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5. DISCUSSÃO

5.1 Situação Epidemiológica da Hanseníase

O presente estudo mostra que no principal agregado, que engloba cerca de 5% da população do Brasil, o coeficiente de detecção global foi mais de quatro vezes maior quando comparado ao restante do país. Em menores de 15 anos de idade este indicador chega a ser até seis vezes maior. Isso mostra que a transmissão da hanseníase é ativa e continua em níveis elevados na região de estudo. Além disso, os indicadores sugerem diagnóstico tardio, em muitos casos devido à alta proporção de casos multibacilares e ao alto coeficiente de casos com grau 2. Apesar do sucesso nas ações de controle realizadas nos últimos anos, há ainda um longo caminho a percorrer para alcançar coeficientes de detecção mais baixos e dentro dos padrões esperados para o seu controle. O estudo também reforça que as medidas de controle devem ser mantidas como prioridade e ainda devem ser intensificadas nesse grupo de municípios.

A tendência ascendente dos coeficientes de detecção da hanseníase desde os anos 1980 no Brasil parece ter atingido seu pico e mostra uma estabilização e até redução (Brasil, 2008b; Penna, Oliveira et al., 2009b; Penna e Penna, 2007). De forma similar, a série temporal de 2001- 2009 apresentou coeficientes de detecção estáveis nos municípios de três estados deste agregado. Os coeficientes de detecção no Pará diminuíram consideravelmente, mas ainda permaneceram em níveis muito elevados. Esta queda foi acompanhada pela tendência do coeficiente de detecção em crianças menores de 15 anos. Esta tendência observada é provavelmente causada por fatores operacionais e não pelo comportamento epidemiológico da doença, como uma possível redução na prevalência oculta devido ao aumento na cobertura dos serviços de saúde (Penna, Oliveira et al., 2008; Penna e Penna, 2007). O aumento nas ações de controle realizadas pelos Programas de Controle dos Estados foram estabelecidos e intensificados no

período de observação. Desta forma, pode-se esperar que nos próximos anos os coeficientes de detecção e demais indicadores para o diagnóstico tardio irão ter seus valores reduzidos consideravelmente, se a política do programa de controle corrente se mantiver de forma contínua. Por exemplo, no Pará a redução dos coeficientes de detecção foi acompanhada por um aumento da cobertura da população com o Saúde da Família, passando de 13% em 2001 para quase 40% em 2009 (Brasil, 2011a).

Por outro lado, no Piauí onde a cobertura do Saúde da Família é quase 100% há vários anos, foram observados os valores mais baixos para o coeficiente de casos novos com grau 2 incapacidade por 100.000 habitantes. Além disso, nos municípios deste Estado foi encontrada a maior proporção de novos casos diagnosticados avaliados para incapacidade física, e mais de um terço dos casos novos foram diagnosticados no início da doença, na forma clínica indeterminada. As ações descentralizadas dos cuidados primários de saúde podem ter influenciado positivamente nas medidas de controle da hanseníase (Atkinson e Haran, 2004; Lanza e Lana, 2011). Entretanto, outros indicadores como a proporção de contatos avaliados se manteve baixa, indicando que as ações da atenção primária devem ser mais direcionadas para o diagnóstico precoce de casos novos.

No ano de 2009, a OMS lançou uma nova meta global com base na frequência do grau 2 de incapacidade por 100.000 habitantes. Uma redução de pelo menos 35% até o final de 2015, em relação a 2010, foi definida como meta (WHO, 2009). A utilização deste parâmetro é uma abordagem nova, pois a comparação é feita em relação à mesma área em outro momento. Esta redução relativa poderá ser um indicador melhor, já que também tem como denominador a população da própria área. A tendência temporal deste indicador deve ser levada em consideração, já que em áreas hiperendêmicas e com demanda de casos represada terão maior dificuldade em alcançá-la.

De 1995 a 2009, o Brasil tem reduzido o coeficiente de casos com grau 2 de incapacidade em pacientes recém-diagnosticados em apenas cerca de 10% a cada cinco anos, valor longe do objetivo proposto (Alberts, Smith et

al., 2011; WHO, 2009). No mesmo período, a Índia e a Tailândia mostraram

redução deste indicador de 54% e 36%, respectivamente, a cada cinco anos, enquanto a China reduziu esse indicador em 8%, após uma redução mais pronunciada nos anos anteriores (Alberts, Smith et al., 2011). Por outro lado, essas reduções também podem ter sido causadas por diferentes abordagens operacionais, e os dados devem ser interpretados com cuidado (Richardus e Habbema, 2007).

Mesmo considerando que este novo indicador e sua meta podem refletir melhor a evolução das medidas de controle (Declercq, 2011), ele ainda é baseado em valores relativos aos países como um todo. Claramente, isto pode ser adequado para países pequenos, mas deve ser tomada cautela em relação a países com dimensões continentais como Brasil e Índia, que mostram grandes diferenças regionais nos coeficientes de detecção de hanseníase, com áreas onde a doença é praticamente inexistente, e outras regiões com transmissão em curso (Penna, Oliveira et al., 2009b). Como mencionado anteriormente, o Ministério da Saúde do Brasil tem abordado este problema, orientando áreas de alto risco para a transmissão, identificadas por análise espacial (Brasil, 2008b).

Neste agregado endêmico, o coeficiente de casos novos com grau 2 por 100.000 habitantes permaneceu estável durante o período do estudo, com exceção de um pico em 2007. Neste ano houve uma mudança na codificação do grau de incapacidade na ficha de notificação/investigação e alguns municípios não usaram este novo código, como resultado, este pico não deve ser considerado com a mesma confiança que os dados dos outros anos (Oliveira, Grossi et al., 2010). No mesmo período, o coeficiente de detecção geral mostrou uma redução após um aumento inicial, enquanto a proporção de casos novos com grau 2 de incapacidade mostrou uma tendência inversa.

Isso pode ser reflexo de ações de controle estabelecidas na área: ações que aumentaram a detecção de casos de hanseníase e revelaram menores proporções de casos com grau 2 de incapacidades no momento do diagnóstico, bem como uma melhora no diagnóstico precoce ao longo do tempo. Por outro lado, pode haver problemas com a qualidade da avaliação da incapacidade e, possivelmente, sobre o diagnóstico de casos com grau 2 (Oliveira, Grossi et al., 2010). O coeficiente de casos novos com grau 2 de incapacidades por 100.000 habitantes parece ter sofrido menor influência de fatores operacionais – este indicador direciona sua interpretação em relação à prevenção de incapacidades e estimula a detecção precoce e provavelmente é um indicador mais robusto quando comparado ao coeficiente de detecção da doença na população (Declercq, 2011; Oliveira, Grossi et al., 2010). Além disso, a proporção de casos com grau 2 em uma população atuará como um indicador da carga geral de doença no nível da população, independente dos coeficientes de detecção de casos ou prevalência (Alberts, Smith et al., 2011; Declercq, 2011).

Este estudo também sugere que a presença do diagnóstico tardio da hanseníase está muito presente na área de estudo. A proporção de casos novos com grau 2 de incapacidade foi mais alta no Maranhão, indicando o diagnóstico tardio, principalmente neste Estado. Além disso, no Maranhão, a hanseníase indeterminada era menos comum, e apresentava maior frequência de casos multibacilares. O Maranhão é um dos estados mais pobres do Brasil, com IDH médio considerado baixo (0,58), e a descentralização, incluindo a cobertura populacional do Saúde da Família, ainda está muito aquém da meta. Desta forma a proporção de casos na forma multibacilar diagnosticados pode ser maior devido ao serviço de saúde ainda não ter conseguido atender toda a demanda reprimida.

Por outro lado, a proporção de pacientes do sexo feminino e os casos multibacilares entre os casos novos apresentaram níveis mais altos no restante do Brasil quando comparado aos municípios dos agregados, apesar desta diferença significativa a magnitude não se mostrou relevante, com um

risco relativo praticamente igual. Isso pode refletir o recente sucesso de estratégias de controle da hanseníase direcionado para as áreas de alta endemicidade no Brasil (Penna, Oliveira et al., 2009b). No entanto, o controle da hanseníase não deve apenas se concentrar em áreas com um elevado número de casos, mas também em áreas e populações mais vulneráveis, considerando as diferenças econômicas e sociais presentes em países de renda baixa e média como o Brasil (Lindoso e Lindoso, 2009; Mencaroni, Pinto Neto et al., 2004).

Semelhante a muitas outras doenças infecciosas, a hanseníase tem sido considerada uma doença relacionada com a pobreza (Feenstra, Nahar et al., 2011; Kerr-Pontes, Barreto et al., 2006). Em municípios brasileiros com distribuição de renda mais heterogênea, a probabilidade da hanseníase ser um problema de saúde pública é maior (Kerr-Pontes, Montenegro et al., 2004). De fato, o índice de pobreza subjetiva, na área de estudo, está próximo de 90%, enquanto na Região Sul do Brasil, onde não há transmissão ativa da hanseníase (Penna, Oliveira et al., 2009b), esse índice é de aproximadamente 15% (IBGE, 2003). Este indicador é derivado da opinião dos entrevistados, e calculado levando-se em consideração a própria percepção das pessoas sobre suas condições de vida. Segundo especialistas, a percepção de bem-estar de um indivíduo sofre influência de acordo com sua posição em relação aos demais indivíduos de um determinado grupo de referência. Há também evidências sobre associação da detecção da hanseníase e as condições sociais na região amazônica, que abrange alguns estados do agregado estudado (Silva, Ignotti et al., 2010). Neste contexto, a continuidade das políticas sociais do governo Federal para redução da pobreza extrema certamente irão minimizar a vulnerabilidade da população a uma série de doenças, inclusive a hanseníase (Brasil, 2002b).

Uma abordagem baseada em evidências foi implementada com sucesso pelo Programa Nacional de Controle da Hanseníase, através da aplicação de Pesquisas Operacionais, em colaboração com várias partes interessadas, tais como organizações não governamentais, que ajudaram a

definir e abordar áreas para melhoria dos programas de controle em nível local e estadual (Ramos Jr, Heukelbach et al., 2006). A implicação destas ações ao nível local pode levar a um conhecimento mais adequado dos problemas relacionados ao controle da hanseníase, bem como mudanças no processo de gestão com fortalecimento de vários pontos desde o acolhimento dos casos novos ao apoio após o final do tratamento. Estas mudanças podem interferir diretamente nas diversas realidades municipais e consequentemente nos indicadores epidemiológicos e operacionais.