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A flexibilização dos tempos de trabalho

Capítulo 2: “Novos” tempos de trabalho: flexíveis e digitais

2.2 A flexibilização na organização/distribuição dos tempos de trabalho

2.2.1 A flexibilização dos tempos de trabalho

Um dos fenômenos recorrentes ao tratar do tempo de trabalho consiste na flexibilização na medida em que se volve para a busca de um maior aproveitamento da mão de obra em associação às necessidades produtivas, através da adoção de uma flexibilidade numérica interna136, transformando a jornada de um «elemento rígido ou estático, para algo bem dinâmico e elástico»137.

A flexibilização dos tempos de trabalho no aspecto jurídico, em tese, pode representar avanços e retrocessos138 a depender do seu uso e a racionalidade que lhe

132 HERNÁNDEZ, M. B. Op. cit. p. 99. 133 Idem. Ibidem.

134 Pelo menos no aspecto formal, além do que, a jornada ordinária sempre conviveu com a realização de horas extras. Ressalte, no entanto, que sobre essa redução mesmo “formal” já se observa um franco retrocesso mediante a adoção de jornadas “especiais”, como 12x36, 24x24 ou ainda mais nefastas à saúde, como a defendida por gigantes como o Alibaba, a denominada “9.9-6”. In: LIY, M. V. Na China, a “rebelião” contra os “9.9-6”: trabalho das 9h às 21h, seis dias por semana. El país, 22/04/2019. Acesso 23/04/2019, 11h. Disponível na URL: http://bit.ly/2NoKbFg.

135 CUMBRE, L. L. Aspectos críticos de la regulación del tempo de trabajo em España. In: QUESADA, S. P. (coord) et al. Op. cit. p. 100.

136 Em contraposição à externa, que se bifurca em flexibilidade de acesso e flexibilidade na saída (tutela demissão). Por todos, NAVARRETE, C. M. La «Luna Europa» y sus dos caras: regulación flexible del tiempo de trabajo y límites comunitarios. In: QUESADA, S. P. (coord) et al. Op. cit. p. 60.

137 VALENTINO, I. A. R. Op. cit. p. 102-103.

138 Importante, no entanto, ressalvar que a associação do termo flexibilização a um contexto negativo ou positivo não se reduz a uma visão dual simplista, exemplo claro, no tema organização dos tempos de trabalho.

impulsione (pro empresa, pro trabalhador ou o equilíbrio de interesses139, este indubitavelmente, o melhor caminho), constituindo potencial mecanismo para v.g. a conciliação da vida profissional com a familiar e adequação dos vários tempos sociais.

No entanto, em concreto, a flexibilização que tem imperado, caracteriza-se por um conjunto de mecanismos jurídicos destinados a permitir a otimização e a adaptação do trabalho a contingências unilaterais, fatores de produção e às variações da economia e/ou conseguir uma maior produtividade do trabalho140. Preponderantemente, esse caminho se dá

por meio de evasão das fronteiras rígidas das normas internacionais141 e normas atinentes à

organização dos tempos de trabalho e nisso reside grande parte da problemática, porque diferentemente do viés “conciliador” tempos trabalho/não trabalho, se constata preponderantemente uma reorganização espaço-temporal pautada por uma fluidez142 a partir de uma «colonização» do ordenamento jurídico pela racionalidade econômica143.

A flexibilização, tal como vem sendo empregada, em termos generalíssimos, materializou-se principalmente em 3 ondas144: caminhando dos contratos standard para atípicos, a flexissegurança145 e políticas de austeridade e todas, com maior ou menor intensidade afetaram a organização do trabalho, mediante, dentre outros, uma

139 HERNÁNDEZ, J. G. Op. cit. p. 39. Segundo o autor a flexibilidade implica em dois importantes problemas, quem deve beneficiar da flexibilidade e que interesses devem estar protegidos.

140 MORENO VIDA. M. N. Op. cit. p. 39-45; BOSCH, G. Op. cit. p. 159-160. 141 DELGUE, J. R. Op. cit. p. 29.

142 CASTILLO, J. J. Op. cit. (Sociología del trabajo). p. 88.

143 PÉREZ, J. L. M. Op. cit. (La ordenación del tiempo de trabajo). p. XXIII. CUVILLO, A. A. La autonomia efectiva de la voluntad del trabajador. In: MÉNDEZ, L. M. (dir)ꓼ SOUSA, D. A. (coord). Op. cit. p. 50, que refere que há uma «colonização» (no sentido habermaniano) de um subsistema jurídico pela economia «de maneira que a norma jurídico-laboral efetivamente retrocede em seus objetivos sociais». Nesse sentido as políticas pautadas nas diretrizes do consenso de Washington na América Latina, as de austeridade na UE e nas regulações de flexisseguridade no âmbito comunitário (livro verde da Comissão Europeia). Referido autor refere-se a uma (re)mercantilização da força de trabalho. Sobre o tema, por todos, BAYLOS GRAU, A. Desenhos institucionais e relações de trabalho: o debate contemporâneo, in SILVA, S. G. L. (org).

Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos. SP:

LTr, 2013, p. 176.

144 KREIN, J. D. Op. cit. (Seminário).

145 A conceituação remonta política dos anos 90 consistente em medidas de desregulamentação assistidas nos Países Baixos e na Dinamarca voltadas à reinserção de trabalhadores no mercado de trabalho através de contratos flexíveis. A «análise destas experiências levou a Comissão Europeia a promover a difusão de regimes regulamentares semelhantes aos adoptados nestas experiências piloto», identificando como pontos chave para legitimar o discurso da flexibilização: formas contratuais flexíveis e confiáveis, estratégias contínuas de aprendizagem garantindo a adaptabilidade, políticas eficazes ativas do mercado de trabalho que reduzam os períodos de desocupação e sistemas modernos de segurança social. BELLOMO, S. Le riforme del lavoro italiane degli anni 2012-2016 nel quadro europeo della flexicurity. In: LOCKMANN, A. P.; NOGUEIRA, E. S. A. (coord). Direito do Trabalho em transformação: um confronto ítalo-brasileiro. Campinas: Escola Judicial do TRT da 15ª Região, 2018. p. 12-14.

descentralização na definição das regras, uma redefinição da proteção social e uma despadronização da jornada, elemento chave dessa relação.

Citada regulamentação, feita, segundo BOSCH, sob um «ajuste fino» tem refletido em formas de otimização da exploração da mão de obra 146 através de uma heterogeneização de jornadas ou múltiplos períodos apoiada em regimes de maleabilidade, implicando em períodos de jornadas alargadas, intercaladas por curtas com «altas doses de disponibilidade por parte do trabalhador e o incremento dos poderes empresariais»147, plasmados por meio

de fontes distintas (principalmente negociações coletivas, autonomia individual, mas também, legislação, doutrina e jurisprudência), atrelados aos desígnios da produção e metas, ou seja, de acordo com o interesse pro empresa.

A flexibilidade dos tempos de trabalho nesse “esquema” irregular espraia-se para os de não trabalho, «dado que a flexibilização tem impactos negativos tanto dentro como fora do local de trabalho; dentro, a consequência é o aumento da intensidade e fora, é a desorganização do tempo de não trabalho»148 e se potencializa com as TICs ao permitir que o tempo de trabalho invada esferas da privacidade, de forma que a flexibilização se relaciona diretamente com a desconexão.

2.2.2 A alteração na hierarquia das fontes e a ênfase na