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Para fazer a série Arturos (1993-1997), por exemplo, Neves documentou o cotidiano e a religiosidade de descendentes de quilombolas do município de Contagem (MG) Durante

PAISAGEM SUBMERSA(2005),

E- A estética sobre o documental em contraposição à união da estética com o documental

3.2 Paisagem Submersa , de João Castilho, Pedro David e Pedro Motta

3.2.9 Valores estéticos e documentais (série 6)

Apesar de Paisagem Submersa tratar de um problema social específico, o coletivo procurou dar um tipo de enfoque ao trabalho, em que o aspecto estético acabou por se tornar mais relevante do que o documental. Os fotógrafos optaram pelo desafio de falar, de maneira plástica e poética, sobre uma situação entremeada por questões éticas e políticas.

Ao percorrermos as 13 narrativas que compõem o website, somos absorvidos por certos recursos técnicos e estéticos que permeiam todo o trabalho, como contra-luz, cores saturadas, texturas, detalhes, formas e composições inusitadas. Como já observamos, as próprias narrativas do projeto são construídas a partir de associações de elementos plásticos entre as fotografias, e não pelo seu conteúdo informacional, o que é também um fator indicativo de que o trabalho prioriza os aspectos estéticos.

Assim, a partir da preocupação com a plasticidade das imagens, os fotógrafos procuraram contar histórias sobre pessoas que tiveram suas vidas profundamente alteradas por causa da desapropriação de suas terras. Apesar de se tratar de um assunto polêmico, o recorte que o coletivo procurou dar ao trabalho passa longe de mostrar a pobreza ou o sofrimento de maneira crua e explícita. Os ensaios não se restringem ao mero registro, nem mesmo aparentam uma suposta objetividade. Assim, até mesmo em uma fotografia que mostre, por exemplo, a simplicidade do interior de uma casa, não é pela escassez de recursos que somos primeiramente atraídos, mas, provavelmente, por uma fonte de luz que entra pela janela, por alguma aberração cromática, ou por uma composição diferenciada. Podemos dizer que em Paisagem Submersa a função testemunhal e de denúncia social são relativizadas.

Cenas inusitadas, momentos poéticos, fatos curiosos, pessoas no trabalho são temas bastante explorados. Mesmo quando há fotografias que mostram flagrantes de personagens em ação – como, por exemplo, durante a destruição das moradias (no ensaio desmanche) –, notamos o excessivo cuidado estético.

No entanto, o trabalho não chega a se desvincular do aspecto documental da mesma forma que em Silent Book. Por exemplo, no livro não há nenhum tipo de informação textual. Já em Paisagem Submersa, observamos a preocupação dos autores em utilizar o recurso da barra informativa, que serve como uma ferramenta para a contextualização das fotografias. Todavia, devemos lembrar que a leitura das legendas é opcional e, além disso, os fotógrafos só as utilizam quando sentem vontade. Ainda que a mensagem verbal ressalte a condição documental de Paisagem Submersa, o projeto não se mantém preso a ela.

Notamos no coletivo a vontade de desenvolver novas estéticas mais diretamente ligadas às artes plásticas. No ensaio ausência, uma fotografia [10/12] particularmente nos chamou atenção pela sua função estética. São poucos os elementos que a compõem. Trata-se basicamente do estrado de uma cama exposto, em meio ao mato, a céu aberto. Apesar da amplitude do horizonte, essa imagem – em preto-e-branco e feita por Pedro Motta – não se traduz em perspectivas de uma vida nova; pelo contrário, ela nos dá a sensação de um desamparo incontornável.

Fixamos nosso olhar na presença daquele esqueleto de cama, destituído de qualquer ação, sem ao menos um colchão, montado no meio do pasto coberto de mato, sob a luz difusa que vem do sol coberto pelas nuvens. Dentro do contexto do projeto, essa imagem pode representar o vazio dos desabrigados diante das novas terras, para onde foram transportados. Podemos perceber que se trata de um lugar árido, seco, plano, bem longe das águas do Rio Jequitinhonha, a que estavam habituados.

Entretanto, a fotografia não se reduz ao tema do projeto. É uma imagem contemplativa, voltada para o prazer visual. Além disso, ela tem uma validade intemporal e não exerce papel importante em uma narrativa cronológica. A imagem pode ser observada isoladamente ou em outros contextos, abrindo-se, dessa forma, a uma profusão de interpretações.

Já em Country Doctor, as fotografias fazem parte de um contexto e vistas isoladamente não têm a mesma força. Ao enveredarmos por sua narrativa, cada imagem contribui para dar seqüência à história. Ao contrário de Paisagem Submersa, os valores documentais e testemunhais, nesse trabalho, são fundamentais: o fotógrafo estava ali fotografando passo a passo a rotina do Dr. Ceriani. As imagens são a prova dos acontecimentos de cada dia, são testemunhas vivas do esforço daquele médico que tinha que atender sozinho todos os pacientes da cidade.

Para exemplificar, selecionamos uma fotografia do meio da seqüência de Country Doctor, que mostra os pais de uma criança acidentada observando o trabalho da equipe médica [f.12]. À esquerda da imagem, um jovem marido, que pelo chapéu parece ser um fazendeiro, acolhe a esposa nos braços. À direita, Dr. Ceriani, com a ajuda de três enfermeiras, socorre a paciente. A cena acontece no interior de uma sala do hospital.

Smith, em uma fração de segundos, captou o momento ímpar em que o cônjuge, enquanto olhava fixamente para a criança sendo atendida, tentava com uma das mãos virar o rosto da esposa, como se quisesse impedi-la de presenciar aquela cena e de alguma forma

protegê-la, ou tentar aliviar sua dor. O fotógrafo parece ter se mantido a uma certa distância dos personagens, buscando não interferir no acontecimento enquanto o documentava.

Como é característico do trabalho de Smith, essa fotografia não se limita unicamente ao registro. Seguindo os ideais do momento decisivo de Cartier-Bresson, ele procurou, em um só instante, reconhecer o fato e organizar rigorosamente as suas formas visuais. É visível a divisão espacial que Smith deu à imagem, colocando o casal de um lado e a equipe médica do outro. Além disso, observamos a luz homogênea que aclara a imagem, permitindo-nos ver todos os detalhes da cena. A ampla profundidade de campo e os vastos tons de cinza são indícios do apuro técnico e estético do trabalho.

Dessa forma, podemos dizer que, enquanto em Paisagem Submersa a estética prevalece sobre o documento, em Country Doctor tanto o aspecto documental quanto o estético se destacam.