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Filipe de Sousa Folque

No documento OS ESTUDOS DE ASTRONOMIA EM PORTUGAL DE (páginas 56-63)

CAPÍTULO III OS PRINCIPAIS ASTRÓNOMOS PORTUGUESES

2. Filipe de Sousa Folque

Nem julgue Vossa Excelencia que por um astronomo contemplar mais o cêo que a terra lhe deixa esta de merecer muitos cuidados e séria attenção…

Filipe Folque

A historiografia da astronomia portuguesa tem como figuras principais para os primeiros 50 anos do século XIX, dois importantes homens, que embora não sendo certamente os únicos, marcam indelevelmente estes anos da astronomia portuguesa. São eles Filipe de Sousa Folque e César Augusto de Campos Rodrigues. A primeira figura que se nos apresenta é Filipe Folque, nascido em Portalegre, em 1801, filho de um homem ilustre do seu tempo, também cientista, Pedro Folque, um espanhol refugiado ainda jovem em Portugal por razões religiosas, astrónomo a bordo da Marinha

de Guerra portuguesa e, mais tarde, engenheiro geodésico do reino. Filipe Folque seguiu os passos do pai nos estudos científicos. Fez os seus primeiros estudos na Congregação dos Oratorianos, no Hospício das Necessidades. Cursou os estudos superiores na Academia da Marinha e terminou-os na Universidade de Coimbra, onde se doutorou em Matemática. Durante algum tempo leccionou Matemática na Universidade de Coimbra de onde foi demitido por razões políticas, tendo vivido alguns anos com dificuldades financeiras (tinha mulher e dois filhos), dando classes privadas até 1833, altura em que o regime liberal se implantou em Portugal e Filipe Folque foi nomeado professor de Matemática em 1837 na Real Academia da Marinha.61

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Fotografia de Filipe Folque tirada do livro de Maria Clara Pereira da Costa: “De um quadro existente na Casa dos Condes de Nova Goa.”

A Escola Politécnica foi criada pelo decreto de 11 de Fevereiro de 1837. No artº 74 deste decreto lia-se: “o Observatório Real da Marinha ficará anexo á Escola Polytechnica (...).” Filipe Folque foi neste estabelecimento de ensino nomeado professor de Astronomia e Geodesia, a 4ª cadeira das onze leccionadas na Escola Politécnica (onze, contando a cadeira não curricular de Navegação). As actas das reuniões do Conselho da Escola descrevem vários problemas na contratação de professores, especialmente nas áreas de Química e Filosofia, por não os haver com as habilitações requeridas para o exercício da actividade docente. Todavia, o provimento do docente da 4ª cadeira não encontrou nenhum obstáculo, Filipe Folque foi aceite sem nenhuma oposição, aliás, a sua docência já vinha da Academia da Marinha.

Filipe Folque foi um eminente cientista na área da geodesia, tendo publicado vários trabalhos, com realce para a “Carta Geodésica” do reino, publicada em 1867, a “Carta

Corográfica” do país, minucioso trabalho de todos os acidentes geográficos do território

nacional, os “Planos Hidrográficos” dos principais portos e barras do reino e a “Carta

Geográfica” das costas de Portugal. Homem viajado, fez parte por duas vezes da comitiva

que acompanhou os reis D. Pedro V e D. Luís I, nas viagens de instrução pela Europa dos dois, na altura, ainda príncipes, tendo tido a oportunidade de visitar os principais observatórios astronómicos da Europa; além destas viagens como, diríamos hoje, conselheiro científico do Rei, coube-lhe também a tarefa de preceptor dos dois príncipes.

Em 12 de Dezembro de 1875, um ano após a sua morte, ocorrida em 24 de Novembro de 1874, o lente de Astronomia da Escola Politécnica, José Maria da Ponte Horta, lia na sessão pública da Real Academia das Ciências o seu elogio histórico, enumerando os “sucessos humanos” que em vida o cientista tinha obtido:

“Filipe Folque, general de divisão; doutor em mathematica; gran-cruz da

ordem de S.Thiago da Espada; commendador da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, de Aviz, e de diversas ordens estrangeiras; par do reino; director geral dos trabalhos geodesicos, hydrographicos, chorographicos e geologicos; organisador e chefe do observatorio

astronomico da Ajuda; lente jubilado da Escola Polythecnica de Lisboa; socio effectivo d’esta Real Academia (...).”62

Filipe Folque foi também um grande astrónomo; não foi um homem inclinado para a investigação astronómica de ponta, que já se fazia na Europa, nem tão pouco um seguidor da astronomia de posição, no sentido que tenha deixado observações dos astros e que as mesmas, como veremos mais adiante, tenham sido transferidas para grandes centros internacionais de observação astronómica. Filipe Folque não foi o observador astronómico atento, como iremos ver, o foi Campo Rodrigues, foi sim um eminente professor de Astronomia, na Academia da Marinha e na Escola Politécnica, tendo nesta última elaborado o curso de Astronomia, escrito pela sua própria mão.

“Se o talento do dr. Filippe Folque não foi inventivo, foi por ventura mais util

no sentido social, por que foi pratico e assimilador,”63 e “cujos attributos

principaes são o methodo, a lucidez, o rigor (…)”64

Filipe Folque foi também um importante cientista geodésico do reino, a quem o Portugal de hoje deve as primeiras importantes medições do país: a forma, a natureza, a posição, e as dimensões de Portugal, tendo aplicado em astronomia a mesma lucidez e rigor que utilizou em geodesia. Devemos, por isso, destacar o seu empenho como professor da Academia da Marinha e da Escola Politécnica, a luta travada na dignificação do Observatório da Marinha, do qual se tornou o director por decreto de 24 de Dezembro de 1855 e, anos mais tarde, principal mentor da construção do Observatório da Ajuda.

As informações que colhemos são de que Filipe Folque foi um intelectual honesto e competente, zeloso cumpridor das suas tarefas profissionais. Foi também um divulgador da ciência, sobretudo da astronomia, tendo lutado para a criação de um observatório astronómico em Portugal; foi por isso, como já dissemos, um mentor importante da criação, na Tapada da Ajuda, do Observatório Astronómico de Lisboa. Foi um atento divulgador e dinamizador da Astronomia em Portugal, e não tem comparação no terceiro quartel do século XIX com nenhum outro astrónomo, exceptuando Campos Rodrigues.

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José Maria da Ponte Horta (1824-1892), Academia das Ciências de Lisboa, Memória lida em 12 de Dezembro de 1875, p.2 63 Idem, p. 9 64 Idem 47

Pelo esforço que empenhou na recuperação do Observatório da Marinha e na criação do Observatório da Tapada da Ajuda, pelos conhecimentos que colocou como professor ao serviço da astronomia, vemo-lo como o grande impulsionador da astronomia em Portugal neste quarto de século XIX.

Em 1866, escrevia o seguinte:

“Depois de tudo quanto acabâmos de referir, parece impossível que Lisboa, a

capital dos descobridores do oriente, continuasse a ter por observatório astronómico em 1856 o mesmo observatorio real da marinha, no estado de abatimento em que ficou no anno de 1809, em que os seus instrumentos e

biblioteca, tudo foi conduzido para o Rio de Janeiro.”65

E, fazendo o ponto da situação dos estudos astronómicos em Portugal, escrevia:

“Emquanto que em Portugal, por imperdoavel incuria do governo, o estudo

das praticas superiores da astronomia continuava em completo esquecimento, pelo contrario em todos os mais estados da Europa progredia com enthusiasmo o gosto pelo estudo pratico desta sciencia: os instrumentos aperfeiçoavam-se, novas maravilhas se manifestam; a sciencia astronomica sempre exigente, porque mira a perfeição, inspira na alta mecanica (...), a adquirir a quasi ideal exactidão mathematica, medindo a pequenissima grandeza de um segundo, e até das fracções de segundo! (...) os astronomos não contentes de haverem conhecido os fundamentos do systema do mundo, pretendem agora investigar quaes sejam os do universo inteiro; tentam medir a distancia da Terra ás estrellas, precisam conhecer os seus effeitos parallaticos;”66

Filipe Folque encaminha aqui o seu pensamento para a observação do “muito pequeno,” que iria chegar em breve. Ele sabe que se pode estudar o “mundo,” o que aqui só pode significar o sistema solar, por oposição ao “universo inteiro,” o todo. Filipe Folque bateu- se pela

65

Filipe Folque, Relatorio Ácerca do Observatorio Astronomico de Marinha, Imprensa Naciona, p.14, 1866 66

Idem, pp. 9-10

“ideia inicial da fundação d’um observatório astronómico em Lisboa, dotado

de edificio especial; instrumentos apropriados; de observadores nacionaes, e instruídos, para que também com os seus recursos Portugal podesse concorrer com os institutos, congéneres estrangeiros na resolução dos grandes problemas do estudo do céu.”

É por isso a ele que ficámos a dever em grande parte o Observatório da Tapada da Ajuda.

No seu curso de Astronomia para a Escola Politécnica, escrito em 1840, Filipe Folque chama a atenção do utilizador do mesmo para o seguinte:

“Este trabalho que sahe hoje lithographado, não pode ser tido como um Curso

d’Astronomia de minha composição: he uma compilação das obras de Herschel, Delambre, Puissant, e mais que tudo de Biot: será talvez um resumo deste ultimo,”67

e assiná-la mais à frente:

“não duvido dos seus deffeitos, porque he emprehendido por um Professor, que

tem tido ao mesmo tempo muitos outros deveres a desempenhar; o meu fim porem he principalmente proporcionar os meios de estudo, e diminuir o trabalho a meus descipulos.”68

De facto, Filipe Folque, teve ao longo da sua vida múltiplas actividades profissionais, como a de recuperar o Observatório da Marinha, dar aulas de astronomia e geodesia, levar a cabo o seu trabalho de geodésico em várias partes do país, além de ter escrito nas décadas de quarenta e cinquenta várias Memórias na Academia das Ciências sobre trabalhos geodésicos executados em Portugal, e além ainda de ter sido preceptor dos infantes D. Pedro e D. Luís; todo este trabalho revela os muitos afazeres que tinha, sendo por isso louváveis as preocupações didácticas do divulgador de astronomia, ao compor este curso.69

67

Filipe Folque, Elementos d’Astronomia, p. 2, Lithographia da Escola Polythecnica, 1840 68

Idem, p.3 69

Na Biblioteca Nacional em Lisboa encontram-se 32 obras arquivadas de Filipe Folque, sobre cartas geográficas, trabalhos geodésicos, planos hidrográficos e efemérides astronómicas, além de outras obras escritas por outros autores, assim como um trabalho de Maria Clara Pereira da Costa, contendo

correspondência entre o cientista e o rei D. Pedro V.

Reproduzimos a seguir a primeira página e a página curricular do curso leccionado por Filipe Folque na Escola Politécnica em 1840.

Primeira página do curso de Astronomia leccionado por Filipe Folque na Escola Politécnica em 1840

Página contendo as matérias curriculares do curso de Astronomia leccionado por Filipe Folque na Escola Politécnica em 1840

No documento OS ESTUDOS DE ASTRONOMIA EM PORTUGAL DE (páginas 56-63)