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Capítulo 2: “Novos” tempos de trabalho: flexíveis e digitais

2.3 As TICs e sua influência nos tempos de trabalho

2.3.1 Teletrabalho

O teletrabalho constitui um fenômeno multiforme, ante seus inúmeros arranjos, realidade apreendida dogmaticamente222, apontando a dificuldade de conceitua-lo e delimitá-lo223, mas que em regra, perpassa por visões bem distintas, desde aquelas que o concebem como um viés conciliador entre família-trabalho e outras, enfatizando sua condição de ferramenta. Não obstante, as distintas visões envolvem a assimilação do tripé localização-organização-método de produção (uso de TIC)224 compreendendo quanto ao

220 No mesmo sentido, MELO, S. N.; RODRIGUES, K. R. A. L. Direito à Desconexão do Trabalho: Com Análise Crítica da Reforma Trabalhista: (Lei n. 13.467/2017). SP: LTr, 2018. p. 56.

221 Também, Idem Ibidem. p. 73; ALMEIDA, E. A.; SEVERO, V. S. Direito à desconexão nas relações sociais

de trabalho, 2ª ed. SP: LTr, 2016. p. 39.

222SAKUDA, L. O.; VASCONCELOS, F. C. Op. cit. p. 40. Entre os autores dos EUA prepondera o termo

telecommuting (localização) e entre os europeus telework(processo).

223 A OIT define o teletrabalho associando localização e método de produção. In: Conditions of Work Digest:

Telework, vol. 9, Geneva: International Labour Office, 1990. p. 3; o Acordo-quadro europeu de 2002 sobre

teletrabalho segue idêntica diretriz, utilizando um conceito aberto que associa uso de TCI, organização e deslocamento a partir de uma “base-regular”; CRAIPEAU refere-se a um conceito em evolução a partir de uma dispersão do local de trabalho. In: Télétravail: le travail fluide. Quaderni. [S.L.], nº 71, 2010 p. 107–120. Acesso em 07/12/2018, 12h43min. Disponível na URL: http://bit.ly/2XzZCe3.

224 MESSENGER, J.ꓼ GSCHWIND, L. Three generations of Telework: New ICTs and the (R)evolution from

primeiro, a prestação do trabalho integral, parcial ou eventualmente descentralizado da empresa. Como os estudos sobre teletrabalho ainda se pautam na divisão espacial clássica do trabalho, destaca-se o home office. Sem embargo, há inúmeras ocorrências, em centros de telesserviços ou espaços de coworking, teletrabalho móvel, offshore, ou escritórios virtuais, etc.

No âmbito comunitário, segue-se a ênfase padrão (home office). O acordo-quadro europeu sobre teletrabalho de 2002225 exerce nítida influência sobre o ordenamento

Português, o qual, consoante MÉNDEZ o incorporou em seu «máximo nível»226 ao tratar no

CT (art 165 e segts) de vários aspectos do teletrabalho, dentre os quais, conceito, seus princípios (igualdade de tratamento entre trabalhadores, voluntariedade e reversibilidade), proteção da privacidade, SST, fornecimento dos equipamentos de trabalho, explorando, a partir da diretriz comunitária, suas potenciais valências conciliadoras227 da vida profissional e familiar e redutoras de contextos de discriminação. Estabelece ainda o teletrabalho como «direito unilateral do trabalhador»228 pelo menos em duas situações, aquele com filho de até 3 anos e vítima de violência doméstica.

No tocante à definição o CT empregou um conceito temporal aberto, descartando a situação ocasional (embora a cada dia mais comum), associando os critérios espacial e instrumental (art. 165), bem como, impondo a indicação do período normal de trabalho, não obstante, no art. 218.º, c, inclua os teletrabalhadores dentre aqueles isentos do controle de jornada quando o exercício da atividade se dê fora do estabelecimento e sem controle imediato do superior hierárquico.

O legislador espanhol optou por uma abordagem mais genérica, alinhando-se à normativa internacional da OIT (C.177) ao trazer a referência expressa ao trabalho domiciliar e ao acordo-quadro, com remessa quase integral da regulação da matéria aos acordos e convênios coletivos229, referindo-se no ET ao trabalho à distância (embora a

225 Destaca-se recomendação para ratificação C.177 OIT.

226 MÉNDEZ, L. M. La configuración del teletrabajo em el Derecho Portugués: algunas reflexiones al hilo del ordenamento español. In ______. (dir)ꓼ SERRANI, L. (coord). Op. cit. p. 289.

227 FERNANDES, F. L. Organização do trabalho e tecnologias de informação e comunicação. Questões Laborais, Coimbra, nº 50, ano XXIV, jan-jun/2017. p. 10-11.

228 Adotando essa interpretação do art. 166 do CT, MÉNDEZ, L. M. Op. cit. (La configuración del teletrabajo em el Derecho Portugués). p. 312-316.

229 Destacam-se o Acordo marco (Resolução DGE de 29 de outubro de 2014) e Convênio Coletivo (Resolução DGE de 30 de abril de 2015), ambos da Repsol e o acordo coletivo do BBVA (de 27 de julho de 2011) sobre teletrabalho.

exposição de motivos da citada normativa traga referência explícita ao teletrabalho) 230 definindo-o no artigo 13, 1 do ET. Interessante citar nesse ordenamento a alteração do art. 34 do ET pelo Real Decreto-ley 8/2019, de 8/3, após decisão proferida pelo TJUE no acórdão do processo C-55/18 (Federación de Servicios de Comisiones Obreras (CCOO) x Deutsche Bank SA), estatuindo a obrigatoriedade de manter o controle de jornada, sem diferenciar o local de prestação dos serviços231.

O direito italiano positivou o teletrabalho apenas no emprego público (D.P.R. n. 70/1999) a fim de instituir uma gestão que permita uma «utilização flexível dos recursos humanos» (art. 1º), admitindo a prestação do trabalho em «qualquer lugar considerado apropriado» (art. 2º, nº 1, b), contemplando ainda regras de caráter preventivo com relação à higidez, organização do trabalho e fornecimento de equipamentos. Entretanto, no mesmo ordenamento, ocasionando uma aparente sobreposição entre dois tipos legais232 a legge n. 81 instituiu dentre outras o lavoro agile, o qual não necessariamente prevê o uso de TIC, mas alberga o trabalho ocasional com referidas tecnologias (art. 18).

O conceito de teletrabalho encontra-se explicitado no art. 1222-9 do CTF e abrange não apenas o teletrabalho periódico, como o ocasional e dentre os requisitos mínimos do contrato de teletrabalho cabe a especificação de como controlar ou tempo de trabalho ou a regulação da carga de trabalho (arts. 1222-9, II, 3º e 3121-60) e a determinação dos períodos em que o empregador poderá entrar em contato com o teletrabalhador para empregados sujeitos a autonomia na organização do seu tempo. Acresça-se que há uma presunção de acidente de trabalho para o que ocorre no local e horário de teletrabalho.

230 Apresenta vantagens pelo caráter genérico apreendendo todas as formas de teletrabalho, porém, também peca pelo fato de que o trabalho à distância, embora se assemelhe com o teletrabalho, com este não se confunde. 231 A jurisprudência, na Espanha, tem caminhado para reconhecer a possibilidade de controle da jornada dos teletrabalhadores, sem que isso, necessariamente, implique vulneração à privacidade. Nesse sentido, TSJ Castilla y León, Valladolid, AS 2016/99: «el control del ejercicio laboral por medio de la comprobación de la conexión del trabajador a la intranet de la empresa y de su actividad en la red, no supone en principio y en condiciones normales invasión del espacio protegido bajo el concepto de domicilio y además es susceptible de inspección y control por la Administración Laboral» In: JESÚS, N. E. El control del tiempo de trabajo en el teletrabajo: una visión desde la negociación colectiva de la Comunidad Autónoma del País Vasco. Revista Internacional y comparada de relaciones laborales y derecho del empleo, ADAPT, Modena, vol. 7, nº2, 2019, p. 199.

232 Para GARZÓN, ao não se sobrepor totalmente, pelo menos formalmente (o que difere da realidade no âmbito convencional), o legislador «parece haver querido escapar [no âmbito privado] do marco regulatório existente para o teletrabalho». Avances en Italia y España hacia la regulación del derecho a la desconexión tecnológica y el nuevo lavoro agile. In: MÉNDEZ, L. M. (dir); SERRANI, L. (coord). Op. cit. p. 449. Sobre o tema, DIAS, J. M. Smart Working. Dialogues between Portugal and Italy. Labour & Law Issues. Bologna, vol. 3, nº 2, 2017. p. 39-60. Acesso em 13/06/2019, 12h. Disponível na URL: http://bit.ly/2KMOYgx; CAIROLI, S. Op. cit. p. 81.

No Brasil a lei 13.467/2017 conceituou o teletrabalho em diretriz semelhante à legislação portuguesa (art. 75-B da CLT) e da mesma forma isentou de controle de jornada referida atividade. Ganha destaque nesse ordenamento o disposto no. 6º da CLT (Lei n. 12.551/2011) ao definir que «não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego», em sentido semelhante a previsão do art. 13, nº 3 do ET.