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“hermanas y hemanos, las revoluciones se hanjodido porque no han sido con las mujeres”

(Julieta Paredes)

Figura 25 - Maracatu Coração Nazareno após apresentação em Recife/PE. Foto: Felipe Scapino, fevereiro de 2018.

Mulheres indígenas capturadas, estupradas ou assassinadas. Mulheres africanas e afrodescendentes escravizadas, espancadas, estupradas ou assassinadas. Mulheres negras e brancas submetidas à violência doméstica e total subserviência aos maridos, mulheres negras

e brancas destinadas ao papel romantizado e dócil de mães e donas de casa, um fardo para muitas, que tiveram suas trajetórias pessoais e suas escolhas subjugadas ao protagonismo do homem da casa e dos filhos, tendo suas próprias vidas em segundo plano. Assédios em ambientes públicos, em ambientes privados, em ambientes profissionais. Jornadas triplas de trabalho. Diferença salarial, proibição ao voto, proibição à educação, relacionamentos abusivos e controladores, agressões físicas, violência psicológica, violência obstetrícia, assassinato, feminicídio. Esses são apenas alguns exemplos de mecanismos operantes na sociedade machista patriarcal que impera em cada esfera do sistema vigente e que pode estar presente em ações de extrema violência ou em ações cotidianas. Violências que são aceitas, que foram normalizadas pelas estruturas sociais.

A luta contra a dominação masculina e a desigualdade entre os gêneros tem uma história longa e chama-se feminismo. Apesar da frequente e por vezes convencional interpretação falaciosa e equivocada de que o feminismo é uma tentativa de sobrepor direitos de mulheres sobre os direitos dos homens, o objetivo das lutas feministas é equiparar direitos, erradicar opressões e compensar dívidas históricas com as mulheres.

Maria Amélia de Almeida Teles, a ativista feminista e ex-presa política conhecida como Amelinha, em seu livro “Breve história do feminismo do Brasil – e outros ensaios” apresenta de maneira eficiente um panorama da luta feminista brasileira, tratando desde as lutas das mulheres pré-coloniais, até as lutas atuais passando por momentos variados, como a batalha por creches, organizações informais e formais, militância na Ditadura Militar, conquistas legais de direitos das mulheres e a luta pela legalização do aborto. Ao definir o termo:

O feminismo é uma filosofia universal que considera a existência de uma opressão específica a todas as mulheres. Essa opressão se manifesta tanto a nível das estruturas como das superestruturas (ideologia, cultura e política). Assume formas diversas conforme as classes e camadas sociais, nos diferentes grupos étnicos e culturais. Em seu significado mais amplo, o feminismo é um movimento político. Questiona as relações de poder, a opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre as outras. Contrapõe-se radicalmente ao poder patriarcal. Propõe uma transformação social, econômica, política e ideológica da sociedade. No decorrer do tempo, manifestou-se de formas variadas, todas elas estreitamente dependentes da sociedade em que tiveram origem e da condição histórica das mulheres (TELES, 2017, p.22) .

Geralmente ao avistar a história do feminismo, as primeiras referências vêm das chamadas ‘ondas feministas’, que nada mais são que momentos históricos em que mulheres se organizaram oficialmente e se reuniram em torno de pautas específicas. Divididas em três

ondas, a primeira onda remete ao final do século XIX e início do século XX, com as conhecidas ‘sufragistas’, mulheres brancas que lutaram pelo direito ao voto, participação política e vida pública, já que as mulheres estavam confinadas ao interior da vida privada.

Também faz parte da primeira onda a luta abolicionista, liderada por mulheres negras que sofriam as opressões tanto de gênero quanto de raça, muitas vezes sendo oprimidas pelas próprias sufragistas que cogitavam que, ao alcançar a liberdade os homens negros poderiam se tornar outros agentes a tirar e restringir os seus espaços. Além disso, muitas brancas não suportavam a ideia de ver um homem negro com direito a voto antes delas mesmas (DAVIS, 2016).

O racismo que figurava entre as mulheres brancas sufragistas não apenas relegava a peleja das mulheres negras, como também a negava. Angela Davis, professora universitária e relevante ativista, é contemporânea e discute o feminismo pela ótica da mulher negra em sua especificidade, debruçando-se sobre as violências destinadas às mulheres negras, decorrentes de suas duplas condições de opressão (mulher e negra, gênero e raça). Em seu livro “Mulheres, raça e classe”, recém traduzido no Brasil, mostra como o movimento do sufrágio estadunidense foi segregacionista e violento em termos raciais em oposição à consciência política, colaborativa e agregadora vinda das mulheres negras:

As mulheres negras estavam mais do que dispostas a colaborar com seus “claros poderes de observação e julgamento” para a criação de um movimento multirracial pelos direitos políticos das mulheres. Mas, a cada tentativa, elas eram traídas, menosprezadas e rejeitadas pelas líderes do branco como leite movimento sufragista feminino. Tanto para as sufragistas quanto para as integrantes do movimento associativo, as mulheres negras eram seres meramente dispensáveis quando se tratava de conquistar o apoio das brancas do Sul. Depois da aguardada vitória do sufrágio feminino, as mulheres negras do Sul foram violentamente impedidas de exercer seu direito recentemente adquirido. A erupção da violência da KuKluxKlan em locais como Orange County, na Flórida, causou ferimentos e mortes de mulheres e crianças negras. Em outros lugares, elas foram proibidas de exercer o novo direito de forma mais pacífica. Em Americus, na Geórgia, por exemplo, “mais de 250 mulheres de cor foram às urnas para votar, mas [...] acabaram rechaçadas ou tiveram suas cédulas recusadas pelos supervisores eleitorais [...]” Nas fileiras do movimento que havia lutado de maneira tão fervorosa pela concessão do direito de voto às mulheres, dificilmente se ouviu um grito de protesto (DAVIS, 2016, p. 150).

Portanto, ao tratar e rememorar o movimento das sufragistas na primeira onda do feminismo, faz-se mister atentar para o fato de que, no arcabouço da batalha contra opressão de gênero, coube a podridão do despotismo racial estadunidense.

A segunda onda feminista data já da metade do século XX, ficando mais contundente entre as décadas de 60 e 70 e tem como marca principal a luta por emancipação, pelos direitos reprodutivos e por liberdades, fossem elas civis, sociais e sexuais, bem como a busca por uma maior apropriação e autonomia sobre seu próprio corpo. No campo teórico, é daí que datam as indagações pela explicação e origem da opressão feminina e os primeiros estudos acerca de gênero e sexo, entendendo o primeiro como construção social e o segundo como condição biológica (TELES, 2017)

A terceira onda, com origem na década de 90, é marcada pelo movimento punk que criticava o hiper consumismo advindo dos fenômenos da globalização e do fortalecimento neoliberal. Um dos jargões usados pelas mulheres desse movimento era “do it Yourself!”, ou “faça você mesma!”, em português. Foi no início da terceira onda que cresceu a negação de categorizações ou classificações fixas, abrindo os espaços para as performances. Nessa onda pós-estruturalista, entende-se que não apenas as categorias de gênero, mas também as categorias biológicas são construções sociais, já que toda a história e concepção da ciência ocidental é marcada e enviesada pelo olhar masculino, branco e dominante (TELES, 2017). Em 1990, a pensadora Judith Butler, em sua tese “Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade” é uma a inaugurar essa discussão, que é ampla e largamente debatida ainda hoje.

O advento recente das redes sociais, com organizações e movimentos virtuais operando como dispositivos de denúncias coletivas como as hashtags, podem ser o marco da quarta onda feminista. Por estar muito recente e ainda carente de estudos e teorias, essa não é uma afirmação categórica.

Nos parágrafos acima, baseado na obra de Amelinha, há um breve resumo da organização feminista em um caráter global. Não é a intenção aqui abarcar todos os setores de um tópico tão amplo e complexo e faz-se mister ressaltar que a divisão do movimento em ondas tem uma origem estadunidense e não é um consenso conceitual. É indispensável afirmar, no entanto, que a luta feminista não figura apenas nas chamadas ‘ondas’, que são os momentos mais conhecidos e reconhecidos pelos acadêmicos e pela visibilidade midiática, mas é anterior e traz muito mais nuances e caminhos particulares e transversais do que esse resumo pode abranger. A própria adoção do termo ‘ondas’ é estadunidense e não é um consenso.

O apoio nos escritos de Davis e no panorama do histórico feminista traçado por Amelinha apresentam-se aqui como um suporte para uma compreensão mais ampla das largas dimensões do feminismo, porém é importante ter como ressalvas as grandes diferenças e

especificidades contidas nas relações sociais, raciais e até mesmo nos processos colonizadores e civilizatórios de cada país, cada grupo. Não há uma ‘história única’ do feminismo.

Mulheres negras, mulheres pobres, mulheres quilombolas, mulheres indígenas, mulheres trans, mulheres lésbicas, mulheres. São muitas as categorias e são muitas as especificidades de lutas, todas igualmente importantes e com pautas urgentes a serem debatidas e levadas adiante. Djamila Ribeiro, sobre a importância da multiplicidade de vozes e a não hierarquização de bandeiras de luta, diz:

O debate é sobre a posição ocupada por cada grupo, entendendo o quanto raça, gênero, classe e sexualidade se entrecruzam gerando formas diferentes de experienciar opressões. Justamente por isso não pode haver hierarquia de opressões, pois, sendo estruturais, não existe “preferência de luta”. É preciso pensar ações políticas e teorias de deem conta de pensar que não pode haver prioridades, já que essas dimensões não podem ser pensadas de forma separada. Costumo brincar que não posso dizer que luto contra o racismo e amanhã, às 14h25, se der tempo, eu luto contra o machismo, pois essas opressões agem de forma combinada, sendo eu mulher negra, essas opressões me colocam em um lugar maior de vulnerabilidade. Portanto, é preciso combatê-las de forma indissociável (RIBEIRO, 2016, p. 71).

Todas somos mulheres, todas compartilhamos da opressão de gênero, mas nem todas compartilhamos de outras opressões não menos violentas e urgentes de serem erradicadas, como as de raça, classe ou sexualidade. A nomenclatura ‘mulher’, portanto, não dá conta de abranger sozinha uma única forma de feminismo.

Além disso, por mais que esses movimentos tenham tido um alcance internacional, chegando e influenciando outros países do mundo, como os da América Latina, suas origens foram construídas e desenvolvidas pelas mulheres de alguns países do hemisfério norte, que historicamente dominaram, dizimaram e colonizaram alguns países do sul. É preciso, portanto, encontrar o modo de luta das nossas mulheres, das mulheres desses povos que foram massacrados e abafados ao longo de tantos anos de exploração. De nossas avós e bisas negras e caboclas. Das trabalhadoras da cana do nordeste brasileiro. Nas palavras de Julieta Paredes, que évinda dos povos de origem americana aymara, é preciso “nos reconhecer filhas e netas de nossas próprias tataravós, aymaras e quechuas50 e guaranis rebeldes e antipatriarcais para assim nos colocar como irmãs diante de outras feministas, nos posicionando politicamente

50 Aymaras e quechuas são povos originários pré-colombianos que habitam a área do Lago Titicaca, na

região dos Andes que abrange o norte do Chile, o Norte da Argentina, a Bolívia e o Peru. Principalmente nesses dois últimos países, a resistência desses povos em preservar sua cultura e hábitos originais apesar do massacre sofrido por eles representa-se na manutenção de suas vestimentas e hábitos tradicionais, mesmo inseridos num contexto urbano.

frente ao “feminismo hegemônico ocidental”51 (PAREDES, 2014, p.76). Dentro da realidade latinoamericana, faz-se mister ter em mente:

O feminismo no ocidente responde às necessidades das mulheres em sua própria sociedade: elas desenvolveram lutas e construções teóricas que pretendem explicar sua situação de subordinação. Ao instaurar-se no mundo de relações coloniais, imperialistas e transnacionais, essas teorias se convertem em hegemônicas no âmbito internacional, invisibilizando assim outras realidades e outras conquistas. Sem desmerecer o que elas, as feministas ocidentais, fizeram e fazem em suas sociedades, queremos posicionar a partir da Bolívia nossos processos feministas e nossos processos de mudanças52 (PAREDES, 2014, p. 75-76).

Em vista disso, é fundamental compreender que, por conta da dita hegemonia europeia, os movimentos e as teóricas mais conhecidas, difundidas e estudadas são universitárias brancas e com condições de classe tais que as permitiram acessar uma universidade. No entanto o feminismo extrapola essas arestas e não se limita aos livros, tratados e teorias dentro do arcabouço da universidade. Está presente com enorme força entre as trabalhadoras da cidade e do campo, entre mães e donas de casa, em congressos, associações, reuniões, agremiações, sindicatos e organizações formais ou não, desde os tempos coloniais até os dias de hoje. As mulheres do Maracatu Coração Nazareno figuram nesse contexto do feminismo que acontece em suas formas cotidiana de existir e resistir.

Angela Davis confirma que as reações das africanas durante a escravidão nunca foram amenas ou passivas. E deixa bem delineado a existência da resistência negra ao regime, destruindo o mito de que mulheres negras não tinham força para lutar e não se opunham à sua condição de escravas.

(...) afirmavam sua igualdade de modo combativo, desafiando a desumana instituição da escravidão. Resistiam ao assédio sexual dos homens brancos, defendiam sua família e participavam de paralisações e rebeliões. Como Herbert Aptheker mostra em sua precursora obra American Negro SlaveRevolts [Rebeliões dos escravos negros estadunidenses], elas envenenavam os senhores, realizavam ações de sabotagem e, como os homens, se juntavam às comunidades de escravos fugitivos, seguindo com frequência rumo ao Norte em busca de liberdade. Dos numerosos registros sobre a repressão violenta que os feitores infligiam às mulheres, deve-se inferir que aquela que aceitava passivamente sua sina de escrava era a exceção, não a regra (DAVIS, 2016, p. 35).

51 Tradução minha 52 Tradução minha.

Já no Brasil colonial, enquanto a mulher branca saía diretamente da submissão ao pai rumo à submissão ao marido, casava-se muito jovem e sem poder de escolha, estando eternamente destinada aos afazeres familiares (cuidar da casa, dos serviçais e dos filhos) e suportando possíveis violências e agressões domésticas, a mulher negra passava pelas mesmas agressões e ainda contribuía com a sua força de trabalho forçado, enriquecendo os colonos que as estupravam, açoitavam e escravizavam seus filhos. Suas ações de resistência, porém, sempre existiram: “houve mulheres negras que resistiram a participar da manutenção da escravatura, praticando o aborto e até matando seu filho recém-nascido como forma de impedir que um novo escravo surgisse” (TELES, 2017, p. 31).

Mulheres que foram até as últimas consequências, como Dandara, guerreira quilombola dos Palmares, que lutou enquanto esteve viva e quando o cerco ao seu quilombo fechou, ela se matou para não ter que enfrentar a escravidão. Ou como as guerreiras da Batalha de Tejucupapo, distrito do município de Goiana, localizado na Zona da Mata Norte pernambucana, que derrotaram uma tropa de militares armados. Com armas improvisadas e domésticas (paus, pedras, água fervente e pimenta), essas mulheres enfrentaram a invasão de uma tropa holandesa e derrotaram mais de 600 homens. Esse acontecimento histórico hoje é revivido anualmente em uma encenação teatral que reúne mulheres e homens da comunidade. Em seu livro “Guerreiras”, que contém o texto teatral de um espetáculo inspirado na luta dessas mulheres, a dramaturga, professora e orientadora dessa dissertação, Luciana Lyra, comenta sobre esse episódio:

Foi no período de ocupação holandesa no Nordeste do Brasil, particularmente, em Pernambuco, entre 1630 e 1654, que ocorreu o episódio conhecido como a Batalha de Tejucupapo. Liderada por Maria Camarão, tornou-se o primeiro combate com participação feminina registrado em território nacional. Foi também no mesmo distrito de Tejucupapo, localizado no distrito de Goiana, Zona da Mata Norte do Estado, que D. Luzia Maria da Silva, funcionária pública, lotada no posto de saúde do lugarejo, passou a restaurar a peleja histórica das suas conterrâneas ancestrais por meio do teatro, num épico intitulado A Batalha das Heroínas, encenado desde 1993 e que tem como protagonistas as moradoras da comunidade. No teatro, as mulheres trazem à tona as suas próprias vidas, armando-se das máscaras de suas antepassadas (LYRA, 2010, p.21).

Lyra desenvolveu sua tese de doutorado estando em contato com essas mulheres, com foco na “dialética da representação, colocando em questão a máscara ficcional (...), em detrimento da máscara ritual de si mesmo”. Mais uma demonstração de que as vozes existem

e a arte é uma via de confirmação e existência da resistência das subalternas sempre atacadas e impelidas a ficarem caladas.

Amelinha Teles também menciona as mulheres de Tejucupapo, mostrando a importância desse fato histórico no quadro de lutas feministas do Brasil: “Durante a invasão dos holandeses ao Brasil, no século XVII, as mulheres tiveram que se defender sozinhas, na região de Tejicopapo. Com o expediente de jogar água fervendo encosta abaixo, puseram os holandeses em fuga.” (TELES, 2017, p.33). Essa resistência feminista, ocorrida ainda no Brasil colonial, figura espacialmente na mesma localidade em que hoje se desenvolve a luta das Caboclas de Lança. Essas mulheres guerreiras comungam fios de uma mesma história de opressão, mas também de luta e resistência. Ainda hoje em Goiana (que também pertence à Zona da Mata Norte, estando a 49km de Nazaré), existe a máxima de que as mulheres de Tejucupapo são heroínas. E como suas ancestrais e suas conterrâneas maracatuzeiras de Nazaré da Mata, elas seguem organizadas: têm uma associação e recontam anualmente a história das Heroínas de Tejucupapo.

Figura 26 – Guerreira: uma baiana do Maracatu Águia Dourada. Foto: Felipe Scapino, fevereiro de 2018.

No Brasil Império, muitas mulheres figuraram na luta abolicionista e entre elas, uma nordestina que deu nome ao município do atual estado do Rio Grande do Norte, Nísia Floresta, uma das primeiras feministas (que assim se auto declarava) do país. Houve também a participação das mulheres nas rebeliões e revoltas dos escravos, como a grandiosa Revolta

dos Malês, ocorrida em Salvador. Luísa Mahim, mãe do poeta abolicionista Luís Gama, foi uma delas e ao que tudo indica, após outras lutas no estado do Rio de Janeiro, foi “presa e, possivelmente, deportada para a África” (TELES, 2017, p.39).

Amelinha fala sobre Luísa e Chiquinha Gonzaga durante o período do Brasil Imperial:

Luís Gama escreveu sobre sua mãe: “Sou filho natural de uma negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahim, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto, sem lustro, os dentes eram alvíssimos como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa” (...). Ainda no período do império apareceu a primeira compositora popular brasileira, Chiquinha Gonzaga, autora da famosa marchinha “Oh, abre alas”, que até hoje anima os carnavais brasileiros. Compôs também operetas e sua primeira ópera não foi encenada por ser música escrita por mulher. Fazia orquestração e foi a primeira mulher a reger em público no Brasil (TELES, 2017, p. 40).

O Brasil República também teve suas expoentes de luta e cada momento político brasileiro foi marcado por ações feministas, sejam elas declaradas como tais ou não. Trabalhadoras em greve e mulheres que lutaram pelo voto. Lutas locais, por melhores condições de saneamento básico e assistência médica para seus filhos:

As lutas desenvolvidas pelas mulheres nesse período passavam, como vimos, por problemas concretos, como o enfrentamento do problema da carestia, ou às vezes por questões mais localizadas, como falta de água ou despejo. A defesa da infância e da maternidade, e o desenvolvimento do ensino e de creches também eram questões constantes. No que diz respeito às questões políticas mais gerais, as mulheres se destacaram na luta pela anistia, pela democracia, pela defesa de nossas riquezas, sempre ameaçadas pela expansão do imperialismo, e em prol da paz mundial, tendo até mesmo se realizado em 1954 uma conferência sobre os direitos da mulher na América Latina (TELES, 2017, p. 57).

Com o Golpe civil-militar em 1964 no Brasil e com a cena efervescente da segunda onda feminista no mundo, as ações feministas giravam em torno da resistência à truculência do governo. Mulheres que se filiaram a partidos, entraram em movimentos e em grupos de estudo, em indústrias para lutar juntos às trabalhadoras nos sindicatos, camponesas que se organizaram para a resistência e a luta armada. Professoras, advogadas, estudantes, artistas e

jornalistas. Eram mulheres visadas pelo governo e tidas como subversivas ou ‘baderneiras’53 (TELES, 2017).

No decorrer dos anos e com a instituição do AI-5 (Ato Institucional nº5) em 1968, começaram a ocorrer as prisões, capturas, desaparecimentos, torturas e assassinatos de presas

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