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Resumo do Capítulo

33 2.2.5 Filme Etnográfico

Se a viagem entre os continentes permitia alcançar a visão efêmera do outro, a fotografia e depois a câmara cinematográfica tornaram possível armazenar essas visões (Ribeiro, 2005).

Paralelamente a esta dissertação, iremos apresentar um filme etnográfico realizado a partir das recolhas visuais e sonoras que foram elaboradas, juntamente com as entrevistas. Pequenos excertos e montagens de situações cénicas dos distintos e mais marcantes momentos ritualistas, com descrições e referências às questões expressivas dos praticantes e não praticantes, assim como, toda uma dinâmica intrínseca do ponto de vista humano será organizada de forma a poder mostrar em 20 minutos todo o contexto das praticas em estudo. Estes excertos irão ser retirados das gravações integrais que foram realizadas na altura da festa, nas entrevistas e nos ensaios da mesma. Tratando-se de um filme etnográfico ir-se-á recorrer ainda um pouco a ficção como demonstração de cenas que não poderão ser demonstradas visualmente uma vez que se perderam no tempo. Reconstruções fictícias embora demonstrativas das realidades narradas pelos entrevistados.

A utilização deste recurso abarcando estas duas vertentes de utilização, acreditamos ser uma mais-valia para o enriquecimento do estudo em questão.

A escolha deste método, está intimamente ligada ao facto de, o que se procura neste trabalho, ser precisamente a perceção de sentimentos, valores, modos de estar e de ver o mundo, confirmando esses estados através de gestos, emoções vividas, sentidas relativamente às suas “as crenças, valores, perspectivas, motivações e o modo em que tudo isto se desenvolve ou muda com o tempo ou de uma situação para a outra” (Woods, 1986: 11 in http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092002000100007), e que são exteriorizadas através da palavra e da imagem visual e sonora que os envolve.

O cinema era reconhecido como o meio mais adequado ao estudo do movimento, dos processos dinâmicos, pois permitia o registo de todos os pormenores e o sociodrama no desenvolvimento de uma atividade (Ribeiro 2004:72).

O filme etnográfico “é enquadrado no contexto do filme científico” (Ribeiro 2004:70) e difere na sua génese do filme documental na medida em que as suas funções e objetivos são distintas embora se movam no mesmo terreno. Para alguns autores o cinema

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etnográfico pode ser um subgénero do documental (Weinburger 199:4). Neste ponto e seguindo a lógica do seu pensamento, os fins a que se propõe a escolha destes géneros enquadra-se mais no género de cinema etnográfico na medida em que é elaborado um relato real, com recurso a reposição das imagens não conseguidas pela intemporalidade do ritual. No entanto não deixam de ser imagens de um contexto real, embora trabalhadas de forma fictícia. José Ribeiro alerta para o facto de a expressão cinema etnográfico

desviar a tenção da ideia, do propósito de filmar a realidade tal como ela é (…) para uma outra ideia de propósito (intenção) que exige o conhecimento da antropologia e da teoria antropológica, a fim de tratar o assunto, tema ou tópico, com rigor científico (Ribeiro 2004:71).

Muitas são as controvérsias relativamente a este paradigma, no entanto muitos autores consideram que este tipo de cinema etnográfico mostra com rigor uma realidade social de modo lúcido prático sem que para isso seja necessária formação antropológica específica. É neste sentido que nos propomos realizar este filme etnográfico, deixar a esta população uma referencia acessível de todo este processo que os detém no tempo e que durante tantos anos guardado apenas na memoria dos seus habitantes. Por algum motivo será necessário perpetuá-lo quer visualmente quer academicamente para que não se volte a perder no tempo e a sua reconstituição seja de fácil acesso e entendimento para todos os que a ele necessitem recorrer. A ideia de recorrer a um filme de carácter etnográfico misturando um pouco a forma ficcional como estratégia de realização prende-se com o facto de adicionar uma perspetiva artística e não apenas uma descrição da realidade talvez por uma questão de gosto pessoal e tentar fundir algum interesse visual mais para além do real. (Uma vez que é acompanhado por uma dissertação de cariz académico.) O Objetivo final que o etnólogo não pode perder de vista é em suma, compreender o ponto de vista do nativo, a sua relação coma vida, a sua visão do mundo (Malinowski, 1922).

A ideia base do filme é descrever em imagens e relatos o mais fielmente possível o ritual o porquê, o onde, o como e o quem que envolve todo o ritual. O filme expõe os objetos de estudo, assim como as entrevistas, as imagens de todo processo ritual que envolve a lousa naqueles dias de festa à nossa senhora. Tenta-se através do filme expor

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a maneira como foi elaborado e refere imagens específicas de contextos que se pretendem evidenciar face à problemática do estudo em questão. Uma vez que “O desenvolvimento do filme etnográfico só poderá verificar-se se encontrar um público que o utilize, um espectador que o deseje, ou tenha dele necessidade, e objetivos que o justifiquem” (Ribeiro, 2004: 92).

Para quem ”O filme irá essencialmente destinar-se as pessoas que filmadas numa perspetiva de câmara participante” (Rouch cit Ribeiro, 2004: 93).

O filme etnográfico poderá destinar-se também a um público especialista:” às redes discretas das universidades, às sociedades cultas, ou aos organismos culturais se a sua qualidade de testemunho for levada a serio passaremos a conferir-lhe idoneidade enquanto estudo académico por excelência.

O filme etnográfico torna-se necessário para conhecermos a diversidade das culturas, para compreendermos as relações interculturais e para conhecer o homem na sua totalidade…

2.2.6. Fotografia

A fotografia permitia fazer descrições globais precisas do campo a observar e a partir delas elaborar dados (…). Em suma suscitar o verbal (saberes laterais a partir da imagem, ilustrar e documentar (testemunhar a apresentação académica dos resultados ou a exposições para os grandes públicos (Ribeiro, 2004:72).

Seguindo a mesma linha de pensamento, afirma que “A imagem, hoje, não pode mais estar separada do saber científico” (Andrade, 2002). Para este autor o uso da fotografia está associado a inúmeras utilidades de carácter científico, como seja, fazendo parte do trabalho de amostragem onde será utilizada para comparar factos, controlar amostras repetitivas e ainda na identificação em foto-entrevista. Muito deste material poderá posteriormente servir apenas para estudo e nunca chegará sequer a ser publicado. Serve assim os propósitos da análise etnográfica servindo de documentação de relevo para o estudo.

Neste estudo a fotografia será utilizada como forma artística de demonstrar expressões e sentimentos e comprovar determinadas conclusões relativas as questões bases

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propostas nesta investigação. Não é utilizada como instrumento principal neste estudo etnográfico, mas apenas como reforço e ilustração de determinados contextos pertinentes ao estudo. Poderá servir como resgate de informação adicional à observação efetuada no terreno a fim de conseguir traçar um perfil etnográfico ao grupo estudado, numa tentativa de legitimar e conferir credibilidade científica ao resultado final do estudo apresentado, uma vez que “a fotografia é um processo de abstração, embora seja em si um processo vital para a análise” (Júnior, 1973: 44-45). O trabalho levado a cabo neste estudo, não faria sentido sem o apoio e suporte de imagens visuais, sendo a fotografia um dos recursos que não pode,

mais estar separada do saber científico. A Antropologia não dispensa os recursos visuais – e não são recursos apenas como um suporte de pesquisa, mas imagens que agem como um meio de comunicação e expressão do comportamento cultural. A Antropologia Visual não almeja, dentro dos novos padrões de pesquisa, apenas esclarecer o saber científico, mas humanisticamente compreender melhor o que o outro tem a dizer para outros que querem ver, ouvir e sentir (Andrade, 2002: 110-111).

Neste género de estudo etnográfico faz sentido

olhamos para fotografias para resgatar o passado no presente. Tiramos fotografias para nos apropriarmos do objeto que desaparecerá. Existe uma magia quando imortalizamos as pessoas e o tempo nas fotos (Andrade, 2002: 49).

A produção e utilização de fotografias etnográficas nesta dissertação permitiu compreender a força e o poder que este ritual exerce nesta população, a história que aqueles rostos contam, e a profundidade dos sentimentos que exteriorizam, como garante da identidade que os define. Retiradas de fontes e arquivos, as mais antigas e/ou retiradas do trabalho de campo foram elas que nos permitiram compreender e estabelecer ligações entre a transmissão oral e a memória dos grupos estudados, facto já anteriormente defendido por Novais (1998:116)

Se um dos objetivos mais caros da Antropologia sempre foi o de contribuir para uma melhor comunicação intercultural, o uso de imagens, muito mais do que de palavras, contribui para essa meta, ao permitir captar e transmitir o que é imediatamente transmissível no plano linguístico. Certos fenómenos, embora implícitos na lógica da cultura, só podem explicitar no plano das formas sensíveis o seu significado mais profundo.

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