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CAPÍTULO 1 AS PRAÇAS NOS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO DE

1.6. Fins do século XIX: as praças mudam de nome

Símbolo e referência primária da vida pública, a Praça adentrou como âncora e suporte fundamental no modelo de urbanização harmônica e eficaz. Durante todo o período que envolveu as primeiras transformações urbanísticas na Cidade de Fortaleza, as Praças aparecem como principais alvos das políticas administrativas, constituindo-se importante centro de atividades sociais.

Em fins do século XIX, elementos como calçamento, limpeza, sociabilidade e ordenamento das ruas, passaram a ser considerados sinônimos de modernização. Em meio a uma Fortaleza afrancesada, sob os requintes de apurado censo arquitetônico e urbanístico, novos dispositivos legais modificariam em 1890 as denominações destes logradouros. Tratava-se da lei de 29 de outubro daquele mesmo ano, a qual substituía os nomes das ruas por números, e os das praças por novas referências de nomes. A lei, que já havia sido aplicada em cidades como Nova York, chegou a Fortaleza como sinônimo de avanço e progresso republicano.

Servindo de crítica ao modelo imperial, visto pelos republicanos como imagem do atraso, a resolução, dotava o espaço urbano de uma ordenação intemporal, baseada na “serialidade aritmética e impessoal”. (SILVA E FILHO, 2001: 56, 57). Tendo em vista o acentuado provincianismo local, a resolução não encontrou forças para sua aplicação.

A argumentação utilizada pelos defensores da idéia da modificação partia do princípio de que a mudança no modo de representar a cidade, evitaria a constante imposição de sentimentos partidários na administração da coisa pública. A lei, contrária aos interesses privados, versava que os nomes das praças deveriam ser substituídos por alcunhas que recordassem acontecimentos históricos, ou por nomes pelas quais as praças já eram conhecidas.

Os logradouros seriam batizados com as seguintes alcunhas: a Praça Senador Carreira – Praça da Via-Férrea; Praça Caio Prado – Praça da Sé; Praça Capistrano de Abreu – Praça do Mercado Público; Praça General Tibúrcio – Praça 16 de novembro; Praça Barão de Ibiapaba – Praça do Asilo; Praça D. José Júlio – Parque da Liberdade; Praça Senador Machado – Praça da Conceição; Praça Marquê do Herval – Praça do Patrocínio; Praça Visconde de Pelotas – Praça de Pelotas; Praça N.S. do Livramento – Praç do Livramento; Praça do Ferreira – Praça Municipal; Praça Comendador Teodorico – Praça 16 de outubro; Praça Comendador Coelho – Praça 24 de maio; Praç

Senador Paula – Praça São Sebastião; Praça Fernandes Vieira – Praça 14 de Março. (GIRÃO, 1979: 126).

Para o pesquisador Antônio Luiz Silva e Filho (2001) o ato de nomear lugares vincula-se as estratégias políticas de afirmação simbólica, instituídas no urbano através da força da linguagem (Idem: 48). Nesse sentido, denominações populares, utilizadas no dia-a-dia se chocam com nomenclaturas instituídas pelo poder hegemônico. Alguns casos são emblemáticos, e servem para demonstrar como este embate simbólico ocorreu na instância do cotidiano.

Destaco aqui alguns exemplos de (re) significação das praças, que fizeram parte da memória de Fortaleza, dentre os quais se destacam o da Praça da “Estação”, conhecida oficialmente por Praça Castro Carreira, mas jamais considerada como tal tendo em vista seu batismo popular de Praça da Estação; a Praça Capistrano de Abreu, denominada popularmente de Praça da Lagoinha32; Praça Clóvis Beviláquia, conhecida por Praça da Bandeira; Praça da Polícia, invocada por Praça dos Voluntários33; Praça Waldemar Falcão, de Praça dos Correios, dentre muitas outras denominações não gravadas em placas de bronze, mas imortalizadas na fala cotidiana. (SILVA E FILHO, 2001: 49).

Destaco aqui também, o emblemático caso da Praça General Tibúrcio, que tão bem ilustrou esta (in) versão de signos. Conhecida em 1856 como Largo do Palácio, devido à existência da sede do Governo nos seus arredores, passou a se chamar “General Tibúrcio” em 1887, no entanto, após a reforma implantada pelo prefeito Ildefonso Albano, entre 1913 e 1914, passou a ser cotidianamente chamado por “Praça dos Leões”, nome que até os dias atuais permanece vivo na memória coletiva. Tal alcunha popular deve-se a instalação de três estátuas em formas de leões, sendo também incorporados a este conjunto alguns combustores de gás, balaustradas, coreto e um jardim (com árvores procedentes do Jardim Botânico no Rio de Janeiro), e introdução.

Tal apropriação simbólica, também ocorrera com a Praça José de Alencar, designada popularmente por Praça do Patrocínio34. Apesar do nome oficial “Marquês do

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Referência a uma pequena lagoa existente na região. Curiosamente o logradouro nunca foi invocado pelas alcunhas oficiais que tanto recebeu, como Praça Coronel Teodorico (1881) e Praça XVI de Novembro (1890).

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Em homenagem aos combatentes da Guerra do Paraguai. 34

Herval”, as pessoas continuavam chamando-a de Praça do Patrocínio (Silva e Filho, 2001: 51). Não bastasse isso, o logradouro, que recebeu a construção de um jardim em 1903 pelo prefeito Guilherme Rocha, batizando-o de “Jardim Nogueira Acioly”, foi palco de grande revolta popular.

Constituído por bancos, vasos, colunas, estatuária, iluminação a gás e coreto, o jardim não escapou da revolta popular que assolara a capital em 1912, quando um forte movimento se organizou para depor o oligarca Nogueira Acioly. A população, revoltada com os desmandos do governo, investiu toda sua ira contra o logradouro, que representava estrategicamente o símbolo do poder no estado. A praça foi à única da cidade a ser completamente depredada pelos revoltosos, e como ato simbólico, arrancaram-lhe a placa em homenagem a Nogueira Acioly, e em substituição, colocaram uma outra, homenageando desta vez o novo chefe de Estado, então Franco Rabelo. (Silva e Filho, 2001: 51).

Para o pesquisador Antônio Luiz Silva e Filho fenômenos como este fazem parte da criatividade anônima presente na história da cidade (Silva Filho, 2001: 50), contestando a hegemonia das leis e do jogo político institucional. Através destas resignificações e transformações cotidianas, a população produz a sua própria história, rebatizando os lugares e lhes dando novas representações.