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O fim da história como fim da historicidade: pós-modernidade e comunicação

2 CONDIÇÃO PÓS-MODERNA E FIM DA MODERNIDADE: O ITINERÁRIO

2.5 A pós-modernidade “de” Vattimo

2.5.2 O fim da história como fim da historicidade: pós-modernidade e comunicação

Em que sentido Vattimo assume o “fim da história”? Identificamos três grandes razões compreendidas por ele: a) a primeira consiste em que os séculos XIX e XX estão carregados de ideologia com a sua noção linear de história. Isto implica dizer uma visão seletiva e tendenciosa da história que tem servido, por exemplo, a propósitos políticos de certos grupos e pessoas em detrimento dos demais. Tal caso recebe dura crítica de Vattimo ao declarar que esta visão de progresso tem servido apenas para representar um ideal europeu de homem102, como modelo de desenvolvimento e civilização. Mas, e o os outros? Existe uma

variegada perspectiva histórica que alberga tantas histórias não contadas. Por esta razão, este silenciamento ou, pelo menos, o não dar voz a estes outros constitui, para Vattimo, um ato de violência para com estes. Exemplo disto seria a compreensão ocidental da história como progresso da razão, o que serviu para justificar a colonização dos países considerados menos desenvolvidos, menos racionais, portanto, “inferiores”. Uma ideologia assim tem servido para apoiar jugos, genocídios e escravidões ao longo da história humana.

De fato, que se transmite do passado? Nem tudo o que aconteceu, mas apenas aquilo que parece relevante: por exemplo, na escola estudamos muitas datas de batalhas, tratados de paz, revoluções; mas nunca nos narram as transformações do modo de nutrição, do modo de viver a sexualidade, ou coisas semelhantes. Assim, aquilo de que fala a história são as vicissitudes da gente que conta, dos nobres, dos soberanos,

100 VATTIMO, Gianni. O fim da Modernidade, p. 10. 101 RÖMER, Margot. La transestética postmoderna, p. 65. 102 Cf. VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente, p 9.

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ou da burguesia quando se torna classe de poder: mas os pobres, ou os aspectos da vida que são considerados “baixos”, não “fazem história”103.

Continuando, b) a segunda assevera que o colapso da concepção linear da história também foi causado por alguns eventos práticos, mais notadamente, o fim do imperialismo europeu e do colonialismo. Povos outrora dominados começaram por se rebelar e “insistir” por “contar a sua história”, movimento que forceja os dominantes, desenvolvidos, os narradores da história a notar que existem “versões inéditas” ainda não contadas, ou seja, histórias alternativas e que tal ideologia de progresso está profundamente implicada por conta de suas graves injustiças. Como lemos a seguir: “O ideal europeu de humanidade revelou-se como um ideal entre outros, não necessariamente pior, mas que não pode, sem violência, pretender valer como verdadeira essência do homem, de qualquer homem”104.

Finalmente, c) a terceira seria, para Vattimo, que o significado de pós- modernidade está intimamente ligado ao fato de vivermos em uma sociedade de comunicação de massa, os mass media. Esta característica da sociedade pós-moderna como uma sociedade circunstanciada pelos media tem servido para promover uma espécie de falta da autotransparência e o caos informativo, mas é justamente aí que reside, conforme Vattimo, a possibilidade de emancipação105: “A par do fim do colonialismo e do imperialismo, um outro

grande fator foi determinante para a dissolução da ideia de história e para o fim da modernidade. referimo-nos ao advento da sociedade de comunicação”106.

Em oposição ao que acreditavam Adorno e Horkheimer107 com sua “predição” de

que os mass media poderiam conduzir a sociedade à uma homologação generalizada108,

Vattimo acredita que o efeito desta explosão midiática é causar uma fragmentação da visão que temos de sociedade e mergulhá-la num aprofundado pluralismo, em virtude dos diversos

103 VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente, p. 9. 104 VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente, p. 10. 105 Cf. VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente, p. 10. 106 VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente, p. 10.

107 Separamos alguns excertos: “O segmento sobre a ‘indústria cultural’ mostra a regressão do esclarecimento à

ideologia, que encontra no cinema e no rádio sua expressão mais influente” (ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos [1969]. Trad. br. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p. 16); “O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que nada são além de negócios lhes serve de ideologia” (ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. Trad. br. Júlia Elizabeth Levy; et. al. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011 (Leitura), p. 8); “Progreso y barbarie están hoy tan enmarañados en la cultura de masas, que únicamente un bárbaro ascético opuesto a ésta y al progreso de los medios puede restablecer la ausencia de barbarie. Ninguna obra de arte, ningún pensamiento tiene posibilidad de sobrevivir que no conlleve la renuncia a la falsa riqueza y a la producción de primera calidad, al cine en color y a la televisión (...)” (ADORNO, Theodor W. Minima moralia: reflexiones desde la vida dañada [1951]. Trad. esp. Joaquín Chamorro Mielke, 3. ed. Madrid: Taurus, 2001 (Ensaystas, v. 274), p. 48).

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pontos de vista, percepções e perspectivas que despontam de maneira alternativa. Percebe-se que as chamadas “subculturas” tem, sim, “algo a dizer” e estão habilitadas a fazê-lo109.

A análise de Vattimo sobre a comunicação de massa se aplica de um modo ainda mais pujante nos efeitos que o uso cada vez mais generalizado da internet tem produzido. Embora ele tenha escrito A sociedade transparente nos albores do surgimento da internet e muito antes do boom das redes sociais, ainda assim podemos colher neste seu texto sólidas reflexões para o momento contemporâneo110. Por exemplo, se poderia ser aventado que, ao

passo que as estações de rádio e televisão alternativas concederam voz a grupos antes fora da grande mídia, as redes sociais como o Twitter, Facebook e Instagram, além dos blogs e o Youtube têm conduzido este processo para cada vez mais longe, permitindo que qualquer pessoa, com mínimo acesso à tecnologia possa expressar sua visão de mundo111.

Para Vattimo, a liberdade de informação e a multiplicidade de mídias eliminam a possibilidade de conceber uma a realidade como algo único e linear. Isto acarreta certas consequências epistemológicas, uma vez que a pluralidade de histórias e de vozes nesta era da comunicação de massa traz uma série de antropologias e racionalidades múltiplas à tona112.

Por isso, no entender de Vattimo, este evento solapa a possibilidade de construir um conhecimento sobre determinados fundamentos, bem como a tendência a universalizar e de impor uma visão única de como o mundo está ordenado. Tal visão fica cada vez mais enfraquecida neste contexto comunicacional. Daí, como resultado deste processo, Vattimo enxerga na modernidade tardia a realização daquela profecia de Nietzsche que diz que mundo

109 “Nos Estados Unidos das últimas décadas tornaram a palavra minorias de todo o gênero, apresentaram-se na

ribalta da opinião pública culturas e subculturas de toda a espécie. (...). Esta multiplicação vertiginosa da comunicação, este ‘tomar a palavra’ por parte de um número crescente de subculturas, é o efeito mais evidente dos mass media, e é também o fato que – relacionado com o fim, ou pelo menos com a transformação radical, do imperialismo europeu – determina a passagem da nossa sociedade à pós-modernidade” (VATTIMO, Gianni. A

sociedade transparente, pp. 11-12).

110 Por não ser objetivo deste trabalho explorar tal questão, nela não nos deteremos. Apenas apresentamos de

passagem, por conta de Vattimo também relacionar este episódio comunicacional como emancipação e, em certa medida, também aí estaria incluída a religião pós-moderna em tal contexto.

111 Nos permitimos fazer aqui uma breve observação de ordem pessoal fruto de observação e constatação com

relação aos chamados “famosos da internet”, que estão alçando cada vez mais ao status de celebridade e formadores de opinião – ou “influenciadores”, como também têm sido designados. Embora muitos não estejam inseridos na grande mídia, eles produzem seus conteúdos, divulgam nos canais que elencamos acima e alcançam, muitas vezes, milhões usuários, influenciando os gostos, opiniões e comportamentos. Na esteira deste fenômeno, o que também chama a atenção é que a grande mídia e o mercado publicitário começam por perceber o “poder” destes meios e destas novas vozes, tanto que, por vezes os youtubers ou bloggers têm sido financiados para aparecer com um produto de certa marca ou falar a respeito deste. Ainda mais recentemente, eles começam a sair do mundo virtual e a ganhar espaço no mundo real, seja concedendo entrevistas, aparecendo ou apresentando programas de televisão ou, ainda, realizando espetáculos.

112 De outro modo, trata-se de perceber “as racionalidades constituintes dos inúmeros ‘dialetos’ que representam

o mosaico cultural de nosso mundo contemporâneo” (ROCHA. Alessandro Rodrigues. Filosofia, religião e pós-

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tornou fábula, quer dizer, a dissolução da concepção unívoca da história e suas implicações sobre o conhecimento e a realidade, termina por libertar as diferenças e permitindo racionalidades locais virem à superfície. É neste sentido que o pensamento fraco pós-moderno é, também, pensamento da diferença.