que não, ampliando a discussão para o presente estudo, falar em gordos e magros, novos e idosos, feios e bonitos, ‘sarados’e ‘caídos’.

Essas relações estão presentes também no discurso dos astros da mídia, que nas revistas de boa-forma oferecem espécies de ‘dicas’ para manter seus corpos maravilhosos. Ocorre que ali, estão se auto-representando como superiores sob um esquema prévio de auto- valorização, de modo análogo ao descrito por Elias e Scotson. Não é à toa que freqüentemente é utilizado o adjetivo de ‘poderosa’ para as mulheres ‘olimpianas’170

. Além desses exemplos, conversas cotidianas indicam que a ‘boa aparência’ e a ‘boa forma’ possuem a utilidade de um cartão de visitas, de modo que correspondem definitivamente a um tipo depoder simbólico.

Bourdieu definiu poder simbólico como um poder ‘invisível’ que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que os exercem171

. O corpo magro e perfeito, o rosto jovem, cabelos ‘lisos’ e ‘obedientes’, termos freqüentes nos anúncios de produtos capilares, assim como a pele clara, num país com passado escravocrata, como o nosso, trazem consigo esse poder. Trata-se, portanto, de uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada das outras formas de poder, que se define numa relação determinada entre os que o exercem e os que lhe estão sujeitos, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a ‘crença’. Desse modo, o campo de produção simbólica representa um microcosmo onde se exerce a luta simbólica entre as classes e os diferentes grupos.

Por meio da idéia de distinção, Bourdieu concebe a dimensão do estilo de vida como uma tradução da luta de classes para o plano simbólico. Às diferentes posições no campo social correspondem estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que são a revelação simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência. Assim, em ‘A Distinção’, Bourdieu (1979) elaborou um estudo acerca da ‘sociologia do gosto’ e, assim 170

Não faltam exemplos desses termos nas revistas defitness. A existência desse suposto ‘poder’, e o fato de que ele foi adquirido, conseqüente ao poder aquisitivo propriamente dito, é ilustrada numsite na internet. Trazendo o lema que diz que ‘não existe feiúra, o que existe é gente pobre ou rica’, nesse site é possível acessar fotos de ícones da mídia ‘antes e depois’ do enriquecimento: Xuxa, Carla Perez, Elba Ramalho, Alexandre Pires, Ronaldinho, entre muitos outros.

171 O autor exemplifica, como símbolos de poder, o traje e o cetro reais, que são nada mais do que formas de

capital simbólico objetivado cuja eficácia está sujeita às condições descritas acima. Outro exemplo reside no poder das palavras de ordem, derivado da crença na legitimidade das palavras e daquele que a pronuncia.

como enuncia o subtítulo, ‘uma crítica social do julgamento’. Nessa obra, ele definiu a distinção como ‘o conjunto de mecanismos de diferenciação segundo os quais os grupos sociais dominantes afirmam sua distância em relação às classes subalternas’, de maneira que os gostos diferenciadores indicam ‘um abandono progressivo por parte das primeiras das práticas culturais apropriadas pelas últimas’ (Bourdieu,1979).

Foi assim que, por meio de uma metodologia que combinou a mais clássica análise estatística com um conjunto de entrevistas em profundidade ou de observações etnográficas,