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FONTES DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO BRASIL

8 FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS NO BRASIL E ABUSO DO PODER

8.1 FONTES DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO BRASIL

Embora mais da metade das famílias brasileiras possuam rendimento de até três salários mínimos e a renda média domiciliar per capita do brasileiro seja de R$ 767,02 (setecentos e sessenta e sete reais e dois centavos), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)19, as eleições no Brasil movimentam imensas quantidades de recursos financeiros.

19

Dados disponíveis em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/>. Acesso em 25/9/2013. O rendimento das famílias em salário mínimo refere-se ao ano de 2011 e a renda per capita refere-se ao ano de 2010.

Fonte: os dados relativos às eleições de 1994 e 1998 foram obtidos junto à obra de David Samuels (2007, p. 12) e os dados relativos à eleições de 2002 a 2010 foram retirados do sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral.

Valores corrigidos até dez/2010.

Quadro 1 - Gastos totais declarados nas eleições de 2010 por cargo*

Cargo Gasto de Candidato Gasto de Comitê Gasto de partido Total Presidente e Vice (n=9) 288.010.637,00 219.748.248,00 - 507.758.885,00 Governador e Vice (n=pesquisar) 713.855.755,00 105.091.296,00 - 818.947.051,00 Senador e Suplentes (n=261) 329.858.912,00 22.947.754,00 - 352.806.666,00 Deputado Federal (n=5.100) 863.223.313,00 2.870.588,00 - 866.093.901,00 Deputado Estadual/Distrital 940.571.438,00 1.562.566,00 - 942.134.004,00 R$ 0,00 R$ 100.000.000,00 R$ 200.000.000,00 R$ 300.000.000,00 R$ 400.000.000,00 R$ 500.000.000,00 R$ 600.000.000,00 1994 1998 2002 2006 2010

Gráfico 1 - Comportamento das contribuições declaradas nas eleições presidenciais de 1994 a 2010

(n=12.600) Sem cargo declarado (Comitê Financeiro Único) - 190.998.091,00 - 190.998.091,00 Partidos - 38.372.643,00 38.372.643,00 Total geral 3.135.520.055,00 543.218.543,00 38.372.643,00 3.717.111.241,00

Valores em R$ (centavos desprezados).

Dados extraídos do sítio eletrônico do TSE nos dias 1º a 7/10/2013.

* Para evitar a contagem duplicada de valores, foram excluídas as doações financeiras a outros candidatos e/ou comitês financeiros, por representarem simples transferências internas entre as instâncias.

Conforme dados do Quadro 1 acima, as eleições de 2010 totalizaram gastos declarados no valor de R$ 3,7 bilhões. Resta-nos, portanto, a pergunta: de onde vêm tais recursos?

Embora sejam previstas variadas fontes de financiamento pela legislação, as doações estão fortemente concentradas nas empresas. De acordo com dados do TSE20, as pessoas jurídicas doaram cerca de 60% de todo recurso gasto nas campanhas eleitorais em 2010, cerca de 2,2 bilhões de reais, num total de 3,7 bilhões. Mais de 19 mil empresas fizeram doações para as campanhas eleitorais de 2010, contudo, as doações são concentradas em grandes empresas. Metade das doações foi feita por apenas 70 (setenta) empresas ou grupos. Dentre os quinze doadores mais generosos, responsáveis por 32% de todas as contribuições empresariais, encontram-se seis construtoras (Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Galvão Engenharia e UTC Engenharia); três bancos (Bradesco, BMG e Itaú); duas siderúrgicas (Gerdau e CSN); uma mineradora (Vale); uma indústria de alimentos (JBS); um grupo pertencente ao setor de comunicação (Oi) e um grupo da indústria de bebidas (Grupo Petrópolis).

Verificou-se que as doações concentraram-se nos grandes partidos. Vinte e sete partidos políticos participaram das eleições de 2010, mas grande parte das doações das empresas, cerca de 63%, destinaram-se aos três maiores: o PSDB recebeu 23%, o PT recebeu 22% e o PMDB recebeu 18%.

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Esses dados se referem às receitas declaradas à Justiça Eleitoral, todavia, é consenso a existência de “caixa dois” nas doações das empresas - recursos não declarados que financiam as contas de partidos e candidatos. Quanto a esses recursos, é muito difícil quantificar o seu montante. Contudo, os dados declarados são suficientes para mostrar que a eleição de 2010 e, conforme será demonstrado, as eleições de um modo geral, atraem vultosas somas de recursos financeiros e seus resultados são fortemente influenciados pelo potencial de gasto dos candidatos.

Outro aspecto marcante das eleições de 2010 foi a concentração de recursos. Veja-se que 60% dos valores foram contribuições empresariais. Desse total, metade das doações foi realizada por 70 empresas ou grupos, sendo que 63% das doações de empresas foram destinadas somente aos três maiores partidos.

Por questões de ordem prática e levando em consideração os propósitos desta pesquisa, bem assim o tempo disponível, somente foram analisados os dados relativos às eleições de 2010.

Além da capacidade de influenciar o resultado as eleições, o comportamento das contribuições no pleito de 2010 revela forte concentração do financiamento eleitoral. Tal concentração traz vários problemas para o sistema político e para a democracia brasileira, estabelecendo uma desigualdade no que se refere à influência política entre os candidatos.

As doações – ou os doadores de campanha – não influenciam apenas o resultado das eleições, mas continuam a influenciar a atividade política após os pleitos, e esse constitui o seu principal objetivo: fazer valer seus interesses econômicos por meio da influência na atividade política da máquina estatal e do parlamento.

Segundo o Deputado Henrique Fontana (PT-RS), são 200 as grandes empresas que financiam a maior parte das campanhas políticas no Brasil: “Não me venham dizer que isso é investimento na democracia. O poder do dinheiro vale mais do que a força das ideias. Infelizmente, dinheiro resolve e desempata eleição.” 21

O fenômeno do financiamento de campanha possui um duplo aspecto: candidatos com potencial eleitoral elevado atraem grandes financiadores e suas

21

Congresso em Foco. Portal UOL. Disponível em:

<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputados-enterram-financiamento-publico-de-campanha/>. Acesso em 12/1/2014.

contribuições amplificam o potencial eleitoral dos candidatos. Contudo, após a proclamação dos resultados, os políticos eleitos darão início à plataforma política dos financiadores, como forma de retribuição aos favores recebidos. Assim, os mandatos públicos são utilizados, prioritariamente, para cuidar dos interesses particulares dos financiadores de campanha, em detrimento do interesse público.

Como anuncia o ditado popular: “nenhum almoço é de graça”; quanto mais as volumosas contribuições dos doares de campanha. Assim, como se sabe, tais contribuições constituem verdadeiros investimentos com vistas a garantir participação nos diversos e grandiosos negócios patrocinados ou de que participe o Estado. Nas palavras de José Valente Neto (2003, p. 201):

Seria ingenuidade, por exemplo, pensar que o empresário de um grande empreendimento do ramo da construção civil “doou” duzentos mil reais para a campanha eleitoral de determinado candidato em face exclusivamente de acreditar no seu plano de governo e de considera-lo conveniente para o progresso econômico e social.

O montante de R$ 3,7 bilhões representativo do custo das eleições de 2010 revela não somente o esforço financeiro que a sociedade tem despendido na realização de pleitos eleitorais, mas, acima de tudo, a necessidade de revisão do sistema eleitoral brasileiro.

A igualdade política é um princípio fundamental para qualquer país democrático. No Brasil, o princípio da igualdade política é estabelecido no caput do artigo 14 da Constituição Federal, segundo o qual “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos...”. Contudo, a concentração de doações de campanha por parte de grandes empresas ou mesmo de ricos cidadãos, ameaça a igualdade política. Os grandes doadores têm o poder de exercer muito mais influência sobre os resultados eleitorais do que os eleitores comuns – a imensa maioria da população –, que contam apenas com seu voto.

Os dados oferecidos pelo Quadro 1 e pelos que serão apresentados nas próximas seções revelam o que, empiricamente, já se percebeu: no Brasil é muito difícil que um candidato ao cargo de Deputado Federal, Senador, Governador ou Presidente da República seja eleito sem uma máquina competente de arrecadação de recursos financeiros. Quanto maior o cargo almejado, maior deverá ser a capacidade de arrecadação. Essa é a regra. Somente excepcionalmente vê-se a

eleição de candidatos sem arrecadação expressiva, contudo, tratam-se de líderes religiosos, celebridades da TV, atletas famosos ou candidatos apoiados por segmentos sociais com forte atividade política ou grande número de simpatizantes. A exposição proporcionada pela mídia ou pela vinculação com lutas emblemáticas ou com grupos circunscritos parecem ter se tornado as únicas maneiras de suplantar a força da influência econômica nas campanhas eleitorais. Todavia, como já se disse, a eleição desses candidatos sem financiamento expressivo é exceção, o que confirma a regra.

Vale lembrar que o artigo 27 da Resolução nº 23.376 do TSE, de 1º de março de 2012 do TSE (BRASIL, TSE, 2012), de 1º de março de 2012, veda a partido político e a candidato receber doação de várias entidades, tais como: governo estrangeiro, órgãos da administração púbica direta ou indireta, concessionário ou permissionário de serviço público, entidade de classe ou sindical, entre outras. A utilização de recursos provenientes de tais fontes constitui irregularidade insanável e causa para a desaprovação das contas, ainda que o valor seja restituído.

O que se observa na prática, pelo menos em relação aos sindicatos, é que, como as doações diretas são proibidas, viabiliza-se a arrecadação de recursos e apoio financeiro a candidatos através de doações de sindicalizados e simpatizantes. Nesse sentido, são comuns campanhas patrocinadas por sindicatos para levantamento de fundos de campanha. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), por exemplo, aliada do Partido dos Trabalhadores (PT) nas campanhas para Presidente da República de 1994 e 1998, organizou várias tentativas de levantar fundos para a campanha do candidato Luís Inácio Lula da Silva junto a militantes e simpatizantes em geral. Contudo, esses esforços dos sindicatos têm apresentado sucesso moderado, como se pode ver pelos valores arrecadados nas referidas campanhas (vide Quadro 2), quando o apoio das empresas ao candidato do PT não era significativo. Naquelas eleições, a maior parte da arrecadação, bem menor do que a dos candidatos vencedores, originou-se do próprio PT e das contribuições dos militantes e simpatizantes.

Segundo David Samuels (2007, p. 13), o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) teve dificuldades em levantar fundos nas Eleições de 1994 e 1998. Somente nas eleições de 2002 a 2010 o candidato do PT obteve significativa arrecadação para o pleito eleitoral, devido ao forte apoio financeiro das empresas e do próprio partido, neste caso, graças ao crescimento dos recursos advindos do

fundo partidário, em decorrência do aumento da base de eleitos. O Quadro 2 demonstra o baixo potencial de arrecadação dos sindicatos, militantes e simpatizantes, se comparado com o poder de contribuição das empresas, uma vez que as eleições de 1994 e 1998 foram marcadas pela baixa arrecadação financeira por parte do candidato do PT, enquanto que as eleições de 2002 a 2010, marcadas por grande arrecadação financeira, representam o pleito em que o candidato foi financiado pelo PT e principalmente pelas empresas.