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5. DISCUSSÃO

5.2 Fluxo, Migração e Descentralização

Os dados relacionados à notificação de casos fora do município de residência mostram um fluxo dominante de diversos municípios menores em direção a municípios considerados pólos para o atendimento da hanseníase. Pôde ser observado também um direcionamento de casos para o diagnóstico no município de Goiânia e no Distrito Federal, muito distantes dos municípios de residência. Esta situação observada foi denominada “Ice Cream Effect” devido à distribuição dos fluxos encontrados e o formato aproximadamente circular do agregado de municípios, apresentando um fluxo de pessoas de uma área endêmica que apresenta fluxo interno, para outra área concentrada fora do agregado.

Os mapas de fluxos permitiram identificar o volume de “tráfego” entre município de residência e de atendimento inicial, identificados pelo Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) nos anos de 2001 a 2009, relacionado à hanseníase. A largura de cada linha é proporcional ao fluxo e o comprimento permitiu verificar a distância percorrida em linha reta pela população na busca por assistência, bem como identificar anomalias ou particularidades neste fluxo, como áreas que concentram notificação de casos novos ou áreas com vazios para o diagnóstico da hanseníase.

No Brasil, a Política Nacional de Saúde fundamenta-se na organização do Sistema Único de Saúde a partir do Saúde da Família em um

processo regionalizado e pactuado que contribui para a universalização do acesso e para a descentralização qualificada da assistência (Lanza e Lana, 2011). O processo de descentralização pode induzir fluxos diferenciados. Entretanto, para o alcance do controle da hanseníase as ações de controle devem estar integradas e principalmente direcionadas para a atenção básica, considerando-se que a organização do serviço para o diagnóstico desta doença está explicitamente delimitada na Política Nacional de Atenção Básica, bem como as atribuições dos profissionais de atenção básica/saúde da família, destacadas no Caderno de Atenção Básica Nº 21 (Brasil, 2007b).

No ano de 2007, foram pactuadas as metas do Programa Nacional de Controle da Hanseníase para o período 2008-2011, e a descentralização das ações de controle para as unidades básicas de saúde foi um dos pontos principais, tomando como referência a diferenciação entre municípios prioritários dentro dos agregados da hanseníase identificados em 2008. Definiu-se a meta para que mais de 50% das unidades de saúde da rede básica local destes municípios prioritários estejam em condições de desenvolver ações de controle da hanseníase até 2011 (Brasil, 2008b; 2011b). no entanto ainda podem ser encontrados diversos municípios com valores de cobertura inferiores ao preconizado.

O acesso a serviços de saúde da atenção básica deve ser visto como ponto fundamental nesta análise de fluxo para o primeiro atendimento. Em diversos municípios da área de estudo, a cobertura do Saúde da Família teve crescimento contínuo, tendo destaque os municípios do estado do Tocantins. Os estados do Pará e Maranhão tiveram um aumento substancial na proporção de cobertura do Saúde da Família, no entanto, ainda há vários municípios no oeste do Maranhão e todo o leste do Pará com cobertura abaixo de 50% no último período do estudo (2007 a 2009). A baixa cobertura nesses municípios pode estar influenciando na necessidade de pessoas com hanseníase se deslocar a outros municípios próximos para a realização do diagnóstico.

Isto pôde ser observado em relação aos municípios de Marabá e Parauapebas no sudeste do Pará, que atuam como pólos recebedores de casos para notificação de outros municípios vizinhos, ou em Araguaína em Tocantins, e Floriano no Piauí. Em Floriano houve um fluxo muito intenso do município Barão de Grajaú no Maranhão. A capital do Maranhão, São Luís, em Belém (PA) e em Teresina (PI) o fluxo é proveniente de diversos municípios algumas vezes localizados em outro Estado.

Há uma influência de vários aspectos de organização social do espaço que historicamente atuam no fluxo de pessoas para o diagnóstico em outras cidades, que influenciam aspectos operacionais entre municípios de diferentes Estados. A proximidade e uma melhor qualidade nos serviços de saúde pode ser exemplificada na relação entre Timon (MA) e Teresina (PI), estes municípios compõem uma Região Integrada de Desenvolvimento que constitui um espaço urbano e integrado mas, na classificação da condição social, Teresina encontra-se em situação média com IDH de 0,76 e Timon, em situação ruim, com IDH de 0,65 (IBGE, 2003; IPEA, 2011; Ribeiro, 2009). Este fato pode levar a uma migração por atendimento em saúde da população em direção à Teresina. A opção pela busca do serviço de diagnóstico em outra cidade pode traduzir uma melhor qualidade no serviço de saúde no município de notificação ou algumas vezes a ausência deste serviço no município de residência, outro ponto que pode influenciar no diagnóstico em outra cidade são os sinais e sintomas da hanseníase que possibilitam a presença de estigma em relação aos indivíduos portadores da hanseníase, além de diminuição na participação social, ampliação da vulnerabilidade social, limitações para atividades físicas e problemas psicológicos (Alencar, Barbosa et al., 2008; Aquino, Caldas et al., 2003). Entretanto, nossos dados relacionados à migração após o diagnóstico mostram que o estigma causado pela hanseníase quase não apresenta importância para mudança de residência na população de estudo em Tocantins.

A hanseníase é uma doença de notificação compulsória em todo o território nacional e de investigação obrigatória. Todos os casos

diagnosticados devem ser notificados, utilizando-se a ficha padrão de notificação/investigação (Brasil, 2010c). O diagnóstico, independentemente do local realizado é uma prerrogativa constitucional, sendo um dos princípios do Sistema Único de Saúde – SUS. No entanto, considerando-se hanseníase como condição crônica, onde o tratamento e acompanhamento do paciente podem levar mais de 12 meses (Brasil, 2010c; Rodrigues e Lockwood, 2011; WHO, 2009), poderá haver dificuldades para o seguimento dos casos, principalmente se o diagnóstico tiver sido realizado longe de sua residência.

A integração dos programas de controle da hanseníase na atenção básica de saúde foi considerada a melhor estratégia para o controle da doença, com diagnóstico precoce e melhoria na qualidade do atendimento à pessoa com hanseníase, facilitando o acesso ao tratamento, à prevenção de incapacidades e a diminuição do estigma e da exclusão social (Dias e Pedrazzani, 2008; Feenstra e Visschedijk, 2002). O acompanhamento dos casos de hanseníase é fundamental para a prevenção de incapacidades físicas e cura.

Desta forma o atendimento inicial de casos realizado em outro município pode influenciar diretamente em indicadores operacionais como a proporção de contatos examinados. Pode causar também um prejuízo relacionado para a identificação ou prevenção de casos novos via exame de contatos, mesmo após a transferência dos casos para o município de residência. A abordagem dos contatos deve ser oferecida desde o momento do diagnóstico, bem como no decorrer do tratamento da doença e se necessário após a alta por cura (Brasil, 2010c).

Estudos realizados nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro mostraram que os serviços de saúde de menor complexidade, como a atenção básica, ainda não estavam organizados para realizar ações de controle de hanseníase de forma completa e têm encaminhado os casos suspeitos para as unidades de referência (Moreira, 2002; Pinto Neto e Villa, 1999). Em Fortaleza/CE pode ser observado que aproximadamente 70% dos casos em menores de 15 anos eram diagnosticados apenas no centro de

referência, indicando falhas importantes na descentralização dos serviços de saúde (Alencar, Barbosa et al., 2008). Na área de estudo houve um crescimento do modo de detecção por encaminhamento com mais de 30% nos anos de 2007 e 2008 e próximo a 40% em 2009 (Figura 37; Apêndice 12). Esta característica é encontrada em diversos municípios da área de estudo, alguns deles chegando a ter todos os seus casos detectados através de encaminhamento.

A descentralização das ações de controle da hanseníase é essencial para melhorar o acesso da população ao serviço e permitiu que as unidades básicas de saúde se tornassem o ponto de contato do paciente tanto para o diagnóstico como para o tratamento. A atenção básica deve incorporar em seu elenco de atividades a disponibilização de recursos e a divulgação de informações relacionadas aos sinais e sintomas, ao diagnóstico, à poliquimioterapia, à avaliação e seguimento com prevenção de incapacidades, à busca ativa e ao controle de comunicantes. Os centros de referência, como as policlínicas, devem ser reorganizados para prestarem assistência às complicações que foram referenciados pela atenção básica e promoverem a educação continuada das equipes de saúde (Lanza e Lana, 2011; Moreira, 2002). Vários estudos relacionam o crescimento na detecção de casos de hanseníase com a melhora na descentralização do programa de controle da hanseníase, com profissionais treinados e aumento da cobertura geográfica do saúde da família (Andrade, 2006; Andrade, Moreira et al., 2006; Cunha, Cavaliere et al., 2007).

A proximidade do atendimento reduziu bastante o fluxo do primeiro diagnóstico para as capitais/municípios pólo nos quatro estados ao longo do tempo. Esta redução pode ser explicada pela melhor aderência do paciente ao tratamento na unidade de saúde mais próxima a sua residência (Cunha, Cavaliere et al., 2007). Por outro lado, pôde ser observado um fluxo durante todo o período de casos para diagnóstico em Goiânia e Brasília, e, esses casos são provenientes de vários municípios diferentes de todo o agregado

mas em número pequeno e direcionados a unidades de saúde de referência para o diagnóstico da hanseníase.

Em relação à migração após o diagnóstico, este estudo mostra que pacientes recentemente diagnosticados com hanseníase mudaram de residência, principalmente como resultado de mudanças de estilo de vida e, saindo de uma posição muito menor para um melhor acesso ao tratamento. Na verdade, o Ministério da Saúde do Brasil através do Programa Nacional de Controle da Hanseníase colocou uma forte ênfase na redução da detecção, integrando serviços de controle da hanseníase no sistema municipal de saúde (descentralização) minimizando o estigma através de campanhas de saúde pública.

Alguns aspectos relativos ao sigilo e confidencialidade devem ser considerados, dado que a hanseníase muitas vezes é uma doença estigmatizante (Romero-Salazar, Parra et al., 1995). De acordo com o Ministério da Saúde, o diagnóstico de hanseníase deve ser informado ao paciente sem causar impacto psicológico, tanto a quem adoeceu quanto aos familiares, desta forma, a equipe de saúde deve buscar uma abordagem que favoreça a aceitação do problema, a superação das dificuldades e maior adesão aos tratamentos (Brasil, 2010c).

Trata-se de uma questão importante para a atenção básica, o sigilo e confidencialidade diante de doenças com temáticas “sensíveis” como hanseníase, tuberculose, aids, dentre outras (Stevelink, Van Brakel et al., 2011). Isto traz a necessidade de reflexão sobre o modo de atuar da atenção básica e a importância de se trabalhar estas questões com toda a equipe, inserindo habilidades comunicativas aos agentes comunitários.

A hanseníase está diretamente relacionada com estigma e preconceito (Weiss, Ramakrishna et al., 2006). Os efeitos socioeconômicos da hanseníase são muitos e variados. Na Índia, altos níveis de estigma foram relatados por pessoas vivendo com hanseníase. O estigma estava diretamente relacionado com alta restrição à participação social, como

dificuldades ou oportunidades de encontrar trabalho e aqueles que tinham um serviço diziam não ter capacidade de trabalhar tanto quanto os outros (Stevelink, Van Brakel et al., 2011). Na Índia, pessoas afetadas pela hanseníase tem dificuldade até mesmo para receber tratamento para outras doenças não relacionadas à hanseníase em hospitais privados, simplesmente pelo fato de apresentarem sinais visíveis desta doença (Bonney, 2011).

No Brasil, ainda há muito estigma e preconceito relacionado à hanseníase. Entretanto, com a mudança oficial do nome da doença para “Hanseníase”, além de campanhas de educação em saúde promovidas pelo Ministério da Saúde e governos estaduais com o propósito de ampliar e fortalecer parcerias com a sociedade, (Brasil, 2008b), conseguiu-se que o estigma e preconceito fossem reduzidos, como mostram os dados na população do Tocantins.

Estes resultados sugerem que essas políticas resultaram em uma diminuição do deslocamento para o tratamento. As oferta do controle da hanseníase e tratamento descentralizado bem como campanhas destinadas a reduzir o estigma, parecem ter reduzido a motivação de mudar de residência entre aqueles recém-diagnosticados com hanseníase em Tocantins. De forma geral, houve uma melhoria das condições socioeconômicas no país, promovendo o emprego e oportunidades para melhorar a qualidade de vida.