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Para fazer a série Arturos (1993-1997), por exemplo, Neves documentou o cotidiano e a religiosidade de descendentes de quilombolas do município de Contagem (MG) Durante

PAISAGEM SUBMERSA(2005),

E- A estética sobre o documental em contraposição à união da estética com o documental

3.1 Silent Book, de Miguel Rio Branco 1 O autor

3.1.8 O ficcional no documental (série 5)

Em Silent Book, a construção de um mundo ficcional, calcado no mundo em que vivemos, não é construída durante a produção das imagens. Rio Branco não se interessa pela foto armada, e sim pelo tempo e pelo acaso. A elaboração de sua narrativa vem depois, no processo de editoração das imagens, que é de fundamental importância para a criação de sentido da obra. Miguel Rio Branco aproxima fotografias, cria dípticos e trípticos para contar uma nova história.

Como exemplo, buscamos duas fotografias tiradas de trabalhos diferentes e editadas uma ao lado da outra [p.60-61]. À esquerda, vemos uma imagem da série da academia de boxe. Trata-se de uma reprodução de um painel repleto de fotografias de lutadores de boxe e de suas lutas, coladas em série e bem próximas. À direita, o detalhe de um vestido de noiva, com grãos de arroz e pétalas de rosa espalhadas pelo chão, remete-nos a uma cena de casamento. Primeiramente, a aproximação entre esses dois universos tão distantes dá-se pelo tom azul-acinzentado das duas fotografias. No entanto, observando-as mais demoradamente, percebemos que elas foram unidas também por outras afinidades. As fotografias em preto-e- branco expostas no painel exibem momentos importantes na vida dos lutadores. Percebemos que estão velhas e desgastadas pelo tempo. Algumas trazem anotações identificando os boxistas, que provavelmente pertencem à história da academia. Também a fotografia do casamento nos remete a um acontecimento marcante, significativo na vida de alguém. Os rastros formados pelos grãos e pelas pétalas são como marcas deixadas pelo passado. Somos absorvidos por uma sensação de nostalgia que nos remete a reflexões sobre lembranças e memórias.

À medida que Rio Branco insere imagens de contextos diferentes para montar a sua narrativa, elas ficam vulneráveis à alteração de seus significados. Para Kossoy (2002), quando um conteúdo é transferido de contexto, “um novo documento é criado a partir do original visando gerar uma diferente compreensão dos fatos, os quais passam a ter uma nova trama, uma nova realidade, uma outra verdade. Mais uma ficção documental.” (KOSSOY, 2002, p. 55)

Contudo, o trabalho não perde o seu caráter documental, já que as fotografias mantêm uma relação indicial com os objetos fotografados. Aquelas cenas aconteceram, aquelas pessoas estavam ali naquele momento, as imagens resultam de um material de existência

concreta. Na narrativa de Silent Book, essas imagens são transpostas para uma outra dimensão que abriga reflexões mais amplas, mais abertas às explorações do imaginário.

Em Let Us Now Praise Famous Man, o processo não ocorre da mesma maneira. Todas as imagens da seqüência pertencem a um mesmo projeto documental e foram feitas durante o tempo que o fotógrafo passou com aquelas famílias. Não há inserções de fotografias vindas de outros contextos, como em Silent Book.

Além disso, devido ao fato de a narrativa acontecer mais linearmente, cria-se a impressão de uma certa cronologia, como se os acontecimentos tivessem ocorrido na mesma seqüência em que as imagens foram editadas. Entretanto, sabemos que qualquer processo de edição é feito a partir de interpretações próprias, sendo, portanto, uma forma de direcionar a leitura dos receptores.

A edição de Let Us Now Praise Famous Men é feita para que o leitor se concentre na seqüência montada e se envolva diretamente com o desenrolar da narrativa. O editor procura não interferir diretamente na história, buscando, de maneira direta e objetiva, dar uma seqüência àquelas fotografias de modo que a ficção passa despercebida. Não que o receptor seja ingênuo a ponto de não perceber que houve ali uma edição, porém, ele se entrega ao tema, deixando-se guiar pela história.

Vejamos, por exemplo, como foi editada a primeira seqüência de Let Us Now Praise Famous Man [p.1 a p.16]. Essa narrativa ocorre com a mesma linearidade da que demonstramos na série 2. Também começa com o retrato do um senhor, que parece ser o avô, seguida pela fotografia do pai e depois da mãe, dispostas em páginas separadas. No decorrer da seqüência, ficamos conhecendo toda a família, cujas imagens vêm intercaladas com as do ambiente familiar – o quarto, a casa, os móveis, a sala, a cozinha. Uma fotografia de um par de botas sobre o chão de terra batida serve como transição do ambiente familiar para o do trabalho [p.14]. Essas botas, fotografadas em close, se tornaram símbolo da pobreza, do esforço e do desgaste do trabalho. Em seguida, deparamos-nos com o ato do trabalho em si: uma mulher colhendo algodão no meio da plantação [p.15]. Por fim, observamos a fotografia de uma figura feminina com uma criança ao lado [p.16], ambas de costas, caminhando em direção à casa no final de mais um dia de trabalho: o desfecho da história.

No entanto, é bastante improvável que essas imagens tenham sido editadas respeitando a seqüência cronológica em que foram tiradas. Primeiro, as roupas usadas pela personagem das duas últimas fotos são diferentes, o que não nos garante que foram feitas em seqüência, ou no mesmo dia. Nem ao menos sabemos se é realmente a mesma pessoa nessas duas últimas imagens, pois, na penúltima, a figura tem o rosto tampado pelo cabelo e pelo

chapéu e, na última, ela está totalmente de costas. Mesmo sabendo que a seqüência foi reconstruída durante a edição, somos envolvidos pela leitura linear que o editor nos propõe. Assim, em Let Us Now Praise Famous Man, o processo de construção da interpretação também é visível, embora não esteja montado de forma tão exposta e assumida como em Silent Book.