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SUMÁRIO

PERI-MENOPAUSA

1.5. Fisiologia dos andrógenos na mulher

Na mulher, a testosterona é o esteroide mais importante do grupo dos andrógenos, sendo produzida principalmente nos ovários e glândulas adrenais, sendo que após a menopausa as adrenais passam a ser a principal fonte produtora dos mesmos (61) (Figura 5).

A maior parte dos estudos classifica os andrógenos como hormônios masculinos uma vez que os níveis circulantes destes hormônios no homem são muito mais elevados quando comparados ao das mulheres. Porém, da segunda para a terceira década da vida da mulher, as concentrações plasmáticas de testosterona e de seus precursores androgênicos, como dihidroepiandrosterona (DHEA), dihidroepiandrosterona sulfato (DHEA-S) e androstenediona (A4), tornam-se elevados, tornando-se quantitativamente mais abundantes nesta etapa reprodutiva em particular (62).

Os tecidos periféricos não reprodutivos têm a capacidade de converter a DHEA-S em DHEA seguido da androstenediona, e este em estrona e testosterona. Em seguida, a testosterona pode ser metabolizada pela enzima 5α-redutase, produzindo o metabólito ativo não- aromatizável, 5α-dihidrotestosterona (5α-DHT), ou ser metabolizada pela enzima aromatase (CYP19), resultando na formação de estradiol (E2) (61). Na pós-menopausa, a produção de

como o tecido adiposo. Dessa forma, na mulher os andrógenos são esteroides importantes para a biossíntese de estrógenos (63, 64).

Figura 5. Principais locais de produção de andrógenos na mulher.

A testosterona e 5α-DHT são consideradas os andrógenos mais potentes. Não obstante, o 5α-DHT é três vezes mais potente do que a testosterona em relação à sua afinidade com o receptor de andrógeno (AR), sendo que seus níveis circulantes se correlacionam às concentrações séricas do seu precursor (61). Recentemente, foi descrita a biossíntese de novos esteroides C19 11-oxigenados (11-cetotestosterona e 11-cetodihidrotestosterona) os quais têm afinidade pelo AR similar à testosterona e 5α-DHT, porém seu efeito na mulher ainda não foi estudado (65).

1.5.1. Receptor de andrógeno (AR) e seus efeitos androgênicos

O AR pertence à superfamília de receptores nucleares, contendo domínios estruturais específicos que definem sua ação molecular como fator de transcrição (66, 67). Duas isoformas do AR, referidas como AR-A e AR-B, foram descritas em diferentes tecidos, sugerindo que os andrógenos desempenham efeitos biológicos além daqueles ligados à função sexual (62, 68). Estes incluem proliferação celular, diferenciação, apoptose, secreção de proteínas em tecidos

dependentes de andrógenos (como próstata), e manutenção e homeostase de tecidos não- reprodutivos (69).

O AR pode estar localizado no citoplasma ou na membrana plasmática, e quando ativado interage com elementos de resposta a andrógenos (ERA) na região regulatória do DNA para ativar ou reprimir a transcrição gênica (67). Além deste mecanismo genômico de ação, há evidências da ativação de mecanismos não-genômicos do AR, que levam à ativação de vias de sinalização diferentes daquelas da transcrição (66).

1.5.1.1. Via de sinalização genômica

O AR, na ausência do hormônio, encontra-se no citoplasma no seu estado inativo em associação a proteínas de choque térmico (heat-shock proteins; HSP), proteínas do citoesqueleto e outras (69,70) que modulam a conformação do receptor para ter uma ligação mais eficiente ao hormônio. A união do andrógeno ao AR provoca a dissociação do receptor das HSP, e mobilização do complexo hormônio-receptor ao núcleo celular onde haverá heterodimerização do receptor, facilitando sua ligação aos ERAs. A ligação do complexo hormônio-receptor aos ERAs, permite o recrutamento de enzimas histona acetiltransferase (HAT), uma variedade de co-reguladores e mecanismo geral de transcrição, desencadeando a transcrição de genes dependentes de andrógenos e subsequentemente a síntese proteica (66, 67,69). Esta via de sinalização é classicamente conhecida como “via genômica” e se caracteriza por mediar as respostas biológicas resultantes de longos períodos de exposição ao esteroide (Figura 6A).

Até o momento, na musculatura lisa do TUI não existe informação sobre o mecanismo genômico da testosterona. Os dados disponíveis referem-se mais à musculatura lisa vascular na qual há evidências que, dependendo dos níveis séricos e tempo de exposição, a testosterona poder levar a hipertrofia cardíaca e hipertensão arterial por meio da sinalização genômica (71, 72). O AR tem relação direta com a calcificação da célula muscular lisa vascular devido à interação dos ERAs com a região promotora do gene Gas6, responsável pela diminuição da calcificação vascular (73). A restauração da via de sinalização do Gas6 pela testosterona diminui a calcificação vascular, sendo este efeito prevenido pela flutamida, antagonista de AR intracelular (73). Além disso, a suplementação de testosterona restaura o fluxo sanguíneo da

artéria pudenda interna em ratos orquidectomizados (74), sugerindo que andrógenos possam desempenhar efeitos protetores mediante mecanismos genômicos em diferentes tecidos.

1.5.1.2. Via de sinalização não-genômica

Existem evidências cada vez mais fortes que os andrógenos atuam também por mecanismos “não-genômicos”, uma vez que a exposição aguda a este hormônio leva a respostas rápidas (com latência de segundos a minutos) em certos tecidos, os quais são resistentes à ação de inibidores da transcrição e transdução (66, 75). Estas respostas podem ser observadas inclusive com andrógenos ligados a moléculas como a albumina sérica bovina (BSA), estratégia que previne a mobilização do andrógeno ao citoplasma (76). Identificou-se um receptor de membrana acoplado à proteína G, sensível à toxina pertussis e ao cálcio, que medeia efeitos não-genômicos de andrógenos, referido como GPRC6A (77). Este receptor estimula a cascata de segundos mensageiros que inclui ativação de PLC, influxo de Ca2+, fosforilação do c-Src,

Ras-Raf 1, ERK e ativação da PKC, PKA e MAPK (75, 76). Outras respostas decorrentes da ativação do mecanismo não-genômico incluem efeitos pró-oxidantes, como aumento dos níveis de espécies reativas de oxigênio (ROS) por amplificação da expressão e atividade da NAD(P)H- oxidase (subunidades p47phox e gp91phox), assim como diminuição da expressão da eNOS e da

biodisponibilidade de NO (72). Além disso, existem evidências que o receptor TRMP8 (receptor de potencial transiente melastatina do tipo 8) possa atuar como receptor de andrógeno, cuja ativação leva a incremento dos níveis intracelulares de Ca2+ (78, 79). Evidências atuais no

sistema cardiovascular mostram que a testosterona, em concentrações da ordem nanomolar, exerce efeito não-genômico caracterizado por hipotensão sistêmica, possivelmente por ações indiretas decorrentes da ativação da via NO-GCs-GMPc no endotélio e/ou pela diminuição do influxo de Ca2+ (80). No entanto, em concentrações na ordem micromolar, a testosterona

promove vasoconstrição devido à abertura de L-VOCC, aumentando a entrada de cálcio extracelular (80, 81). A testosterona é ainda capaz de ativar canais de potássio voltagem- dependentes ou sensíveis ao cálcio, aumentando o efluxo de K+, provocando hiperpolarização

Figura 6. Vias de sinalização dos andrógenos. 1) Via de sinalização genômica: Os andrógenos atravessam a membrana plasmática; no citoplasma, o AR se dissocia das HPS e se une ao hormônio e o complexo se desloca para o núcleo. 2) via de sinalização não-genômica: (a) Andrógenos ativam a via PLC levando à formação de IP3 e DAG, resultando em aumento de Ca2+[i] e ativação da PKC; (b) União andrógeno-GPCR6A ativa a via PI3K-PKC-Scr; (c) Andrógenos promovem a produção de EROs pela NAD(P)H oxidase; (d) Andrógenos bloqueiam canais de cálcio voltagem-dependentes tipo L (L- VOCC) provocando relaxamento; (e) Andrógenos ativam L-VOCC aumentando Ca2+

[i] levando à contração via PKA-MAPK; (f) Andrógenos ativam canais de potássio voltagem-dependente provocando efluxo de K+; (g) União andrógeno-TRPM8 leva ao aumento de Ca2+[i]. AR: Receptor de andrógeno; HSP: Proteínas de choque térmico; ERA: Elementos de resposta a andrógenos; PLC: Fosfolipase C; IP3: Inositol 1,4,5 tri-fosfato; DAG: Diacilglicerol; PKC: Proteína quinase C; Ca2+: Cálcio; K+: Potássio; PKA: Proteína quinase dependente de APMc; eNOS: Óxido nítrico endotelial; NO: Óxido nítrico; TRPM8: Receptor de potencial transiente melastatina do tipo 8; MAPK: Proteínas quinase ativada por mitógeno; ERK: Quinases reguladas por sinal extracelular; GPCR6A: Receptor acoplado à proteína G da família C grupo 6 membro A; P: fosforilação; Akt: Proteína quinase B; PI3K: Fosfaditilinositol 3- quinase; Scr: Proto-oncogene da proteína tirosina quinase Scr; NADPH: Fosfato de dinucleótido de adenina e nicotinamida; O2-: Ânion superóxido. Adaptado de Lucas-Herald et al., 2017.

1.6. Testosterona e o TUI

Estudos prévios avaliaram a expressão do AR na bexiga de humanos (83) e animais (84, 85). Basicamente, detectou-se mRNA do AR no urotélio e na submucosa da bexiga urinária de humanos e de roedores. A presença do AR no TUI sugere que os andrógenos possam exercer papel importante na fisiologia deste sistema, embora possam também estar relacionados com o desenvolvimento de câncer de bexiga (86). Alguns estudos mostram que homens têm de três a quatro mais probabilidade de ter câncer de bexiga do que mulheres (86, 87, 88), e, de fato,

Influxo de Ca2+ PLC IP3 DAG PKC Ca2+[i] GPRC6A PI3K PKC Src pERK1/2 Canal Ca2+ tipo L voltagem-dependente Relaxamento Influxo de Ca2+ Bloqueio de influxo de Ca2+ Ca2+[i] Ca2+- calmodulina PKA MAPK PKC Canal K+ voltagem- dependente Efluxo de K+ Relaxamento Extracelular Intracelular eNOS NO

RESPOSTA GENÔMICA RESPOSTA NÃO-GENÔMICA

Andrógenos (+) Retículo sarcoplasmático pAKT p22 Nox1 ou Nox4 P47 phox P67 phox Bac NAD(P)H O2- (+) TRPM8 Ca2+ [i] (1) (2) (a) (b) (c) (g) (d) (e) (f) AR HSP90 HSP70 HSP40 TBP CTF HTA GTF RNA pol II ERA Núcleo AR Fatores de transcrição Síntese de proteínas AR

estudos pré-clínicos já evidenciaram que o AR desempenha função importante na progressão da carcinogênese vesical (89).

Existe ainda uma relação entre os receptores muscarínicos e andrógenos em tecidos reprodutivos de machos (90). A orquiectomia bilateral provoca regulação negativa na expressão do mRNA e nível proteico basal de receptores muscarínicos M2 e M3 nas diferentes porções do

epidídimo, sendo esta revertida pela reposição hormonal com testosterona. Por outro lado, o tratamento hormonal com testosterona leva à regulação positiva na expressão de mRNA de receptores muscarínicos em bexiga urinária de macho após a castração (91). Entretanto, no geral, ainda há poucos estudos abordando a modulação da resposta miccional pelos andrógenos/AR na mulher em condição fisiológica ou de privação deste hormônio (menopausa). No geral, estudos experimentais em fêmeas mostram que andrógenos/AR contribuem para a manutenção da função miccional (46, 48). No entanto, ainda não se sabe se no TUI a testosterona atua por mecanismos genômicos, não-genômicos ou ambos.