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A fome, a guerra, as táticas missionárias e a expansão batista em zonas de contato

Capítulo 3: A expansão do cristianismo batista em zonas de contato moçambicanas

3.3. A fome, a guerra, as táticas missionárias e a expansão batista em zonas de contato

Esses sujeitos históricos, quase sempre jovens, eram fundamentais nas táticas utilizadas por aqueles cristãos que, com objetividade, perseguiam suas metas de expansão pelo país. Em um dossiê especial sobre a vida da missionária Valnice Milhomens na África, as lideranças executivas brasileiras, através da Revista O Campo é o Mundo, explicavam que

Estes jovens têm sido enviados pelo governo a lugares os mais distantes e ali estão em posição de chefia. Como Daniel, vivendo sua fé.

Os alunos de Valnice estão espalhados por todas as províncias e ali estão testemunhando! Há histórias acerca do trabalho destes que não se pode narrar. Está acontecendo hoje, em Moçambique, o mesmo que aconteceu em Jerusalém.207

A história bíblica de Daniel, mencionada na matéria da revista, consistia na narrativa sobre um grupo de quatro jovens inteligentes e virtuosos da tribo de Judá que haviam sido capturados pelo rei Nabucodonozor (634 a.C - 562 a.C), o qual ordenara que as habilidades daqueles, em especial a capacidade de interpretar sonhos, fosse colocada à sua disposição com exclusividade. Dentro daquele período em que o povo hebreu estava sob o cativeiro babilônico, aqueles jovens foram deslocados da convivência com os seus e forçados a viver no palácio do rei ou em outras regiões de seu império, terminando por testemunhar a fé do seu povo diante dessa distinta cultura e de seu regime político fechado, através de atitudes como a decisão tomada por Daniel que teria preferido permanecer na sua modesta dieta, recusando a oferta de se alimentar das mesmas iguarias do rei, ou através de episódios sobrenaturais como a sobrevivência na cova dos leões.208

Analogamente, os jovens moçambicanos doutrinados e treinados por Valnice Milhomens para o serviço missionário, estariam sendo recrutados pelo governo para as funções administrativas ainda em vacância desde o êxodo português. Quando não convocados para o serviço militar, esse contingente populacional de jovens, que representava a grande maioria de

207O CAMPO É O MUNDO. A terra de Valnice. Ed. JUERP, Rio de Janeiro, março de 1982, p.17. 208Daniel... In: Bíblia de Jerusalém (Nova edição revista e ampliada). Ed. Paulus, São Paulo, 2003, p.1552-1567.

um país cuja expectativa de vida estava entre as mais baixas do mundo209, também poderia ser transferido para campos de trabalho e reeducação, uma vez considerados improdutivos pelo estado. Assim, nesse contexto restritivo, novas táticas eram elaboradas pela missionária. Em viagem realizada a diferentes países do continente africano, em 1982, o então secretário executivo da Junta de Missões Mundiais, Waldemiro Tymchak, relatava que, diante da proibição de atividades religiosas em aldeias comunais, centros de ensino e unidades militares,210 vários jovens,

(...) já tendo concluído seus estudos, estão se dirigindo aos campos de trabalho. [onde] Valnice, em função de ser missionária, não teria a liberdade de ir e abrir uma nova frente. Mas, através desses jovens, ela consegue estender suas tendas. E assim, o trabalho vai se multiplicando.211

A evangelização e o treinamento de jovens missionários no Instituto de Formação organizado na cidade da Beira, passara, dessa forma, a constituir-se em uma tática fundamental para penetrar em regiões impermeáveis. Dessa maneira, na perspectiva do secretário geral da Junta de Missões Mundiais, estaria “acontecendo hoje, em Moçambique, o mesmo que aconteceu em Jerusalém” quando, nos primeiros séculos da era cristã, a perseguição promovida pelo império romano a esse novo movimento religioso teria forçado sua fuga, dispersão e consequente multiplicação por regiões mais diversas do mundo antigo.212

Somado a esse efeito “positivo” involuntário, o recrudescimento das políticas do estado moçambicano dirigidas às religiões também causou um esforço especial entre os missionários que construíam alternativas variadas para romper tais barreiras e entraves. Sobre esse tipo de procedimento, um análogo contexto representado pela guerra do Vietnã foi pensado por Michael de Certeau ao elaborar o conceito de táticas como um conjunto de dispositivos astuciosos construídos por aqueles que, em desvantagem numérica e bélica, precisavam

209 De modo geral, os indicadores sociais de Moçambique lhe colocam entre os países mais pobres do mundo e, no censo de 1997, primeiro realizado após a guerra civil, os números eram ainda mais dramáticos. Por exemplo, cerca de 90% da população era considerada analfabeta. Durante a guerra, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas tenha morrido, 1,7 millhões se tenha refugiado nos países vizinhos e pelo menos 3 milhões estivessem deslocadas das suas zonas de origem. Ver: SILVA, T. Moçambique: um perfil. Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Estudos Sociais. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/emancipa/gen/mozambique.html#p1-2. Consultado em: 08/08/2019. Ver também: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICAS. A mortalidade em Moçambique: estimativas do censo de 1997. Maputo, 2000.

210Ver: SILVA, C. "Viver a fé em Moçambique": as relações entre a FRELIMO e as confissões religiosas (1962-1982). Tese de doutorado em História Social, UFF. Niterói, 2017, p.121-134.

211O CAMPO É O MUNDO. A terra de Valnice. Ed. JUERP, Rio de Janeiro, Março de 1982, p.20. 212 Ibidem.

inventar “truques”, “dribles”, novos caminhos e armadilhas criativas através das quais pequenos golpes eram executados e, quando somados, poderiam implicar em importantes avanços que, no caso do projeto missionário em análise, seriam as conquistas e vitórias prometidas por Deus aos missionários, que assim acreditavam. Para o autor, a tática era determinada pela ausência de poder, consistindo na:

(...) arte do fraco, [que] por isso a opera golpe por golpe. A tática tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Vai caçar, cria, ali, surpresas, consegue estar onde ninguém espera; é astúcia.213

As práticas missionárias observadas na documentação expressavam muitas dessas astúcias que, junto à dinamicidade de alternância de papéis, tornavam os nativos protagonistas da expansão daquele grupo religioso. O ambiente de perseguição construído pelo governo da FRELIMO, consistia em combater atitudes, comportamentos, mentalidades e instituições consideradas continuadoras do colonialismo, entre elas, as religiões de maneira geral, foram vigorosamente acossadas. Assim, um tabuleiro de estratégias e táticas se assentava no território moçambicano. Nesse jogo, Milhomens passou a focar nos jovens com o nível de instrução exigido pelo governo para transferi-los aos cargos de chefia em diferentes regiões, ou, quando em caso de desqualificação, aos campos de trabalho, fechados para o serviço missionário e demais práticas religiosas. Dessa maneira, através dessas táticas, driblava-se as restrições oficiais, transformando-as em oportunidades.

Além dessas ações, o governo da FRELIMO, especialmente a partir do final da década de 1970, passou a estabelecer um conjunto de estratégias visando combater todas as práticas religiosas que, segundo o seu discurso, remetiam a uma mentalidade colonial contrária ao novo homem em construção junto à identidade nacional moçambicana. Faziam parte desse pacote, o controle da ajuda humanitária prestada pelas igrejas; a autorização, quase sempre penosa e delongada, para construção de lugares de culto ou para entrada e saída do território nacional. Foi nesse embalo das ações reguladoras do estado que as terras foram confiscadas. Junto a elas, os templos onde as igrejas se reuniam e conservavam seus patrimônios materiais, foram tomados e nacionalizados.214

213CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Ed. Vozes, 1994, Petrópolis, p.101.

214Cf: SILVA, C. "Viver a fé em Moçambique": as relações entre a FRELIMO e as confissões religiosas (1962-1982). Tese de doutorado em História Social, UFF. Niterói, 2017, p.125.

Essas estratégias de combate ao que considerava-se obscurantismo, alcançou as dependências físicas da Igreja de Valnice Milhomens, no Dondo, transformada em residência comunitária, pelo Ministério da Educação, destinada à moradia de jovens mulheres recém formadas em Educação, oriundas de outras regiões e deslocadas para localidades que estivessem na rota das ações reguladoras do estado a se esforçar para construir à desafiadora moçambicanidade e o desenvolvimento, sobretudo das áreas rurais ou menos urbanizadas. Testemunha ocular desse processo, Mariazinha Merojeque, professora do estado e diretora da escola da igreja, chamada El Shadai, esclarece alguns detalhes desse período,

Quando saio de formação e chego colocada no Dondo não tinha casa, minha família é de outro distrito não aqui e não era casada, e então a educação quando nos colocou aqui no Dondo nos atribuiu a casa comum onde há pessoas, meninas que vinham da formação podia morar. Então, à esta altura era esta igreja batista, que tinha sido nacionalizada, passou às mãos do governo na área de Educação, então pertencia ao Ministério da Educação e quem vinha da formação e não tivesse casa então podia viver nessa casa, casa comum. Depois que arranjasse suas comissões podia se libertar. Então, morei aqui mas não era crente.

H.: depois que o Governo devolveu a igreja, aí você se tornou membro... M.: Sim. Já era membro porque quando foi nacionalizada, os crentes que estavam aqui foram alugando lugar ali para orarem, por isso que eu falei que a missionária Raquel [expressão de dúvida].

E.: Valnice!

M.: Valnice, exatamente! Então, ia pra lá, saía da Beira pra lá, depois, no final do culto, passava pra aqui e quando nos encontrássemos pedia a nós: podíamos orar? Essa era a nossa casa, nós adorávamos então nós era só aqui fora porque aí já tinha quartos. Então, orávamos, daí pronto, ela ía.215

O trabalho de missões realizado pela Missionária Valnice Milhomens e por moçambicanos que a ela se somavam no interior da província de Sofala, naquela altura já era fruto de um investimento de tempo e recursos de quase uma década. Ao nacionalizar o templo e transformá-lo em residência comunitária, o governo aplicava um duro golpe que, além de desanimar, desestruturava as colunas de uma construção imaterial cuidadosa, persistente e pacientemente erguida pelos missionários que, decidindo não abandonar todo àquele trabalho, alugaram uma casa em outro bairro, a funcionar como ponto de encontros religiosos. Todos os membros da igreja passavam a se reunir neste novo local e, além deles, moradores das povoações limítrofes, agora mais próximos do raio de ação das missões.

215 LUCHINGOMA, E. e MEROJEQUE, M. Entrevista IV. [18 de out. 2016]. Entrevistador: Harley Abrantes Moreira. Dondo, arquivo WAW (52 min; 6 seg.); p.1-2. A entrevista transcrita encontra-se, na íntegra, nos anexos (nº5) dessa tese.

De acordo com o testemunho de Mariazinha, ao término das atividades na nova casa, a brasileira percorria um caminho mais longo que o anterior. Durante esses percursos, agora ampliados, voltava visitando e evangelizando pessoas, entre as quais, as meninas residentes na casa de apoio, onde antes funcionava a igreja e, agora, transformara-se em um campo de oportunidades para Valnice que fez daquele local um ponto de oração junto àquelas moças solteiras, deslocadas de suas comunidades de referência identitária, tal qual tantas outras populações que, em tempos de guerra, formavam grandes contingentes de moçambicanos transpostos. Somente no distrito da Beira, cerca de cinco mil pessoas viviam em instituições do governo216. A província de Sofala, naquela altura, consistia em região de grande fluxo de deslocados de guerra ou imigrantes.

Essas populações, muitas vezes, quando transferidas para um novo espaço, eram separadas de suas famílias, de suas memórias territoriais e redes de relacionamento afetivo. Nas moradias do governo, moravam jovens oriundas de localidades muito diversas. Dentro delas, todos eram estranhos e a conversão ao cristianismo batista podia ser uma conveniente oportunidade de reconstruir suas relações em uma nova comunidade de sentido, que não se visualizava a partir das paredes do antigo templo, mas dos laços relacionais que iam construindo e que pareciam mais eficientes, quando comparados aos vínculos que mantinham com algumas instituições do estado, como a residência comunitária das jovens professoras, da qual nossa colaboradora afirma ter se “libertado” quando obteve condições de alugar sua própria casa.

Dessa maneira, o conjunto de dificuldades implantado com as estratégias do estado ia, através das táticas missionárias, se convertendo em oportunidades aproveitadas com sucesso em um momento onde, contrariamente ao que se podia esperar, o número de fiéis daquela denominação seguia se multiplicando. Uma vez que os cultos, agora, estavam restringidos aos templos e terminantemente proibidos fora desses locais,217 e que estes templos, por sua vez, precisariam de complexas autorizações do estado para serem utilizados218, Valnice alugava

216 De acordo com relatório mantido nas dependências do CEA, essas pessoas, diferentemente da condição da professora Mariazinha, eram consideradas deslocadas de guerra. Cf. Relatório do Serviço de Planejamento Físico de sofala, sobre o estudo dos deslocados de guerra na Beira com referência especial do aspecto espacial. [S.d]. 26p., il.,tabs.,grafs. p.4.

217Cf: Silva, C. "Viver a fé em Moçambique": as relações entre a FRELIMO e as confissões religiosas (1962-1982). Tese de doutorado em História Social, UFF. Niterói, 2017, p.122-127.

218 Esse órgão catalogava todas as agremiações religiosas em funcionamento no país e, nos relatórios do Departamento de Assuntos Religiosos de Moçambique, ao qual tivemos acesso no Centro de estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlaine, em Maputo, e na própria sede do DAR, uma lista de obrigações burocráticas era apresentada para o registro das igrejas que, entre outras obrigações, teriam que apresentar uma lista com o número mínimo de 500 fiéis devidamente identificados e “moralmente idôneos”; A duração da prática religiosa; a especificação de quem poderia ser membro, do processo de sua admissão e de quais seriam seus direitos e deveres; a hierarquização de suas administrações; quem

casas comuns onde auxiliava na prestação de diversos serviços, na formação de missionários ou em reuniões de oração, entre outras atividades. Ainda fruto das observações realizadas pelo secretário da JMM em viagem ao final de 1981, Waldemiro Tymichak explicava que:

A igreja de Valnice não tem templo. São quatro paredes, sem teto, e fica bem no meio da aldeia. O templo da igreja foi fechado e assim permanece até hoje por razões fúteis. Mas a igreja continua. Cerca de 50 a 60 crianças espremidas entre quatro paredes. Quando se pergunta à Valnice a razão pela qual ela não se reúne com as crianças a poucos metros das paredes do “templo”, onde existem árvores e sombra, ela, sorrindo, responde: “Não nos é permitido...”.219

Apesar da falta de condições adequadas, das dificuldades para o funcionamento dos templos, para suas construções ou para reuniões fora deles, tais circunstâncias acabaram criando um corredor de oportunidades, onde esses cristãos desenvolviam atividades mais diversificadas, em uma zona de contatos entre sujeitos históricos distintos que, naquele contexto de perseguição e de deslocamentos forçados, se aproximavam e construíam novas identificações na medida em que subvertiam determinada lógica de utilização do espaço, imposta pelo estado, através de práticas missionárias menos dependentes da realização de cultos formais e mais propensas a outras estratégias como as visitações nas casas, o que oferecia ao missionário, a oportunidade de costurar uma rede de relações dentro daquela espacialidade. Aquela missionária era alguém, e talvez a única pessoa, a entrar na casa de todos.

Apesar desses sítios obedecerem, teoricamente, à determinada lógica de ocupação do espaço estabelecida pelo estado, na prática, eram os sujeitos históricos ali presentes que inventavam aquela espacialidade a partir de suas elaborações. Em outro contexto histórico, considerando os usos que um indeterminado magrebino fazia do sistema que lhe era imposto pela construção de conjuntos residenciais em Paris, onde aqueles sujeitos criavam maneiras de utilizar mais semelhantes às suas culturas locais, Certeau explica que:

Ele os superimpõe e, por essa combinação, cria para si um espaço de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar ou da língua. Sem sair do lugar

seriam os líderes; quais as durações de seus mandatos e como exerciam suas lideranças; como administravam os fundos, quais as origens e os fins desses valores; quem os administrava, além de diversos documentos, entre os quais um requerimento oficial assinado pela autoridade competente do país de origem daquela igreja. A grande lista de exigências continuava em quatro páginas e, na prática, inviabilizavam o funcionamento regularizado da grande maioria das igrejas em território moçambicano. Cf: REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE, Ministério da Justiça, Departamento de Assuntos Religiosos; Requisitos Necessários para registro das Instituições Religiosas. 20/v.

onde tem que viver e que lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele tira dali efeitos imprevistos220.

Ao reunir a igreja entre quatro paredes, sem um teto, bem ao centro de uma aldeia, a missionária estabelecia uma nova organização espacial onde ela era o centro. Ao visitar todas as casas em frente das quais passava ao final das reuniões da igreja, e ao ter seu nome colocado nas filhas daquelas famílias moçambicanas, aquela brasileira parecia tornar-se íntima. Penetrava em âmbitos encobertos da vida social e privada das pessoas. Adentrava em suas moradias, saía e repetia o ato entre os vizinhos, costurava relações.

Simultaneamente aos desdobramentos imprevistos construídos pelos sujeitos históricos envolvidos naquelas zonas de contatos culturais estabelecidas em torno das missões batistas em Moçambique, no Brasil, a admiração e a popularidade da “corajosa missionária” que, mediante a uma inabalável fé em Deus permanecia firme em seus propósitos, crescia entre seus irmãos das diversas igrejas batistas que capitalizavam suas contribuições e o apoio imaterial para impulsionar as missões batistas mundo à fora e, em particular, na África austral.

Segundo matérias do período, que não economizavam adjetivos, a missionária estaria escrevendo “um dos mais belos capítulos dos livros de missões já escrito por qualquer missionário em qualquer lugar”.221 Através de sua atuação e dos protagonismos africanos que começavam a imergir, os obstáculos físicos colocados pelo governo como os contratempos burocráticos para a construção de templos, por um lado podiam ajudar a criar a imagem mental do vilão em uma narrativa de heroísmo missionário e, por outro, atrapalhariam, de fato, não apenas as celebrações semanais, mas também rituais cerimoniais como os batismos, para a realização dos quais as igrejas adeptas do método da imersão costumavam construir, dentro dos templos, lugares apropriados para o mergulho do neófito, chamados de batistérios.

Na ausência de templos e batistérios, era comum que os batismos se realizassem nas praias banhadas pelo oceano índico ou em rios frequentados por populações de hipopótamos e crocodilos. Nenhuma das duas opções era viável para aquelas comunidades nas proximidades de Dondo, uma região não litorânea. Em lugares mais afastados e carentes de infraestrutura esse aparente detalhe poderia causar importantes embaraços. No mesmo dossiê da revista missionária publicado no início de 1982, Waldemiro Tymichak explicava como esse tipo de situação poderia ser resolvida:

220CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Ed. Vozes, Petrópolis, 2004, p.93.

Após a mensagem, foram realizados batismos em uma banheira! A ideia foi da missionária que fez da banheira um batistério.

Os candidatos vinham, se ajoelhavam e eram batizados. Foram momentos inesquecíveis. Após os batismos foi feito um apelo e cerca de 20 pessoas manifestaram sua fé em Cristo Jesus.222

Em ocasiões como essa, várias pessoas do bairro poderiam ser mobilizadas. Era necessário encontrar uma banheira e contar com a solidariedade de seus proprietários, além da voluntariedade daqueles que a carregariam, que disponibilizariam e transportariam a água, entre outras tarefas que não podiam ser realizadas apenas por uma missionária, mas articulavam várias pessoas da região, criando canais de comunicação cultural, dentro dos quais pode-se imaginar que sujeitos distintos descobriam interesses comuns e sentiam-se partícipes de um