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Capítulo 2: “Novos” tempos de trabalho: flexíveis e digitais

2.3 As TICs e sua influência nos tempos de trabalho

2.3.2 Gig-economy

O âmbito das TIC, ora englobados sob a denominação gig-economy233 (também

denominada de sharing economy) contempla grande número de atividades que podem se desdobrar em serviços ou trabalhados, faceta que nos interessa. Entretanto, mesmo dentre os trabalhos há uma gama de possibilidades, divergindo desde o meio empregado para a conexão, a forma de contratação, a prestação de serviços e externalizações de utilização de mão de obra, o intuito lucrativo ou verdadeiramente colaborativo234, identificando-se em regra, como ponto comum a prestação de trabalhos através da internet. Como referido, há inúmeras dessemelhanças que externalizam um trabalho multifacetado, sob distintos: (a) roupagem(crowdwork ou on demand); (b) execução (totalmente on-line e execução local); (c) dimensão (âmbito local ou global); (d) instrumentos (apps ou plataformas virtuais), afetando a forma da execução de atividades, in loco (on demand) ou conectando compradores e vendedores/trabalhadores (plataformas digitais); (e) adjudicação de tarefas e forma de pagamento235.

Certamente o ponto mais relevante a distingui-los situa-se na execução. Enquanto os trabalhos em plataformas digitais são executados on-line, permitindo que clientes e trabalhadores operem indistintamente em qualquer lugar do mundo, nos aplicativos, apenas

233 Definida, em regra, como uma economia alternativa que contempla trabalhos temporários e trabalhadores autônomos e que traduziria o “desejo” dos empregadores: «uma força de trabalho que podem ligar e desligar conforme necessário - como se pode desligar uma torneira ou um rádio». HILL, S. New economy, new social

contract: a plan for a safety net in a multiemployer world. New America, aug/2015. p. 4. Acesso em

28/06/2019, 11h. Disponível na URL: http://bit.ly/2FD6bFK.

234 GAUTHIER, G. Economia compartida, “crowdworking” y Derecho del trabajo. In: ______(coord) et al;

Disrupción, economia compartida y derecho. Montevideo: FCU, 2016. p. 110.

235 EUROFOUND. New Forms of Employment. In: Mandl, I. et al. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2015. p. 7-10. Acesso em 27/06/2019, 15h. Disponível na URL: http://bit.ly/2X1Kg0V.

a oferta ocorre on-line, pois a execução das atividades só é praticável localmente236. Não obstante, mesmo internamente nesses dois instrumentos há um leque extremamente diversificado, variando nas plataformas digitais, desde métodos distintos na adjudicação das tarefas, competição entre os trabalhadores, maior ou menor intervenção da plataforma entre prestador do trabalho-cliente, pagamento e complexidade de tarefas. Nos aplicativos, da mesma forma, não há homogeneidade, variando desde os serviços executados, especialização de atividades, etc237. Consoante DE STEFANO, essas diferenças não são

apenas técnicas, mas também têm consequências importantes na proposta, aceitação e execução dos contratos entre as partes envolvidas, legislação aplicável, delimitação da lei da execução do contrato, dentre outras238.

Entretanto, ressalvando esse complexo quadro, tal como ocorre com o teletrabalho subordinado, é possível agrupá-los, no tocante ao exame do seus efeitos no tempo de trabalho e na desconexão, porque são identificáveis inúmeras semelhanças que permitem essa forma de abordagem, em específico, por instituírem um redimensionamento do trabalho com relação ao tempo, rompendo com certos paradigmas.

Diverge, a doutrina quanto a sistematização e conceituação entre trabalhadores a demanda (on demand ) e o crowdworking (recrutamento on line), mas em regra, o primeiro compreende o trabalho localmente baseado e delimitado geograficamente (delivery de refeições, transporte automotor, trabalho doméstico, etc) e o segundo, o recrutamento a nível global de trabalhadores para o desenvolvimento de trabalhos em plataformas digitais (também chamado de on line outsourcing)239 e a partir da perspectiva que se analisa o fenômeno, transitam referências indistintas à prestação de trabalhos subordinado, autônomo e entre relações consumidor-consumidor e empresa-consumidor240.

236 DE STEFANO, V. The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. Conditions of work and employment series, nº 71. Geneva: OIT, 2016. p. 2- 3. Acesso 25/06/2019, 11h. Disponível na URL: http://bit.ly/2RxYaa9

237 Idem. Ibidem. p. 3-4. 238 Idem. Ibidem.

239 GOLDIN, A. Op. Cit.

240 Como cediço é altamente controvertido o tipo de relação jurídica existente entre os trabalhadores em apps e plataformas digitais, transitando entre o não reconhecimento do vínculo, ao reconhecimento e figuras intermediárias. Para maior aprofundamento, GINÈS I FABRELLAS, A. Crowdsourcing y contratación on- demand: ¿una modalidad lícita de externalización productiva en el nuevo entorno digital? In: MÉNDEZ, L. M. (dir)ꓼ SERRANI, L. (coord). Op. cit. p. 186-188; BENÍTEZ, E. M. S. Los conductores de UberPop y UberX: ¿trabajadores asalariados, autónomos, emprendedores, cooperativistas, o qué? Idem.

Despontam em alguns países algumas iniciativas legislativas, como Portugal, França e Uruguai. No Brasil, não existe legislação específica e a jurisprudência não é uniforme (processo 1000123-89.2017.5.02.0038 do TRT da 2ª região, Rel. Beatriz de Lima e processo 0011359-34.2016.5.03.0112 do TRT da 3ª região, Rel. Maria

Ponto assente é que ambas podem contemplar serviços ou trabalhos que, no caso de apps e plataformas de serviços/trabalho com intuito lucrativo, tem implicado uma ruptura no modelo tradicional da relação de trabalho, no tocante à forma, local, execução e remuneração do trabalho, ensejando uma «ascensão do trabalho invisível241» tanto com relação ao contratante, aplicativos ou plataformas de intermediação com o uso de algoritmos242.

Referidos trabalhos conquanto comportem distintas formas e expressões, do qual o «Uber é o arquétipo»243, em regra, representam uma “fuga” do direito do trabalho, operando-

se à margem de normas protetivas, mediante a promessa de libertar o homem do trabalho subordinado tornando-o o “CEO” de seu microempreendimento244 onde se escolheria a forma, dia, horário de trabalhar, instituindo uma nova organização do trabalho a “uberizada”245 .

Despontam, no entanto, algumas regulamentações, ainda que tímidas. A lei 45/2018, conhecida como a “lei Uber” em Portugal confere alguns direitos trabalhistas, porém, deixa abertura para que o motorista e parceiro confundam-se, o que ensejaria a criação de interessante figura, que concentraria o prestador de serviços e beneficiário ou o empregador-empregado. Na legislação francesa destaca-se a nova redação do CTF no livro III, título IV englobando os " trabalhadores que utilizam uma plataforma eletrônica", impondo na hipótese de a plataforma determinar as características do serviço prestado ou a propriedade vendida e definir o preço, uma responsabilidade social por meio de uma cotização. A redação do art. 7.342-1 não traz nem expressamente, nem implicitamente a presunção de trabalhador assalariado (présomption de salariat), pois se refere a

Stela Álvares da Silva Campos). Dentre as jurisprudências mais emblemáticas, com relação ao reconhecimento de algum direito trabalhista, cita-se a do Tribunal do Trabalho de Londres que reclassificou os contratos dos condutores da VTC, pelo que a Uber deve respeitar a Lei do Salário Mínimo, a limitação do tempo de trabalho e as férias pagas (Aff. Aslam e Farrar vs Uber, nº 2202550/2015) e em NY os motoristas foram declarados elegíveis para o Unemployment Benefits (equivalente ao seguro desemprego) e compensação de trabalhadores.

241 SUNDARARAJAN, A. Op. cit. p. 167.

242 Substituindo a mão mágica de SMITH pela mão virtual. EZRACHI, A.; STUCKE, M. E. Virtual

Competition: The Promise and Perils of the Algorithm-Driven Economy. London: Harvard University Press,

2016.

243 JULIEN, M.ꓼ MAZUYER, E. Op. cit. p. 189-198. 244 HILL, S. Op. cit. p. 5.

245 É comum a referência à uberização do trabalho humano em distintos contextos e preponderantemente ao se referir a qualquer tipo de trabalho através de aplicativos ou plataforma digital, constituindo, uma «nova forma de organização do trabalho» que a partir das TICs sucederia ao Toyotismo. Por todos, KREIN, J. D. et al. Op.

trabalhadores autônomos, entretanto, é possível inferir que a disposição não impede o reconhecimento do vínculo de emprego uma vez caracterizados seus requisitos246. Não obstante, garante-se ao trabalhador freelancer, pela «técnica da assimilação», certos direitos, embora «minimalistas», como «o direito de acesso à formação profissional contínua, o direito à validação da experiência adquirida», um "substituto do direito de greve” (art. 7342- 5), o direito de formar um sindicato (art. 7342-6) e a assunção de um seguro que cubra o risco de acidentes de trabalho (art. 7342-4)247.

No Uruguai a Lei 19.355 regulamenta o assunto reconhecendo a solidariedade dos intermediários dos serviços realizados por/ pelas plataformas, apenas com relação a tributos, tramitando desde 2016 projeto de lei para normatizar outras questões, como a trabalhista248.

No âmbito coletivo, surgem novas formas de organização do trabalho, como movimentos associativos entre trabalhadores em apps e plataformas digitais. Na Alemanha, os sindicatos desenvolveram estruturas de apoio especificamente para trabalhadores de plataformas. Na França, com fundamento no CTF (art. 7342-6) os motoristas da VTC se mobilizaram para lutar contra a redução das tarifas exigidas pela Uber e criaram uma associação sob a égide da UNSA249.

2.3.3 Impactos das TICs na organização e distribuição dos