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8 FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS NO BRASIL E ABUSO DO PODER

8.2 O “MERCADO” DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

Constatação interessante apontada por David Samuels (2007, p. 21) diz respeito à estrutura do mercado de financiamento de campanhas. Sustenta o autor que, no Brasil, poucos cidadãos contribuem para as campanhas eleitorais: em média, apenas 17 indivíduos por candidato a Deputado Federal em 1994 e 12 em 1998. Ademais, dados deixam claro que muitos daqueles que contribuem têm relações familiares com os candidatos. Menos de 30 mil pessoas fizeram doações na campanha de 2002, o que representa menos de 0,1% da população em idade de votar. O mesmo ocorreu em relação a empresas: menos de três empresas, em média, contribuíram para candidatos ao Congresso Nacional e tais empresas foram responsáveis por ¾ das contribuições.

Tais dados revelam que o mercado de financiamento de campanha está dominado por poucos contribuintes, em termos relativos, quer sejam pessoas físicas ou jurídicas. Segundo David Samuels (2007, p. 22), poucos contribuem e quando o fazem tendem a doar valores significativos. Em 2002, por exemplo, a média de doação para candidatos ao cargo de Deputado Federal foi de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Poucos brasileiros podem doar essa quantia, pois, como se sabe, mais da metade das famílias brasileiras possuem rendimento de até três salários mínimos e a renda média domiciliar per capita do brasileiro é de R$ 767,02 (setecentos e sessenta e sete reais e dois centavos), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)22.

22

IBGE. Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística. Séries históricas. Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/. Acesso em 16/3/2014.

Foram realizadas 5.952 doações de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) ou mais, totalizando R$ 58,2 milhões em contribuições para candidatos ao cargo e Deputado Federal em 2002, ou 30,1% de todas as contribuições a esses candidatos.

Em contraste, foram efetuadas 23.623 doações menores que R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), totalizando apenas R$ 14,3 milhões (quatorze milhões e trezentos mil reais). Percebe-se que as doações maiores, ainda que sejam realizadas por um número menor de pessoas, compõem um volume de recursos bem maior do que a quantia obtida com as doações de valor menor, realizadas por um número bem maior de pessoas. Esse fenômeno reflete a desigual distribuição de renda no Brasil, situação que impede à maioria dos brasileiros contribuírem financeiramente para as campanhas eleitorais. Por outro lado, tais dados revelam que um percentual muito pequeno da população brasileira possui renda disponível para influenciar o processo político, fazendo contribuições razoáveis para as campanhas eleitorais (SAMUELS, 2007, p. 22).

Essa característica fechada do mercado de financiamento de campanha eleitoral no Brasil indica que os candidatos estão mais próximos de seus financiadores, ao contrário do que ocorre em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, onde o número de contribuintes de campanha eleitorais é bem maior, de modo que o doador é praticamente um anônimo na multidão de doadores. Isso sugere que o financiamento de campanhas eleitorais no Brasil é notadamente “voltado para serviços”, mais do que “voltado para política”. Nos Estados Unidos, as contribuições “voltadas para política” são maioria: indivíduos e Comitês de Ação Política (PACs) doam dinheiro na expectativa de influenciar a posição do candidato a respeito de certas ideias ou propostas, por exemplo, relacionadas com programas sociais, saúde, aborto, combate à violência, política racial, entre outras. Isso não significa que, nos Estados Unidos, contribuições “voltadas para serviços” estejam ausentes; indivíduos e empresas também contribuem na expectativa de obterem vantagens diretas. Todavia, no Brasil, este último tipo de contribuição é dominante: os doadores de campanha eleitoral esperam um “serviço” específico que somente aquele cargo público pode oferecer em retorno ao seu investimento (SAMUELS, 2007, p. 22).

Que serviços seriam esses que doadores para campanha eleitoral buscam em retorno aos seus investimentos? A simples vivência em espaços da administração pública, as notícias diárias dos jornais e as milhares de ações civis

impetradas pelo Ministério Público em todo Brasil por irregularidades nas licitações públicas são suficientes para demonstrar que, em verdade, as doações de campanha constituem, em geral, investimentos de empresas ou mesmo de pessoas físicas que almejam algum tipo de retorno, principalmente financeiro.

Segundo Marcos Otávio Bezerra (1999, p. 75), o retorno esperado por desses doadores se traduz ainda no superfaturamento de obras e nas emendas ao orçamento da União que possam favorecê-los. Em geral, tais emendas são apresentadas como sendo legítimas e meritórias, porquanto representam soluções para algum tipo de carência da população, mas o objetivo pode ser também eleitoreiro. Assim, ao mesmo tempo em que se prestam à articulação das demandas locais, servem para atender a interesses de empreiteiras, bem como a interesses financeiros e eleitorais dos candidatos a cargo público.

O testemunho de um ex-assessor parlamentar apresentado por Marcos Otávio Bezerra (1999, p. 75) destaca que, para parte dos parlamentares, atuar no orçamento de modo a obter apoio futuro para o financiamento de campanha não é considerado uma coisa imoral. Bezerra afirma ainda que, para não levantar suspeitas sobre a existência de irregularidades, os parlamentares se empenham para não associar suas ações aos interesses das empreiteiras e dos doadores em geral:

Como a identificação de vínculos dos parlamentares com as empreiteiras levantam suspeitas sobre a existência de práticas irregulares - tanto do ponto de vista da Lei Eleitoral quanto da opinião pública -, estes procuram dissociar suas ações dos interesses das mesmas. Neste sentido, diante de evidências de que se está atendendo a interesses de empresas, os parlamentares utilizam o argumento de que os programas para os quais alocam recursos visam a atender a demandas de prefeitos ou, quando se trata de um relator, de parlamentares. A referência aos prefeitos e aos parlamentares é utilizada para desvincular a conduta do deputado ou senador do interesse das empreiteiras. Tudo se passa, portanto, como se a referência ao fato das demandas terem sido realizadas por políticos, ou seja, se inserirem no circuito político, produzisse uma espécie de purificação das emendas (BEZERRA, 1999, P. 175).

Segundo Samuels (2007, p. 23), há muitos exemplos de trocas de fundos de campanha por influência política no governo. Por exemplo, em 1994, Fernando Henrique Cardoso (FHC), candidato à Presidência da República, recebeu apoio substancial de empresas de telecomunicações que tinham interesse no programa de

privatização do setor. Em 1998 também foi noticiado que as empresas que compraram as concessões em telecomunicações foram as mesmas que contribuíram para a campanha eleitoral de FHC (O Globo, 26 nov. 1998 apud Samuels, 2007, p. 23). Empresas de diversos setores também contribuíram para a campanha de FHC, aparentemente para persuadi-lo a perdoar suas dívidas com o governo federal (Folha de São Paulo, 4 dez. 1998 apud Samuels, 2007, p. 23).

A partir dos números apresentados, fica claro que o sistema eleitoral brasileiro estimula os altos custos de campanha e o individualismo político, uma vez que não há limite para a arrecadação de recursos e que se exige dos candidatos que levantem recursos individualmente para uma competição por votos em base individual e não partidária.