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Fontes para o estudo das culturas escolares e as fontes desta pesquisa

No documento Culturas escolares em Recife (1880-1888) (páginas 36-39)

Segundo Dominique Julia as fontes mais adequadas a serem elencadas para a construção de uma história das práticas vivenciadas na “internalidade da escola” seriam os exercícios escolares feitos pelos alunos. No entanto, estes não costumam ser guardados nem por alunos e professores e nem nas escolas, por diversas razões. Para acessar as práticas escolares vivenciadas no passado o historiador se vê, portanto, obrigado a lançar mão de criatividade e executar a tarefa de “fazer flechas com qualquer madeira” 46

.

As pesquisas direcionadas à investigação das culturas escolares, na intenção de perceber como se constroem as práticas escolares, o currículo, o conhecimento escolar, o funcionamento do dia-a-dia da escola, têm levado os historiadores a perceberem os materiais escolares como possíveis fontes documentais.

Livros e textos didáticos, cartilhas de alfabetização, a arquitetura escolar, o quadro-negro, os cadernos, trabalhos escolares, cartazes, objetos de escrita, a caneta, o giz, lápis de cera, canetas coloridas, cadeiras e mesas, a disposição desses objetos pela sala, se tornam fontes quando passam a ser vistos como objetos capazes, em sua materialidade, de permitir a construção do conhecimento a respeito das vivências escolares no tempo.

O espaço escolar, como espaço qualificado para aprendizagem, também desponta como possível fonte para a compreensão das práticas construídas no interior da escola, pois assim como “o templo designa um território litúrgico que provoca um comportamento especificado, a escola delimita um espaço que requer

46

36 igualmente determinados comportamentos e atitudes geradoras de sentido”, capazes de influenciar como os sujeitos escolares se comportarão fora dela47.

Além da arquitetura material do espaço escolar, figura como possibilidade de fonte a arquitetura pedagógica construída a partir de objetivos utilizados para viabilizar o ensino. Os programas e avaliações de aprendizagem também são elementos possíveis de serem usados para obter conhecimento acerca dos caminhos pelos quais a escola foi sendo construída pelos sujeitos escolares.

Os livros e textos didáticos podem ser elencados como fontes privilegiadas, pois, além dos conteúdos ligados ao conhecimento disciplinar, testemunham os valores morais, éticos, sociais, cívicos, patrióticos das sociedades responsáveis por sua produção. A cartilha da alfabetização, por exemplo, tal como nos disse Mortatti48, remete a um “pacto secular” entre sociedade e escola, desde a última década do século XIX. Ela é tanto produto como produtora de experiências escolares e foi consolidada pelos sujeitos escolares como um instrumento de concretização de determinados métodos de ensino e concepções de alfabetização, leitura, escrita e texto pedagógico adequado a quem se pretende alfabetizar.

Em síntese, todos os objetos individuais e coletivos ocupantes dos espaços escolares, necessários ao funcionamento da escola, construídos para servir de suporte aos processos de ensino e aprendizagem, carregam marcas dos objetivos para os quais foram criados. Todos, ao serem analisados, podem contar uma história sobre sua fabricação e possibilidades de uso no espaço pedagógico sendo, portanto, possíveis fontes para o estudo das culturas escolares, assim como fotografias, autobiografias, depoimentos colhidos através de entrevistas podem figurar entre as fontes utilizadas nas pesquisas feitas nos últimos 20 anos.

No entanto, apesar desta multiplicidade de fontes potencialmente utilizáveis nas pesquisas a respeito da história das culturas escolares no Brasil, o trabalho do historiador em relação aos processos e práticas de escolarização vivenciadas

47

FERNANDES, Rogério. Cultura escolar: entre as coisas e as memórias. In: MENEZES, Maria Cristina (Org.). Dossiê cultura escolar, cultura material: entre arquivos e museus. Pró-posições, v. 16, n. 1, p. 46, jan/abr. 2005, p. 20.

48

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secular.

In: SOUZA, Rosa Fátima de; VALDEMARIN, Vera Tereza (Org.). A cultura escolar em debate:

questões conceituais, metodológicas, e desafios para a pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

37 durante o século XIX, na então Província de Pernambuco, se configura como uma tarefa difícil 49.

De acordo com Silva, quase não há nos acervos acessíveis atualmente, em Pernambuco, “registros de aulas, de cadernos, livros com marcas, bilhetes, cartas, diários, fotografias e outros tipos de fontes pertencentes ou produzidas por professores, alunos ou familiares de alunos da província” 50

. E mesmo os registros governamentais foram pouco preservados nessa parte do Império. Sobraram, os Anais da Câmara, a Coleção das Leis Provinciais, os Códices da Instrução Pública e das Câmaras Municipais, registros voltados para assuntos gerais, guardados em razão dos interesses do Estado ou dos funcionários encarregados de arquivá-los (e não dos agentes escolares), dentro dos quais se incluem grande quantidade de registros sobre situações denunciadas, regulamentadas ou punidas por agentes do governo provincial e relacionados, em sua maioria, às práticas de escolarização públicas.

Também Adriana Silva vem destacando em seus trabalhos 51 os anúncios publicados pelos professores nos periódicos comerciais, em circulação na cidade do Recife durante o século XIX, como possíveis fontes para acessar algum conhecimento a respeito do trabalho exercido pelos professores particulares na cidade do Recife. Usados prioritariamente para a oferta dos mais diversos tipos de serviços domésticos, de empregados do comércio e por professores, os anúncios são registros derivados da intenção dos sujeitos aos quais se referem, veiculando por isso, no mínimo, a melhor imagem possível dos anunciantes, segundo a opinião dos próprios.

As páginas do jornal foram palco para as mais diversas discussões, entre as quais estiveram os assuntos referentes à educação pública e particular. Professores e professoras lançaram mão dos jornais para fazer circular entre a sociedade suas demandas– no caso dos públicos– ou divulgar seus serviços– no caso dos

49 SILVA, Adriana M. P. Op. Cit, 2007, p. 186. 50

ANANIAS, Mauricéia; SILVA, Adriana M. P. Educação e instrução nas províncias da Paraíba e Pernambuco. In: GONDRA, José Gonçalves; SCHNEIDER, Omar (Org.). Educação e Instrução nas

Províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889). Vitória: EDUFES, 2011, p. 129. 51

SILVA, A. M. P.. Práticas docentes em Recife-Olinda, 1851-1890. In: Congresso Brasileiro de História da Educação, 6, 2011. Anais... Vitória: UFES, 2011. p.111-150; SILVA, Adriana M. P. O uso

historiográfico dos anúncios de docentes no jornal “Diário de Pernambuco”, Recife – Século XIX.

38 particulares. Também para os docentes os jornais foram um meio privilegiado para o exercício da retórica, da contraposição de ideias, dos enfrentamentos e da imposição e concepções de modelos de ensino 52.

Além das “publicações a pedido” feitas no Diário de Pernambuco a respeito dos Institutos e Colégios particulares por parte de sues diretores e diretoras, não raro era possível encontrar, a coluna “Instrução Pública” 53

, na qual eram publicados artigos abordando os livros didáticos a serem adotados nas escolas públicas, métodos de ensino, discursos proferidos por professores em diversas situações.

Acredito na possibilidade de conhecer certas características das culturas escolares vivenciadas pelos professores e professoras particulares, em fins do século XIX, a partir da leitura das publicações feitas no Diário de Pernambuco pelos professores e professoras particulares existentes na cidade naquele momento.

No documento Culturas escolares em Recife (1880-1888) (páginas 36-39)