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Capítulo 2: Tempos de transição para uma zona de contato e para a expansão do

2.1. O desembarque em terras moçambicanas em tempos de transição

A partir de 1971, a experiência batista em Moçambique começaria uma curva que lhe levaria de uma quase estagnação a um grande crescimento numérico. Essa transformação se relacionava com a chegada do grupo de missionárias (o) brasileiras (o) composto por Valnice Milhomens Coelho, Albertina Ramos da Silva, Maria Ivonete da Costa, José Nite Pinheiro e sua esposa Cilcéia Cunha Pinheiro. Daquele momento em diante, as estratégias e o próprio objetivo das missões seriam alterados doravante a atitude proativa desses indivíduos em busca dos moçambicanos negros e negras, mesmo que, para isso, fosse necessário ultrapassar o perímetro urbano branco, demarcatório das formas de segregação daquela sociedade, que, além de segregacionismos anuviados ou mesmo invisíveis, também se apartava mais explicitamente segundo sua malha citadina.

Essas mudanças aprofundariam e, sobretudo, multiplicariam as zonas de contatos culturais, onde aquela proposta cristã começaria a se expandir a partir de experiências relacionais que, por sua vez, iriam expor as hierarquias e as tensões das assimetrias às necessidades de cooperação e à convivência, abrindo canais de reelaborações culturais. Juntos, aqueles sujeitos pertencentes a mundos tão distantes, construiriam alianças que lhes favoreceriam mediante às eventualidades, muitas vezes dramáticas, típicas das zonas que formariam.

Apesar do impulso que essas zonas de contato promoverias na expansão daquele cristianismo, não se trata de uma união harmoniosa entre sujeitos culturalmente semelhantes que, ao se encontrarem, se identificariam. Também não significava, opostamente, a inédita inauguração de um padrão de relações completamente novo. A curva a que nos referíamos, apesar de acentuada, não foi imediata. É importante, também, lembrar que se o grupo brasileiro era missionário, o português também assim se considerava.

Ademais, não só de diferenças a comparação entre as duas fases de história batista em Moçambique se faz notar. Além das dissemelhanças, havia também similitudes. Ambos os grupos comungavam de uma plataforma cultural comum. Liam os mesmos textos e as imagens que dialogavam com a produção midiática do império português e circulavam na imprensa batista de então. Se a transformação de uma experiência numericamente conservadora, em outra de multiplicação de adeptos, não se explica apenas em razão da passagem de um suposto cristianismo de imigração para outro de missão, qual seria, então, a convincente explicação?

Muito embora a sociedade colonial moçambicana fosse muito diferente do contexto brasileiro do qual saíram aquelas (e) ex seminaristas, e que algumas missionárias tenham se

chocado ao desembarcar em Moçambique, o grupo enviado pela JMM da CBB compartilhava de uma cultura religiosa estabelecida nas teias relacionais de portugueses e brasileiros. Esse pertencimento pactuava com as segregações, as diferenças e os distanciamentos daquela sociedade colonial e, enquanto coadunava com a cultura imperialista, reproduzia-se no âmbito das igrejas funcionando como componente nas construções assimétricas do Outro. Dessa maneira, durante a primeira fase das missões batistas em Moçambique, paralelamente ao colonialismo, as poucas igrejas desse grupo religioso funcionaram, de modo geral, nos dois maiores centros urbanos da colônia, concentrando-se nos bolsões populacionais de colonos portugueses.

Simultânea a essa característica das missões batistas em África, durante as últimas décadas de colonialismo lusitano, enquanto se desbotava o império, identificavam-se os primeiros sinais de expansão dessas experiências missionárias para regiões mais distantes e infiltradas em áreas de predomínio étnico local, com lideranças mais identificadas com as culturas regionais.

As modificações no perfil missionário do trabalho batista em Moçambique não tiveram que esperar até a Independência (1975) e a conseguinte expulsão dos portugueses, com quem essas alterações conviveram durante aquele período de transição para o processo de expansão que estamos analisando. Em que pese semelhanças e diferenças entre os modelos de missão, praticados na primeira e na segunda fase de história batista em Moçambique, a inauguração da zona de contato ocorreu ainda durante o trabalho português, que suspirava pela última vez, constituindo-se em algo novo e determinante para o futuro daquele grupo no país que nasceria nos anos seguintes.

O protótipo das práticas missionárias com um perfil menos segregado e mais infiltrado nas culturas locais ocorreu em uma vila, transformada em município anos depois, que viria a ser o principal trabalho da denominação após a independência do país quando foi liderado por Valnice Milhomens. A comunidade que se transformou em Primeira Igreja Batista do Dondo foi iniciada graças à persistência, não de portugueses ou de brasileiros, mas de moçambicanos. A seu respeito, o Jornal O Batista de Moçambique informava que:

A Primeira Igreja Batista da Beira iniciou, em 1970, uma missão no Dondo, uma vila a 30 kilômetros da Beira e um grande centro Ferroviário. O pastor Orlando Caetano usou a casa dos irmãos Mendes para essa obra missionária [...] a obra do Dondo conta com uma moçambicana de raro amor e consagração. Trata-se da jovem Maria Teresa Mendes, que sempre esteve na brecha desde as primeiras lições da classe das Boas Novas em casa de seus pais, e pode dizer-se que ela tem sido em todos esses anos uma coluna deste

trabalho. Com ou sem a cooperação da igreja, sábado após sábado, sempre um grupo de pessoas e crianças, que às vezes rondava a casa da centena, reuniam- se sob a sua direcção para receberem as lições que ela ministrava.137

Imagem 9: O Batista de Moçambique, Nº75/76, Lourenço Marques, Março-Abril de 1975, p.6.

As fotografias do período indicam que essa comunidade liderada por uma moçambicana branca possuía absoluta maioria negra e era numericamente comparável à Primeira Igreja Batista de Lourenço Marques, pioneira do trabalho português na colônia. O texto que acompanhava as imagens denotava confiança na liderança feminina de Maria Teresa Mendes não obstante sua juventude. Além da credibilidade, as matérias da época transmitiam o apoio da imprensa denominacional que parecia deixar implícito a eventual falta de cooperação da Igreja Batista mais próxima localizada na cidade da Beira, segundo maior centro urbano da Moçambique colonial, onde a Igreja Batista congregava uma comunidade basicamente lusitana. A prioridade das iniciativas missionárias, promovidas pelas agências portuguesa e brasileira do período, continuavam sendo o alcance e o apoio aos colonos portugueses que representavam a maior parte da população branca na colônia, numericamente muito inferior à maioria de moçambicanos autóctones.

Àquela altura, qualquer membro das igrejas que decidisse iniciar um trabalho nas zonas mais afastadas onde se localizavam as populações negras locais, teria que mover um grande esforço e realizar várias tarefas praticamente sozinho. Maria Teresa liderou aquele ponto missionário até a chegada da brasileira Valnice Milhomens, com quem cooperou para a transição da liderança. Segundo alguns depoimentos de missionários moçambicanos que participaram do processo de expansão cristã no país, havia um conjunto de características mais específico nas igrejas implantadas por portugueses. Estes, por sua vez, costumavam ser distinguidos dos brasileiros em alguns desses relatos, onde os lusitanos poderiam ser menos prestigiados.

Algumas dessas distinções podem ser tomadas como parte das explicações para o tímido crescimento numérico das igrejas portuguesas quando confrontado às experiências de missionários das agências brasileiras que habitualmente cooperavam com maior entrosamento com os moçambicanos. O depoimento de Manuel Gemuci, um dos pregadores autóctones responsáveis pela expansão do cristianismo em seu país, é esclarecedor nesse sentido,

Para mim, havia um paradoxo não é? Entre os missionários. Quando eu digo paradoxo é porque nós sempre estivemos lado a lado com os portugueses e brasileiros e os brasileiros sempre valorizavam todos os instrumentos que produzem som. Todos os instrumentos podem ser usados para a Glória de Deus e aquilo que nós usávamos antes para os espíritos, hoje podemos usar para Deus, mas o outro grupo dizia que não: esses instrumentos são diabólicos, mas a viola, o piano, isso que é sacro isso que é pra Deus e também o bater palmas no culto, isso também não se pode fazer, o dançar em pleno culto também não se pode fazer, mas pra mim, esses eram mais os portugueses.138

Testemunhos como esse parecem confirmar as notícias e os textos divulgados pela imprensa batista portuguesa sobre os primórdios do cristianismo trazido por essa denominação para a colônia de seu país. Assim como as fontes impressas, as memórias dos entrevistados também indicam a existência de uma igreja batista branca que, em período colonial, desejava conservar a mesma cultura religiosa daquele grupo em Portugal. Naqueles tempos de forte segregação social e racial, os membros da comunidade de Lourenço Marques e da Beira denotavam, no máximo, tímidas intenções missionárias que, na maioria das vezes, eram suplantadas pela ação prática de transplantar uma igreja de cultura europeia e fortalecer a comunhão dos portugueses metropolitanos que optavam pela vida no ultramar e, em sua

138GEMUCI, M. Entrevista II. [17 de Out. 2016]. Entrevistador: Harley Abrantes Moreira. Beira, arquivo. WAW (73 min.); p.10. A entrevista transcrita encontra-se, na íntegra, nos anexos (nº3) dessa tese.

maioria, não pareciam ver a necessidade de abandonar sua zona de conforto em direção às populações autóctones.

Essa forte característica da primeira fase de cristianismo batista em Moçambique não era fruto de uma convicção consensual daquelas poucas comunidades e era identificada pela liderança da igreja como um problema a ser combatido. Assim, havia o interesse e o esforço para que o grupo de brasileiros chegasse e ajudasse a aquelas duas igrejas que se consideravam missionárias, tornarem-se, de fato, evangelísticas. Nesse aspecto, as memórias dos entrevistados não apontam para uma realidade precisa do que fora a experiência batista nos últimos anos do colonialismo.

Muitos desses relatos são, inclusive, tecidos de acordo com as opiniões políticas dos colaboradores que, dessa maneira, podem conduzir suas lembranças por diferentes caminhos. Ademais, precisamos considerar que os testemunhos orais de nossos entrevistados podem ainda agregar traços de um fenômeno mais amplo de construção da memória coletiva das populações moçambicanas, marcadas pela ruptura da independência que inaugurava uma nova fase de construções das reminiscências pessoais, integradas aos esforços coletivos e governamentais de formação das memórias oficiais.

Após 1975 e todo o conjunto de atitudes políticas que visava combater os traços remanescentes do colonialismo, abriu-se um cenário de possibilidades para a irrupção de ressentimentos acumulados no tempo. Manuel Gemuci, convertido ao cristianismo batista no início da década de 1980, não viveu o período colonial dentro da igreja da qual fazia parte enquanto liderança de reputação respeitada em 2016, quando cedeu seu depoimento. Durante o colonialismo, o jovem Gemuci pertencia à Igreja Católica, assim como todos os nativos assimilados que precisavam ingressar no catolicismo, para acessarem o sistema de educação integrado à rede de dispositivos coloniais que tentava silenciar os traços tribais, o passado e a identidade étnica dos (a) negros (a) moçambicanos (a). Para Michael Pollak, circunstâncias como essas, assinalam produções de memórias marcadas por um passado de dominação e sofrimentos, que impedia os interlocutores de se exprimirem publicamente.139

Essa memória sufocada é que, agora, em período pós-colonial, construía a narrativa da experiência portuguesa de implantação do evangelho batista em solo moçambicano. Manuel Gemuci foi um desses negros moçambicanos que, em período colonial, sentiam-se asfixiados pelo colonialismo e pelo racismo português que, teoricamente, seriam eliminados pela

139 Cf. POLLAK, M. Memória, esquecimento, Silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v.2, nº3,1989. p.5.

independência, após a qual as vozes subalternas moçambicanas começaram a se projetar junto ao processo de organização de suas memórias sociais. Apesar dos relatos de nosso colaborador se efetuarem dentro desse contexto onde os ex-colonizados ainda precisam sarar o passado, também deve-se considerar que um reconhecimento grato aos batistas portugueses esteve sempre presente nos depoimentos das atuais lideranças moçambicanas que pretendem trabalhar afinadas a um corpo denominacional que, transnacional, deve funcionar de maneira interativa com as instituições batistas do mundo inteiro.

Assim, nem todas essas lideranças batistas moçambicanas possuem uma visão crítica e anti-imperialista do passado colonial. Esse tipo de leitura é reservada àqueles que se consideram nacionalistas (que não são todos) e, assim, procuram construir suas narrativas a partir de suas necessidades de expurgar um passado colonial que criava embaraços até mesmo no acesso das populações nativas ao Deus cristão sobre o qual alguns optavam, mas, para acessa-Lo, precisavam substituir suas trilhas culturais de afluência, pelas estradas previamente construídas pelos colonos.

Nessa espécie de catarse social, é preciso ponderar que alguns testemunhos que nos foram oferecidos, se construíam mediante a legítima necessidade de culpar os portugueses por qualquer tipo de problema contemporâneo, inclusive pela paralisia de suas igrejas na época que as trouxeram. Todavia, apesar de todas essas considerações, quando cruzadas com a documentação escrita, as fontes de procedência oral continuam apontando para uma comunidade de fé lusitana, voltada preferencialmente para a comunhão entre seus compatriotas de mesma origem, desejosos de praticar na costa oriental da África portuguesa o mesmo protestantismo europeu com seus cânticos, instrumentos, doutrinas, teologias, hermenêuticas, disciplinas, usos e costumes característicos das igrejas da metrópole.

No entanto, era essa característica predominante das comunidades moçambicanas na altura, que começava a se transformar a partir da chegada do grupo de missionárias (o) brasileiras (o). Sobre estes, o depoimento favorável de Manuel Gemuci encontra relativa ressonância nas correspondências publicadas. Em 1975, a revista O Campo é o Mundo trazia um trecho de entrevista concedida por Maria Ivonete da Costa ao Jornal Voz Africana em 03/08/1974, onde a missionária descrevia sua adaptação quase natural à África, em razão das diversas afinidades e identificações culturais. Segundo a mesma:

Os batistas brasileiros amam a África, e as afinidades que temos com a língua, a história e a cultura faz com que nós, brasileiros, tenhamos interesse em trazer para a África o evangelho [...] Aqui eu fui muito bem recebida. A afetividade e a receptividade por parte do povo, logo se prendeu agente. Além disso, no

Brasil, temos frutas que encontramos na África, sem falar nos traços culturais herdados da cultura africana.140

Ainda que uma certa flexibilização quanto às práticas culturais ligadas à liturgia dos cultos, como o bater palmas e o uso de instrumentos musicais africanos, pudesse se acompanhar de relatos como o de Maria Ivonete, apontando para um perfil mais empático das (o) missionárias (o) brasileiras (o), essa aparente e calorosa identificação deve ser relativizada, a começar pelo fato de que só aparece nos testemunhos dos entrevistados quando há uma intenção de compará-la à indiferença dos portugueses e, dessa maneira, podem significar não exatamente qualquer tipo de sintonia e afinidade natural com os brasileiros, mas as críticas aos métodos e comportamentos dos antigos colonizadores.

Em fontes documentais como a referida entrevista cedida pela missionária brasileira a um veículo da imprensa secular, a suposta sintonia entre brasileiros e moçambicanos requer uma leitura que considere as circunstâncias politicamente adversas da passagem do colonialismo para o pós-independência. Naquele ano de 1974, aquando da entrevista, o desenrolar dos últimos momentos da guerra colonial causavam muitas inseguranças, inclusive no que tangia à permanência daquelas (e) missionárias (o) naquele território africano que se desmembrava de Portugal. A julgar pelas primeiras impressões e pelo choque de expectativas que alguns afirmaram ter, podemos aferir que a adaptação do grupo brasileiro em Moçambique não foi assim tão suave. As simpáticas declarações oferecidas a um jornalista de periódico secular tentavam causar a boa impressão de quem, provavelmente e naturalmente, estava preocupada com a expiração do prazo de seu visto de permanência no país. Os estrangeiros, de um modo geral, e os religiosos, em particular, estavam aflitos sobre o futuro que lhes aguardava e as iminentes políticas do estado nacional, até então enigmáticas.

A princípio, todas as pessoas do grupo de missionárias (o) brasileiras (o) gostariam de permanecer no país após a independência. Muito embora a fé e a dependência de Deus, a Quem ofereciam suas vidas, precise ser considerada como uma atitude para além da retórica missionária, foi para isso que se prepararam. Seus planejamentos, suas intenções e suas expectativas de vida foram erguidas com base na realização de suas missões em Moçambique e, assim, uma repentina mudança de planos implicando na fuga do país pela “porta dos fundos” era uma possibilidade eminente que, por mais que esses indivíduos declarassem completa confiança na vontade de Deus, todos preferiam evitar.

Alguns missionários como o pastor José Nite Pinheiro se lançaram àquele trabalho em Moçambique com sua família, incluindo duas crianças. É razoável imaginar que as turbulências do contexto implicavam em transtornos e dramas pessoais para aquelas pessoas, às vésperas de serem expulsas do país. Era nesse ambiente que a entrevista ao jornal secular captava o simpático depoimento de Ivonete que, no entanto, era antagônico às cartas, documentação de caráter mais particular, endereçada à JMM, onde outras missionárias revelavam a presença de um grande distanciamento entre elas e as populações africanas, marcado pelo racismo daquele período. Quando admitiam entender o Outro africano enquanto “descendentes de Cam, filho amaldiçoado de Noé”141, os testemunhos daquelas cristãs em nada se assemelhavam às afáveis e cordiais palavras cedidas à imprensa secular.

Além de indicar que os missionários modelavam suas palavras de acordo com o perfil de seus receptores, essas distinções podem revelar, também, diferentes opiniões entre os componentes do grupo brasileiro que chegava na África e atuava de um modo distinto de seus irmãos portugueses, indo ao encontro dos (a) moçambicanos (a) negros (a), pobres e suburbanos (a), em relação aos quais algum tipo de empatia recíproca se construía de acordo com o que pode-se notar no cruzamento entre as fontes orais e escritas.

Sem dúvida, a atenção dispensada aos autóctones era uma característica que passou a predominar a partir das (o) brasileiras (o) que, por sua vez, indicavam a presença de sentimentos irregulares e representações conflitantes acerca dos autóctones. Entre as declarações de Albertina Ramos da Silva e Maria Ivonete da Costa, havia grandes contradições no interior de um discurso religioso que não era completamente uniforme. Além de “irmãos (a) em Cristo”, aquelas (e) missionárias (o) eram, também, indivíduos com suas próprias opiniões, seus próprios sensos críticos e preconceitos.

Em que pese suas “digitais” e subjetividades, é possível enquadrá-las (o) dentro de uma cultura imperialista, fortemente marcada pelo racismo colonial português que parece ter dificultado a penetração daquela proposta religiosa no interior das populações nativas, na medida em que havia uma ordem social racializada e discriminatória superior à própria atuação da igreja que, diante da mesma, se acomodava conservando um quadro numérico bastante modesto, tendo em vista seu interesse manifesto de se expandir alcançando os africanos de suas fotografias, de seus textos editorias e de suas cartas que compartilhavam estereótipos e generalizações hierárquicas produzidas por um eurocentrismo particularmente lusófono, a

partir do qual aprenderam a imaginar determinada África com seus negros, frequentemente feiticeiros, poligâmicos, tribais, exóticos e pobres a quem desejavam evangelizar.

O próprio conteúdo divulgado pela principal revista missionária batista que explorava os estereótipos inferiorizantes analisados, indica que esses missionários em formação durante o período dessas formulações e, portanto, possíveis leitores da revista, tinham em suas mentes esse perfil de africano quando decidiam ir para a África em missão de salvação desse povo. O choque descrito por missionárias como Valnice Milhomens, contava com esse tipo de decepção ao chegar em Moçambique e encontrar, em lugar do estigma do africano, comunidades brancas portuguesas.

Dessa maneira, apesar do pertencimento brasileiro à essa comunidade de sentido lusófona, havia nesse grupo, também, peculiaridades. Além do particular interesse na conversão das populações negras, os brasileiros são descritos por Gemucy como indivíduos mais abertos