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CAPÍTULO 1 AS PRAÇAS NOS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO DE

1.12. A reinvenção das praças sob diferentes signos: da mercantilização à ágora

mercantilização à ágora.

Em estudos recentes sobre a urbanização e arquitetura das Praças, o pesquisador Alex Sun (2008), demonstrou que o convívio social neste espaço está intimamente relacionado às oportunidades de acesso e uso voltados ao logradouro. O estudioso chamou atenção para o fato de que a maioria das praças contemporâneas, encontram-se em situação “tão deplorável, que podem ser consideradas “anti-sociais”, ou mesmo, “anti-praças” (Idem: 126).

Apesar desta descaracterização explícita sofrida nos últimos tempos, a praça incorporou novos usos e funções, alternando modelos comuns e propostas idealizadas. Nesta nova caracterização, a praça, então modelo “síntese”, acabou suscitando a

convivência simultânea entre a contravenção e a normalidade, entre a segurança e o perigo.

A exaltação de modos de vida atrelados ao consumo na vida contemporânea afastou os indivíduos dos contatos “arriscados” e poucos “seguros” nos espaços abertos da cidade. Por esta ótica, o múltiplo e diverso passou a representar sinal de “perigo”, e o público, a encarnar o sentido de “periférico”, lugar possível da “baderna”, da “marginalidade”, dos usos “desviantes”, e das ações “criminosas”.

Ao passo que este espaço público adquiriu a alcunha de “maldito”, os espaços privados com seus muros de isolamento, assumiram um status de lugar da proteção e de seara imune ao “risco”. Espaços públicos como praças, bosques, passeios, calçadões, mercados, feiras e calçadas, estimulados por tais mudanças nos comportamentos individuais e coletivos passaram a competir com os espaços privados da cidade, como praças de alimentação (dos shoppings), condomínios fechados, clubes, centros de convenções, supermercados, casas de shows e parques temáticos.

Dentre tais empreendimentos urbanísticos privados, um merece amplo destaque pela centralidade que adquiriu na vida urbana, e por melhor expressar a (re) invenção privada da praça. Refiro-me ao shopping Center, criado no começo da década de 1950 nos Estados Unidos, mas que se expandiu pelo mundo como tendência de consumo. De início o equipamento era caracterizado como um conjunto de lojas implantadas em volta de um pátio ou jardim a céu aberto, e com o passar dos tempos se disseminou sob várias tendências, sendo capaz de recriar a natureza por meio de fantasias ambientais, evitando aspectos negativos da cidade, tais como sujeira, congestionamentos e pobreza. Tido como espaço festivo controlado, e ao mesmo tempo lugar afastado do cotidiano, o shopping incorporou a lógica do parque e do refúgio (SUN, 2008:106, AUGÉ, 1994).

A partir de 1955, ao incorporar novas demandas de conveniência, incorporou a característica de recinto fechado e climatizado (SUN, 2008: 99). Tal projeção arquitetônica, impulsionada pela valorização dos atributos da vida privada sobressaindo- se aos aspectos da vida pública, reforçou os significados do espaço doméstico, recriando a vida urbana dentro de seus próprios domínios. Apesar do aspecto inovador, é notório observar que nestes novos recintos, a multidão, mesmo variada e diversificada se tornou pré-selecionada conformando-se com a ordem estabelecida pelo ambiente numa congregação coreografada e momentânea de gestos e atitudes.

Neste ritmo de mudanças vê-se que, as praças foram então (re) inventadas e introduzidas para dentro dos shoppings e centros artificiais de convívio, assumindo a posição de “praças de alimentação”, ou “praças tematizadas de supermercados, centros de lazer, comércio e condomínios”. Dispersas na cidade do consumo, transformaram-se em praças de mercado e de comércio global, oferecendo sensações variadas de “prazer”, para além do embate cru, oferecida pela praça pública imersa na diversidade extasiante e no confronto de idéias, gestos, posturas e atores.

Nestes espaços (re) apropriados pelo capital privado, não há o barulho contagiante das manifestações políticas, nem as abordagens “invasivas” de estranhos a sondar o alheio, muito menos a possibilidade do assalto, da agressão, ou da abordagem equivocada, mas sim, um desentendimento sinfônico de falas e gestos controlados por câmaras vigilantes, a expulsar e expurgar comportamentos desviantes sob verdadeiros simulacros.

Tomados por uma atmosfera de “fantasia” e “sonho”, os usuários deste espaço, respiram um ar-refrigerado e fragrâncias dispersas por lojas de luxo. Alheios a paisagem, contemplam árvores e plantas de plástico a compor uma paisagem artificializada. Nesta distinta praça, não há a agitação da feira, a empolgação dos comícios inflamados, a euforia dos circos, nem as apresentações teatrais de atores cotidianos, muito menos, a “incômoda” e “vibrante” voz de vendedores e desocupados de plantão. Nesta praça de vitrine, com certeza não há a estridência verbal dos loucos, prostituas, mendigos, assaltantes e “marginais” que compõe a cena real da cidade pública.

Alex Sun (2008) reforça a idéia de que o novo urbanismo privatista reforçou a prática isolada do consumismo, levando “o mundo do shopping center a tornar-se o próprio mundo” e produzindo praças sem cidades50. (Idem: 101). Capazes de transformar o cotidiano, o vernacular, e o popular em verdadeiros “espaços ilusórios”, a artificialização do urbano transformou as cidades, em espaços de marketing, ou “cidades espetáculos” voltadas para a acumulação de capital privado (SANCHEZ, 2001; 2007). E nesta vertente, cada vez mais afastadas dos conflitos reinantes da vida de uma cidade real, as praças privadas, tornaram-se vitrines e palcos de vida idealizados (Ibidem, 2007: 28).

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É importante reconhecer que as praças na cultura latina, ao contrário do que ocorre nas cidades americanas, não são áreas exclusivas de recreação, mas espaços públicos articulados ao tecido urbano (Idem: 30)

Conforme a pesquisadora Sharon Zukin (2000), os espaços privados (centros de lazer, shoppings, parques temáticos, cidades revitalizadas) passou a alimentar a comercialização da fantasia, estimulando as pessoas a vivenciarem uma paisagem onírica em verdadeiras aventuras de pagamentos. (Ibidem: 91-92). Entretanto, em meio a esta profusão de artifícios privados e domesticados, a praça do espaço público ainda resiste, insiste, e respira. Sua natureza política e contestatória, ainda convive com o mercado, com a feira, com o (mal) dito e com o (bem) dito.

Para confirmar esta condição, é necessário retomarmos o contexto histórico nos últimos anos e identificar o amplo “movimento dos indignados” ou “movimento dos imóveis”, contestações populares que se espalharam pelo mundo. A manifestação repercutiu nos mais diversos centros urbanos e fez das praças, seus principais pontos de disseminação.

O movimento, que mobilizou mais de 950 cidades, espalhadas em 90 países, lutou contra o poder financeiro global se posicionando a favor da promoção da justiça social. Seus simpatizantes ocuparam as principais praças e avenidas do mundo, demonstrando um verdadeiro exemplo de ocupação cívica. Dentre alguns destes palcos destacaram-se a Praça Puerta Del Sol (Madri - Espanha), Praça Tahir Square (Egito), Praça Zuccotti em Wall Street (Estados Unidos), Praça Marquês do Pombal (Lisboa- Portugal), além de outras praças na Grécia, e em outros países como Tunísia, Síria, Israel, Chile, Uruguai, Inglaterra, Itália, etc.51Além de ter resgatado o espaço público como espaço de discussão e debate, o movimento (re) configurou a praça, fazendo-a retomar sua marca de ágora.

51 As informações inerentes ao movimento foram adquiridas nos seguintes sítios eletrônicos: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/indignacao-e-espaço-publico;

http//www.outraspalavras.net/2012/01/31/ate-onde-irao-os-indignados/; http://www.mundojovem.com.br/entrevista-04-2012.php.

CAPÍTULO 2 - PRAÇA PIO IX, PRAÇA DE FÁTIMA OU PRAÇA