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Festas religiosas: hibridações culturais e conflitos.

2. As festas como vitrines das misturas.

Entre os afro-religiosos as festas também se apresentam e são vivenciadas com diferentes sentidos. Um destes sentidos apontados pelos depoentes seria o fortalecimento da solidariedade da comunidade de cada terreiro na realização do evento. No entanto, muitas vezes essa solidariedade é mais uma determinação, uma imposição do sacerdote ou da sacerdotisa que ordena o quê e quanto cada um deve dar, que propriamente um desejo voluntário de contribuir financeiramente com as despesas da festa.

Essa questão parece tão óbvia que às vezes as próprias entidades espirituais fazem longos discursos, durante as festas, advertindo e exortando maior participação e contribuição dos membros da comunidade, incluindo a clientela e os simpatizantes. Nessas ocasiões costuma-se reforçar a idéia de que quem mais ajudar, e quanto mais ajuda oferecer, mais benefícios receberá como retorno das entidades.

Da mesma forma acontece com as tarefas do terreiro, que se multiplicam nos momentos de preparação e realização das festas, e das quais, raramente, um filho ou filha de santo conseguem se eximir. Portanto, considerando que a realização das festas religiosas exige sacrifícios e o dispêndio de maiores esforços de toda a comunidade, mas que mesmo assim são várias as que compõem o calendário de cada casa (como veremos um pouco adiante), é de se pensar que existem outros sentidos, provavelmente, mais significativos para os afro-religiosos que a bastante propalada solidariedade interna dos terreiros.

Para tentar entender esses outros significados que as festas adquirem e compreender o jeito de ser dos afro-religiosos, objetivando se dedicar ao estudo dessas religiões, é preciso ter disponibilidade para passar horas e horas assistindo suas festas, umas

são muito bonitas, outras nem tanto. Algumas, na maioria das vezes, bastante animadas entram pela madrugada com as entidades (caboclos) dançando, bebendo e conversando com os convidados.

Assim, há sempre a possibilidade de, alguém interessado, assistir ou participar de toques de tambor tanto da Mina quanto de Candomblé em vários pontos da cidade de Macapá.

Cada terreiro tem seu próprio calendário de festas e corresponde às comemorações de aniversários das entidades (dia em que a entidade baixou pela primeira vez naquele médium), de saídas de santo e confirmações, pagamentos de obrigação e em alguns terreiros, festejam-se santos católicos. Neste trabalho discuti-se as festas como espaços de hibridações culturais e religiosas, festas como instrumentos de reconhecimento e legitimação dos membros da comunidade, e a festa de Iemanjá como evento extra-terreiro, pelas implicações que envolvem a sua realização.

As festas constituem o momento mais importante, a culminância de todo um processo de organização e preparação cujo objetivo é propiciar a presença das entidades espirituais e dos deuses entre os humanos. São ocasiões em que o grupo se homogeneíza em torno dos preparativos, onde a cada elemento compete a execução de tarefas previamente estabelecidas, e do bom desempenho de cada indivíduo depende o resultado do trabalho do conjunto.

A festa é uma das mais expressivas instituições dessa religião e sua visão de mundo, pois é nela que se realiza, de modo paroxístico, toda a diversidade de papéis, dos graus de poder e conhecimento a eles relacionados, as individualidades como identidades de orixás e de ‘nação’, o gosto, as funções e alternativas que o grupo é capaz de reunir. (AMARAL, 2002:30)

Rita Amaral discute as festas de candomblé a partir de seus aspectos lúdicos e de sociabilidade, enquanto parte do estilo de vida dos afro-religiosos. Para ela a vida dos terreiros gira em torno das festas. Ela assegura que o encerramento de fato de uma festa só acontece quando iniciam os preparativos da festa seguinte, pois a que passou continua por muito tempo como o assunto principal das conversas.

As festas são o palco aonde os participantes vão para exibir seus melhores trajes, suas jóias, ostentar enfim, a riqueza e o luxo que obtiveram dos e para os orixás. O maior orgulho de um candomblecista é receber elogios ao desempenho no salão do seu orixá na indumentária, na dança, no porte garboso, etc. “A vida dos orixás é o principal tema

(e a vinda dos orixás é o principal motivo) da festa. Os deuses incorporam seus eleitos e dançam majestosamente: usam roupas brilhantes, ricas, coroas e cetros, espadas e espelhos; são os personagens principais do drama religioso”149.

Por outro lado, desde a assistência, passando pelo comportamento de “rodantes” (os que entram em transe) e “não rodantes”, os desvios da etiqueta deste ou daquele membro, as “paqueras”, tudo é motivo para os “fuxicos do pós-festa”. Muitas vezes acontecimentos da festa também produzem ressentimentos e levam a conflitos como quando alguém graduado, não recebe as honrarias devidas, ter sua chegada saudada pelos atabaques, ou quando acabam pedindo benção (beijando a mão do outro) quando deviam dar (receber o beijo na mão primeiro).

Da mesma forma, a festa propicia oportunidade para a observação de elementos constituintes dos fundamentos e preceitos da religião realizados em tempo anterior, restrito aos membros graduados da casa, mas que se projetam para além do momento de realização e que são do conhecimento dos graduados dos demais terreiros. São nessas situações que surgem muitas críticas, alguns religiosos às vezes aceitam os convites para as festas exatamente para ter a oportunidade de “xoxar”150 o candomblé dos outros, pelo menos foi essa a explicação dada diante da constatação de que, é comum, atualmente, só se encontrarem nas festas os membros da casa e alguns poucos convidados.

È de se pensar, portanto, que um dos fatores primordiais das discordâncias e conflitos entre os religiosos é o conhecimento que é repassado dentro de cada casa, a forma como cada sacerdote ou sacerdotisa operacionaliza a religião dentro da sua comunidade, e que, como já vimos, decorre da história de vida e trajetória religiosa de cada um, dos inúmeros contatos que tiveram, e mantém, em torno e oriundo das várias tradições religiosas que praticam.

3. O conhecimento religioso: as estratégias de aquisição e