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ÂNCORAS DE CARREIRA CARACTERÍSTICAS Competência Técnica / Funcional (TF)

2.4 Valores pessoais

2.4.3 Fontes dos valores prioritários

Outro aspecto relevante apresentado por Schwartz (2005) diz respeito às fontes dos valores prioritários. Essas fontes são constituídas pelas circunstâncias de vida das pessoas; essas circunstâncias fornecem oportunidades para que elas (as pessoas) sigam ou expressem alguns valores mais facilmente do que outros. Por exemplo, pessoas ricas expressam mais facilmente os valores de poder, assim como profissionais liberais seguem com mais facilidade os valores de autodireção (ou autodeterminação). Isso vale também para os aspectos restritivos que a circunstância de vida pode impor: pais com filhos pequenos são constrangidos (pelo compromisso da responsabilidade) a limitar sua inclinação para estimulação, tendo em vista os riscos inerentes à natureza desses valores. Da mesma forma, pessoas fortemente etnocêntricas provavelmente não comungam com os valores de universalismo de modo “natural”; ou ainda, em uma sociedade marcada por estereótipos de gênero, a mulher se vê recompensada por expressar os valores de benevolência, ao mesmo tempo em que é punida por perseguir os valores de poder.

As escolhas (que se baseiam nos valores), por sua vez, exercem influência em muitas circunstâncias de vida. Em outras palavras, há influência reciproca entre circunstância de vida, escolhas e valores.

A importância atribuída aos valores (hierarquia) também é impactada pelas circunstâncias de vida. Os indivíduos tendem a aumentar a importância dos valores que são mais facilmente atingíveis e a rebaixar a importância daqueles cujo alcance é impedido ou dificultado de alguma forma. Dessa forma, “[...] pessoas em empregos que proporcionam liberdade de escolha, aumentam a importância dos valores de autodireção à custa dos valores de conformidade” (SCHWARTZ, 2005, p.5, tradução livre). Isso vale para a maioria dos valores, mas não para todos! Em relação aos valores de poder e segurança ocorre o inverso: quando bloqueados sua importância é intensificada e quando facilmente atingíveis, sua importância é mitigada. Assim sendo, pessoas expostas à

privação econômica e desordem social atribuem maior importância aos valores de poder e segurança do que outras pessoas que vivem de forma segura e confortável.

A questão do estabelecimento dos valores prioritários (hierarquia) é especialmente relevante para o presente estudo, tendo em vista que o público alvo é formado por jovens de classes populares – normalmente mais expostos aos contextos de desordem social e privação econômica.

Dando prosseguimento às considerações sobre fontes de valores prioritários, Schwartz (2005) apresenta a idade, o gênero e a educação como característicos que determinam, em grande parte, as circunstâncias de vida das pessoas. Nesse sentido, relacionam-se com os valores e os influencia na direção do estabelecimento de uma hierarquia de importância (valores prioritários).

Idade

Com relação à idade, Schwartz (2005) considera três fontes sistemáticas de alteração de valor na idade adulta: eventos históricos que afetam grupos etários específicos (guerras, por exemplo), envelhecimento (perda de força e de memória) e estágios da vida (criação de filhos, viuvez). As três fontes têm impactos significativos no sistema valorativo porque força as pessoas a mobilizarem recursos para o enfrentamento das vicissitudes que acompanham essas ocorrências. Os adolescentes que experimentam insegurança de ordem física e econômica tendem a priorizar valores materialistas ao longo de suas vidas. Por outro lado, a crescente prosperidade e segurança observadas em várias nações nos últimos 50 anos pode explicar a baixa prioridade de valores materialistas em grupos mais jovens (por não conhecerem o significado da privação material). Portanto, é de se esperar que “os grupos mais jovens darão maior prioridade aos valores de hedonismo, estimulação, autodireção e, possivelmente, de universalismo, e menor importância aos valores de segurança, tradição e conformidade” (SCHWARTZ, 2005, p. 6).

O envelhecimento, por sua vez, implica em significativas perdas das habilidades físicas e mentais. Novidade e risco podem ser ameaçadores, então, os valores de estimulação perdem importância e dão lugar aos valores de segurança, que se relacionam à previsibilidade dos ambientes. Da mesma forma, os valores de hedonismo diminuem sensivelmente pela redução da capacidade do indivíduo desfrutar com plenitude o prazer sensual. A exigência das tarefas e a necessidade de aprovação social gradualmente se afastam das posições valorativas prioritárias pois as pessoas mais

idosas não dispõem da mesma capacidade (e até disposição) de lidar com esses desafios.

Quanto aos estágios da vida, também não é difícil observar os impactos que podem causar na hierarquia de valores. O início da fase adulta é marcado por demandas de realização profissional e constituição do próprio núcleo familiar. Os jovens são desafiados a provar seu valor e coragem pelas muitas oportunidades e desafios que se lhe apresentam – circunstâncias de vida propícias aos valores de realização e estimulação. Quando já experimentam estabilidade familiar, profissional e social, os valores de estimulação, poder, hedonismo e realização paulatinamente vão perdendo importância, pois os riscos são tratados com maior parcimônia, tendo em vista as responsabilidades em jogo. Isso é ainda mais acentuado quando o indivíduo entra na aposentadoria ou experimenta a viuvez: a segurança e o investimento em formas tradicionais de se fazer as coisas ganham espaço e avançam na direção oposta, galgando os patamares mais altos na hierarquia dos valores.

Gênero

Sobre a questão do gênero, Schwartz (2005) cita autores e pesquisas que corroboram distinções valorativas entre homens e mulheres. Segundo eles, as mulheres estão associadas à maior incidência de afiliação e relacionamento, ética baseada no cuidado e responsabilidade, vantagem evolutiva por cuidar do bem-estar dos membros do grupo, bem como redução da competição e harmonia familiar por seu papel associado à alimentação. As mulheres são mais relacionais, expressivas e voltadas para as questões de utilidade pública e, por conta disso, mais propensas a atribuir prioridades aos valores de benevolência, universalismo, conformidade e segurança. Os homens, ao contrário, são mais autônomos e individualistas, com ética voltada aos direitos (baseada na justiça e equidade) e vantagem evolutiva provavelmente conquistada pelo alcance e conquista de status e poder. Eles são mais voltados à tarefa, à instrumentalidade e à autonomia – o que os leva a priorizar valores de poder, realização, hedonismo, estimulação e autodireção. Há ainda os processos de socialização que, desde cedo, estabelecem papéis sociais e objetivos de vida diferentes para meninos e meninas, reforçando-os e punindo-os à medida que cumprem ou não o que deles é esperado. Educação

Por fim, e não menos importante, a educação aparece como característica capaz de promover a abertura intelectual e de perspectiva, além da flexibilidade essenciais para os valores de autodireção; também a abertura para o novo (ideias e

atividades não rotineiras) – essencial para os valores de estimulação. Os valores de segurança, conformidade e tradição tendem a diminuir na medida em que os indivíduos, pela educação, adquirem e desenvolvem competências tais que os habilitam a lidar com os desafios da vida. As pesquisas apontam que os valores de universalismo começam a crescer nos últimos anos ensino médio e são

[...] substancialmente mais elevados entre os indivíduos que frequentam a universidade. Isso pode refletir tanto a ampliação de horizontes que o ensino superior proporciona, quanto a tendência para buscar a universidade entre aqueles que dão prioridade aos valores de universalismo. (SCHWARTZ, 2005, p.10).

Tudo que afeta as circunstâncias de vida e requer adaptação por parte das pessoas, então, exerce influência sobre a priorização dos valores. Mas Schwartz (2005) assevera que os valores não são receptores passivos: da mesma forma que são influenciados, eles também influenciam e estabelecem uma relação de reciprocidade em relação às circunstâncias de vida. Isso pode ser observado, por exemplo, no nível de ensino que o indivíduo deseja atingir, ou na persistência desenvolvida através do ensino superior – decorrente da dinâmica de oposição entre valores de autodireção e realização. Valores influenciam na escolha de amigos, companheiros, empregos, oportunidades, posicionamento político e de regime econômico e são por eles influenciados, uma vez que estão presentes nas circunstâncias de vida.

Nesse sentido, aliás, as contribuições de Schwartz (1992, 2005) guardam significativa coerência com o que já foi visto até aqui sobre o processo de formação da identidade profissional, como algo dinâmico, recíproco, construído (mas não congelado), contextualizado e sujeito a revisões.

3.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1. Classificações

O presente estudo classifica-se como exploratório (GIL, 2002) tendo em vista que o processo de construção da identidade profissional em jovens universitários atendidos por programas de acesso ao ensino superior, especificamente, não encontra estudos significativos nas publicações nacionais. A opção pelo método caracteriza a pesquisa como qualitativa pois, segundo as proposições de Creswell (2007, p. 38),

[...] se um conceito ou fenômeno precisa ser entendido pelo fato de ter sido feita pouca pesquisa sobre ele, então é melhor uma técnica qualitativa. A pesquisa qualitativa é exploratória e útil quando o

pesquisador não conhece as variáveis importantes a examinar. Esse tipo de técnica pode ser necessário ou porque o tópico é novo, ou porque nunca foi abordado com uma determinada amostragem ou grupo de pessoas, ou porque as teorias existentes não se aplicam a 'uma determinada amostra ou grupo em estudo.

Por se tratar de pesquisa qualitativa, a entrevista (CRESWELL, 2007) semiestruturada foi o instrumento de coleta de dados utilizado por ser mais adequado ao tipo de pesquisa e ao objetivo da mesma. O tratamento qualitativo dos dados privilegiou a técnica de análise de conteúdo (mapeamento de categorias) das entrevistas semiestruturadas (BARDIN, 2011; CRESWELL, 2007) com os jovens estudantes bolsistas ora identificados.

Os dados foram coletados junto aos estudantes de universidades paulistanas e da Baixada Santista, segmentadas a partir dos modelos identificados por Bertero (2002), a saber: universidade pública, universidade-empresa e universidade social. Neste estudo, estão incluídos dois dos três tipos, sendo três Instituições de Ensino Superior (IES) do modelo universidade-empresa e uma IES do modelo universidade-social. No quadro a seguir, são explicitadas as características gerais de cada uma delas.

MODELOS DE