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O Eclipse do Sol na Crimeia (Rússia) de 1914

No documento OS ESTUDOS DE ASTRONOMIA EM PORTUGAL DE (páginas 153-157)

CAPÍTULO VI OS ESTUDOS CIENTÍFICOS EM PORTUGAL

3. O Eclipse do Sol na Crimeia (Rússia) de 1914

Porquê afinal escrever tanto sobre Costa Lobo? Porque foi o principal astrónomo na área da astronomia e da física que representou a ciência oficial do Estado. Costa Lobo tinha um meio privilegiado de comunicação à sua disposição para expor as suas ideias, as suas teorias, as suas conferências e a sua propaganda política, a revista O Instituto, órgão da associação dos lentes da Universidade de Coimbra, que ele utilizou a fundo, tanto pelo uso pessoal que fez dela, como pela selecção de artigos que publicou.

Nesta revista que consultámos a fundo desde 1853 (data da sua fundação) até 1953, só encontrámos um só, e muito curto, artigo sobre relatividade da linguagem, do qual falaremos mais à frente.

251

Augusto José dos Santos Fitas, “Einstein Entre Nós”, p. 33, Coordenação de Carlos Fiolhais, Imprensa da Universidade, Coimbra, 2005.

Quisemos manter a nossa narração das teorias de Costa Lobo, perto da interpretação dada por um físico, neste caso de Augusto Fitas, Professor de Física da Universidade de Évora.

252

Egas Pinto Basto e Mário Silva, “Einstein entre nós”, p. 33, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2005

Além disso, Costa Lobo dispôs de um observatório astronómico com instrumentos de primeira qualidade, o espectroheliógrafo, por ele adquirido em 1925, para analisar o espectro do Sol.

Num dos seus escritos,253 refere que o Observatório não tinha meios financeiros para meter mais pessoal ao seu serviço. Pergunta-se, então, por que fez tantas viagens dispendiosas ao estrangeiro, se não existia um “staff” para aprofundar e continuar o seu trabalho? Analisemos por exemplo esta viagem que, embora realizada em 1914, mostra bem a personalidade de Costa Lobo em malbaratar os dinheiros públicos:

“A 21 de Agosto de 1914 dava-se um eclipse total do Sol, visível na Rússia,

sendo a Peninsula da Crimeia a região mais indicada para a sua observação. O Dr. Costa Lobo tinha o maior empenho em presenciar o fenómeno (...).A 25 de Julho seguiu para Paris a comissão, levando consigo as peças ópticas dos instrumentos. Nesta cidade obteriam o material fotográfico necessário, expressamente preparado para esse fim. (...) Chegam às 4 da manhã à gare de Friedrischstrasse e por toda a parte viram preparativos de guerra.”254

Nesse mesmo dia “a guerra estava decidida”. A Alemanha declarava guerra à Rússia a 1 de Agosto e, dois dias depois, declarava guerra à França.

“(...) Apesar de tudo, o Dr. Costa Lobo não desanima. Vai à Legação

Portuguesa, onde estava como ministro o seu colega e amigo Dr. Sidónio Pais, saber com que poderia contar nas linhas alemãs. (...) Às 6 chega Sidónio Pais que fora obter informações seguras do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Impossível seguir para a Rússia, diz-lhe, e mesmo difícil sair de Berlim (...) Em vista das notícias que lhe deu Sidónio Pais, o Dr. Costa Lobo resolveu partir para a Suiça e aguardar lá os próximos acontecimentos.”255

253

Costa Lobo, O Eclipse, Separata da Univ. de Coimbra, vol. III, nº 3, ou José Freire de Sousa Pinto,

O Instituto, vol. XL, p. 1-29,

254

Diogo Pacheco de Amorim, Elogios Históricos dos Doutores FM Costa Lobo e GS Costa Lobo, pp. 10- 11, O Instituto (117), 1955

255

Diogo Pacheco de Amorim, Elogios Históricos dos Doutores FM Costa Lobo e GS Costa Lobo, p 11, O Instituto (117), 1955

Não chamamos a esta viagem nem científica nem de aventura. Querer ir à Crimeia ver um eclipse do Sol, atravessar os países beligerantes no dia em que é declarada a Primeira Guerra Mundial, era simplesmente uma teimosia dispendiosa. Costa Lobo é um homem político (é ele próprio que o diz, “porém eu, que tenho sido sempre político,”256) sabia perfeitamente do drama que se estava a passar. Não fazia sentido fazer uma viagem destas, acompanhado de dois assistentes, pai e filho, o primeiro “ilustre capitão do nosso exército

(…) e o seu filho, aspirante a oficial”257 com pouca ou nenhuma relação com a astronomia, a uma tão distante parte do mundo. Diz-nos Costa Lobo:

“Infelizmente a lamentável guerra que tão repentinamente se desencadeou

produzindo dolorosíssima surpreza, embora há tanto tempo fosse constantemente esperada (…)”258

A 30 de Julho, já em Paris, Costa Lobo, dá-nos as razões de continuar a viagem para Berlim, mau grado o cepticismo do célebre astrónomo francês, director do Observatório Astronómico de Paris, Henri-Alexandre Deslandres (1853-1948), de Costa Lobo poder continuar a viagem:

“Confiei em que a razão evitaria uma conflagração….”259

A 1 de Agosto a Alemanha declarava guerra à Rússia, onde Costa Lobo pretendia observar o eclipse do Sol.

Vejamos a interpretação que Frederico Oom dá sobre a importância que um eclipse do Sol tem para a ciência astronómica.

Frederico Oom, director do OAL até 1930, data do seu falecimento, escreveu no Instituto, em 1905, nove anos antes de eclodir a Primeira Grande Guerra Mundial, um artigo, que certamente Costa Lobo estava ao corrente, porque era o director da Revista O Instituto, intitulado: “O Futuro Eclipse”260

Resumimos este artigo publicando estratos:

256

Costa Lobo, Novas teorias físicas, Sua correlação com os fenómenos Bilógicos e Sociais, p. 430-449, 1918

257

Costa Lobo, O Eclipse de 21 de Agosto de 1914, p. 5, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1914. 258

Idem p. 4 259

Idem p. 5 260

Frederico Oom, “O Futuro Eclipse”, “O Instituto”, revista 52, pp. 487-490, 1905

“Dizem alguns jornaes, certamente por um lapso de informação, que se vae

organizar uma expedição portuguêsa para ir observar em Hespanha o futuro eclipse de 30 de Agosto. Não cremos que sob essa fórma tão vaga e tão lata o governo commetta o erro de expôr o país a commentarios desfavoraveis de todo os entendidos na materia.

As expedições astronomicas para ir – ás vezes bem longe – observar eclipses do sol, não podem hoje justificar-se de modo algum, senão para quem, nessas expedições, tem a certeza ou a probabilidade de obter dados interessantes para a sciencia, se o tempo estiver proppicio no instante da totalidade. Quem possue caros instrumentos, sómente uteis em eclipses do sol, quem inventou processos novos que tambem só ahi se applicam, e quando duns e doutros há motivos para esperar mais algum passo no estudo dos phenomenos que acompanham um eclipse total, deve ir observá-los, por mais difficuldade ou incertezas que isso possam contrariar. Mas quem nada iria fazer do que repetir com escassos recursos o mesmo trabalho que esterão fazendo dezenas de astronomos mais bem municiados para o caso, ou mais competentes como especialistas (...)

(...) Assim, vemos agora que, por exemplo, o observatório de Cambridge, na América, riquissimo como é (a ponto de possuir uma sucursal no hemispherico austral, a fim de abranger todo o firmamento) não tem organizado expedições para observar eclipses, nem mesmo os que teem ocorrido nos Estados Unidos, e o seu director, o notavel sabio E. Piekering, declarou formalmente que não acha motivo de o fazer, pois nada poderia adiantar ao que se projecta por parte dos que melhores condições de exito offerecem”. (...) Mas também a par d’isso se vê que nem Cambrige, nem Berlim, nem Pulkova, nem tantos outros notaveis e ricos observatorios entendem hoje ser necessario conveniente contribuirem, á custa de pesados encargos, para uma investigação em que a sua especial indole de trabalho não tem nem applicação nem utilidade, e seria fatalmente esteril para a ciencia.”261

261

Idem, p. 487-490; o sublinhado é nosso

Esta crítica de Frederico Oom diz respeito, como vimos, à hipótese da deslocação de astrónomos portugueses a Espanha. O que terá pensado Frederico Oom da ida de Costa Lobo à Rússia, no dia que eclode a Primeira Grande Guerra Mundial?

No documento OS ESTUDOS DE ASTRONOMIA EM PORTUGAL DE (páginas 153-157)