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Culturas escolares em Recife (1880-1888)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CULTURAS ESCOLARES EM RECIFE: ESCOLAS PARTICULARES E MÉTODOS DE ENSINO (1880-1888)

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1

JACILENE DOS SANTOS CLEMENTE

CULTURAS ESCOLARES EM RECIFE (1880-1888)

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação, no curso de Pós-graduação em Educação do Departamento de Educação da Universidade Federal de Pernambuco.

Orientadora: Prof. Dra. Adriana Maria Paulo da Silva

RECIFE, 2013 .

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3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CULTURAS ESCOLARES EM RECIFE (1880-1888)

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª. Drª. Adriana Maria Paulo da Silva 1ª Examinadora/Presidente

Prof. Dr. Marcus Joaquim Maciel de Carvalho 2º Examinador

Prof. Dr. André Gustavo Ferreira da Silva 3º Examinador

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RESUMO

Nos últimos vinte anos o conceito de cultura escolar emergiu dentro do cenário das pesquisas em educação no Brasil. Compreendido como uma das facetas do processo de escolarização, ele engloba toda a vida escolar, ideias, corpos, mentes, objetos, condutas, formas de ser e fazer. Nesse trabalho investigamos, através dos anúncios de escolas publicados por professores particulares no Diário de Pernambuco, algumas das características das culturas escolares anunciadas e potencialmente vividas na cidade do Recife entre 1880 e 1888. Nos anúncios, os docentes apresentaram os endereços de suas escolas, algumas características dos prédios e espaços nos quais suas escolas funcionaram, os graus de instrução potencialmente ensinados (primário e secundário), as disciplinas oferecidas, os valores morais orientadores do ensino, métodos de ensino, os objetivos a serem alcançados pelos alunos e etc. Dessas informações nos detivemos nos endereços, através dos quais mapeamos as escolas, localizando-as na geografia da cidade. Além disso, analisamos as descrições dos espaços escolares e dos métodos anunciados. Para investigar as características dos métodos de ensino anunciados somamos, aos anúncios das escolas, a análise das cartilhas de alfabetização dos métodos de Castilho, João de Deus e Intuitivo ou Lição das Coisas. Por fim, analisamos como e se as culturas escolares do Recife, nos últimos anos da escravidão, se relacionaram, ou não com os debates acerca da Abolição, característicos do período. Por fim, concluímos que nas culturas das escolas particulares do Recife localizaram-se nos bairros centrais, estiveram abertas aos debates pedagógicos característicos do período, mas se mantiveram majoritariamente distanciadas dos debates e propostas, tanto abolicionistas, quanto escravistas.

PALAVRAS-CHAVES: História da Educação em Pernambuco - Culturas Escolares -

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RESUMEN

En los últimos veinte años el concepto de cultura escolar emergió dentro del escenario de las investigaciones en educación en Brasil. Comprendido como una de las facetas del proceso de escolarización, el concepto engloba toda la vida escolar, ideas, cuerpos, mientes, objetos, conductas, formas de ser y hacer. En este trabajo investigamos, a través de los anuncios de escuelas publicados por profesores particulares en el Diario de Pernambuco, algunas de las características de las culturas escolares anunciadas y potencialmente vividas en la ciudad de Recife entre 1880 y 1888. En los anuncios, los docentes presentaban las direcciones de sus escuelas, algunas características de los edificios y espacios en los cuales sus escuelas funcionaron, los grados de instrucción potencialmente enseñados (primario y secundario), las asignaturas ofrecidas, los valores morales orientadores del enseño, métodos de enseño, los objetivos que serian alcanzados por los alumnos y etc. De esas informaciones nos detuvimos en las direcciones, a través de las cuales mapeamos las escuelas, localizándolas en la geografía de la ciudad. Además, analizamos las descripciones de los espacios escolares y de los métodos anunciados. Para investigar las características de los métodos de enseño informados sumamos, a los anuncios de las escuelas, el análisis de las cartillas de alfabetización de los métodos de Castilho, João de Deus e Intuitivo o Lição de Coisas. Por fin, analizamos como y si las culturas escolares del Recife, en los último años de la esclavitud, se relacionaron, o no con los debates acerca de la Abolición, característicos del período. Por fin, concluimos que en las culturas de las escuelas particulares de Recife se localizaron en los barrios centrales, estuvieron abiertas a los debates pedagógicos característicos del período, pero se mantuvieron mayoritariamente distanciadas de los debates y propuestas, tanto abolicionista como esclavista.

PALABRAS CLAVES: Historia de la Educación en Pernambuco - Culturas

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8 Dedico esse trabalho a Cristo, sempre e eternamente tudo a Ele, autor e consumador da minha fé; a Dona Gercina Francisca dos Santos Clemente, minha mãe; ao Senhor José Rafael Clemente, meu pai; e a Professora Adriana Maria Paulo da Silva. Sem eles esse trabalho não seria possível.

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9

AGRADECIMENTOS

“Ninguém faz nada sozinha.” Essa é uma das frases clássicas da minha mãe e também uma verdade universal. Sem ajuda não existe realizações, reconheço isso e agradeço a todos os que me ajudaram a concluir esse que foi o mais audacioso projeto profissional dos meus vinte anos.

Agradeço a Jesus Cristo. A Ele agradeço por tudo, mesmo sabendo o quanto não mereço, o quanto estou aquém, Ele continua sendo o meu Deus e isso é reconfortante como o abraço de mãe e segurança de um pai. Um Algo que não se explica com a razão, apenas com fé.

Expresso também minha gratidão à CAPES, pelo incentivo através da bolsa, sem a qual seria impossível realizar esse objetivo profissional.

Ao Colegiado do PPGE, tão receptivo às inquietações de jovens pesquisadores como eu; aos professores do Centro, Clarissa Martins, Janete Azevedo, Edilson Fernandes, Flávio Brayner; e às funcionárias da Secretaria, Shirley e Morgana, sempre tão atenciosas para conosco.

Aos funcionários da Fundação Joaquim Nabuco, os quais, desde o porteiro até os responsáveis pelos microfilmes, sempre me receberam e trataram com toda a polidez do mundo. Assim como aos funcionários da biblioteca do Arquivo Publico Jordão Emerenciano na, Rua do Imperador.

À minha orientadora Adriana Maria Paulo da Silva. Mesmo sendo tão prolixa, é difícil explicar o tipo exato ou inexato de gratidão e admiração que sinto por ela. Ao me aceitar como orientanda Adriana fez uma aposta na minha capacidade. Espero, que colocando essa experiência em perspectiva, ela não se arrependa da aposta.

Ao querido professor André Ferreira, querido, generoso e atencioso na leitura desse trabalho, desde o momento no qual ele era apenas um pré-projeto, passando pela qualificação até esse momento, no qual o trabalho está sendo entregue a avaliação da banca.

Ao professor Ramon Oliveira pela presença em minha banca de qualificação, por ter compartilhado suas impressões e colaborado com esse trabalho.

Ao professor Marcus Carvalho por ter aceitado, generosamente, o convite de estar conosco na conclusão deste percurso.

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10 Ao professor Gian Carlo de Melo Silva, um dos principais incentivadores do meu projeto pessoal e profissional de realizar uma pesquisa e escrever uma dissertação. Não tenho outra palavra para você, Gian, que não seja: Obrigada! Que Deus continue te abençoando!

Aos meus companheiros de núcleo de Teoria e História da Educação, Lucas, Maristela, Érica, Adélia pelo carinho, atenção e companheirismo em alguns dos momentos mais angustiantes.

Também agradeço a Dayana, ao Yan, a Aline, a Manuela, pessoas queridas cujo encontro foi uma das melhores coisas que a pós-graduação me trouxe.

Ainda no campo da vida profissional, agradeço a minhas companheiras e companheiro Auxiliares do Desenvolvimento Infantil (ADI) na Creche Municipal Mardônio Coelho: Suzana, Cleber, Vanessa, Jô. E a melhor gestora que uma ADI poderia ter Marilia Gabriela.

Agradeço também aos pequenos filhotes de gente cuja profissão de ADI me deu a honra de ensinar a cuidar, amar e ajudar a educar.

Alexandre Melo, uma das pessoas que herdei dos meus tempos de UFRPE, obrigada pelo apoio moral.

Às melhores amigas que uma pessoa poderia desejar ter, as quais devo, além do afeto, da tolerância e da compreensão, as sobrinhas e sobrinhos mais bonitos e bonitas do mundo inteiro. Adriana, Cintia, obrigada mesmo! Os seu filhos são uma benção de Deus para vocês, mas eu também tiro uma casquinha.

À Claudinéia, companheira na profissão e de fé, “amiga da amiga”. Precisa dizer que te amo?

À Maria Goretti, amiga tolerante com minhas ausências, exemplo de educadora, mãe do Eick, a quem eu amo desde que era um feto.

À Amanda, cunhada querida, que se tornou também amiga!

Ao Renato, que há muito deixou de ser amigo do meu irmão para se tornar um irmão.

À Josélia. Nêga, obrigada pelas orações!

Ubiratan, sem sua ajuda esse trabalho não seria possível. Obrigada por ter me socorrido naquela hora.

Às “Meninas dos Livros”: Aleska, a menina das Ideias; Michele Lima (Mi, porque eu sou íntima), pessoa que amo e gosto de amar; Ana Seerig que até na

(12)

11 Alemanha e, com ou sem internet, consegue dar um jeito de ser presente. Obrigada “Meninas” longa vida a nossa amizade!

Ao Luiz Carlos (Sahge), a Tita e a Vaneza, obrigada por todo o apoio que vocês tem me ofertado. Se eu tivesse irmãos mais velhos gostaria que eles fossem como vocês!

Agradeço enfim a minha grande, barulhenta, arengueira, invasiva, divertida, preciosa e muito amada família.

Pai, Mãe, Seu Elias e Dona Gilda, obrigada por tudo!

Voinha e Voinho, Dona Rita e Seu Pedro, obrigada por tudo, nós ainda vamos nos encontrar na eternidade.

Meus tios, irmãos da minha mãe, “os Francisco”: Gilvan, José Edson, Gerson, Eldes, Wellington, Neide, Helena, Patrícia, meus heróis e heroínas de infância. Eu quero ser como vocês!

Meus tios, irmãos do meu pai, “os Rafael”: Maria, Tereza, Neuza, João, Severino, Elias. Tenho profunda admiração por vocês!

Henrique, primo querido, obrigada!

Mainha, Dona Gercina, meu coração e minha força. Melhor amiga, companheira de todas as horas. Pessoa que sonhou e realizou o projeto de ter filhas e filho honestos, trabalhadores e devidamente formados em uma universidade. Meu exemplo. Muito obrigada Mainha!

Ao meu Painho Hulk, José Rafael, capaz de oscilar entre grandes iras e ternuras inigualáveis! Provedor, honesto, trabalhador, meu maior exemplo de profissional. Se um dia eu chegar a ser um terço do profissional que o senhor é, serei uma professora excelente!

Aliás, também agradeço a meu pai o auxílio na localização das ruas do Recife. O GPS dele, construído através de anos de atuação como motorista profissional, funciona tão bem em um mapa da cidade do Recife de 1875, quanto no de 2013. Obrigada painho!

Ao meu irmão, sangue do meu sangue, meu primeiro companheiro de caminhada, dono da minha primeira lembrança, pessoa que não precisa dizer que me ama, junto a qual espero sempre poder caminhar.

À Aline, sinônimo de constância, apoio, tolerância e companheirismo. Obrigada por tudo Aline e em especial pelo Vinícius, um presente Deus para você do qual tiro muitas casquinhas.

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12 E você, Rafaela dos Santos Clemente, minha irmã caçulinha Pokémon, “minha flor, meu bebê”, “amor da minha vida daqui até a eternidade”. Desculpa por perturbar teu sono, bagunçar tudo, ocupar três dos quatro cantos do nosso quarto, solicitar tanto tua ajuda e te retribuir tão pouco. Sem você eu não conseguiria, obrigada!

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13

LISTAS DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

APEJE Arquivo Público Jordão Emerenciano FUNDAJ Fundação Joaquim Nabuco

BNL Biblioteca Nacional de Lisboa

LAPEH Laboratório de Pesquisa e Ensino de História do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco

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LISTA DE TABELAS, QUADRO, MAPAS E IMAGENS

Tabela 1 Tipos de instituições anunciadas entre 1880-1888.

p. 39

Tabela 2 Distribuição dos anúncios publicados nas terças feiras ao longo das semanas corridas

entre janeiro de 1880 e dezembro de 1888. p. 41

Tabela 3 Anúncios em relação aos anos pesquisados p. 43

Quadro 1 Escolas nas quais o piano foi utilizado como

suporte pedagógico p. 112

Quadro 2 Associações abolicionistas citadas por Coriolano de Medeiros, em funcionamento

em 1884 . 126

Mapa 1 Ruas das escolas nos bairros Centrais do Recife (Boa Vista, Santo Antônio, São José e

Recife). p. 48

Mapa 2 Ruas das escolas anunciadas no Diário de

Pernambuco, no Bairro da Boa Vista. p. 51

Mapa 3 Ruas das escolas anunciadas no Diário de

Pernambuco, no Bairro de Santo Antônio. p. 55

Mapa 4 Ruas das escolas anunciadas no Diário de

Pernambuco, no Bairro de São José. p. 57

Mapa 5 Rua Marques de Olinda, no Bairro do Recife. p. 58

Mapa 6 Rede de Jardins-Escola João de Deus em

Portugal – Janeiro de 2013. p. 84

Imagem 1 Rua da Imperatriz, antigo Aterro da Boa

Vista. p. 49

Imagem 2 Rua do Imperador no Bairro de Santo

Antônio, litogravura de Franz Heinrich Carls. p. 53

Imagem 3 Arrabalde do Recife, Ponte d’Uchoa. p. 60

Imagem 4 Interior de sobrado patriarcal urbano do meado do século XIX. Desenho de Lula Cardoso Ayres, baseado em notas de Gilberto Freyre, nesses prédios urbanos funcionaram além de armazéns e casas

familiares algumas escolas. p. 66

Imagem 5 Internato Pernambucano em Ponte do Uchoa, n. 21, fundado em 1879, pelo

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15

Imagem 6 Taquigrafia do Professor Sebastião Mestrinho.

p. 78

Imagem 7 Contra capa da “Cartilha Maternal ou Arte da

Leitura” por João de Deus de 1878. p. 83

Imagem 8 Modelo para o ensino da letra V p. 86

Imagem 9 Diálogo a partir do qual João de Deus sugeria o estudo dos diversos “acidentes de posição”

da letra r p. 87

Imagem 10 Proposta de Organização de Sala de Aula do

Método Castilho. p. 93

Imagem 11 Imagem do interior de uma sala de aula, contida na “Cartilha Método Castilho para o ensino rápido e aprazível do ler impresso,

manuscrito, e numeração e do escrever”. p. 94

Imagem 12 Letra A da cartilha de Feliciano de Castilho. p. 96

Imagem 13 Parte do anúncio dos resultados dos exames prestados pelos alunos do Colégio 7 de

Setembro. p. 104

Imagem 14 Contador Mecânico, suporte didático sugerido desde 1850 para o ensino da

matemática p. 117

Imagem 15 Internato Pernambucano, em Ponte de

Uchoa. p. 119

Imagem 16 Internato Pernambucano, em Ponte do Uchoa, nº 21, fundado em 1879 pelo

professor Manoel Alves Viana. p. 120

Imagem 17 Possíveis exercícios de educação física

(17)

16

SUMÁRIO

Capítulo 1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO DO BRASIL, EM PERNAMBUCO E AS CULTURAS

ESCOLARES... p. 18

1.1 Cultura e culturas... p. 21

1.2 Culturas escolares ... p. 24

1.3 Fontes para o estudo das culturas escolares e as

fontes desta pesquisa... p. 35

1.4 O material obtido... p. 38

Capítulo 2 AS ESCOLAS NAS RUAS DA CIDADE DO RECIFE p. 48

2.1 Os prédios escolares... p. 61

Capítulo 3 DIFERENTES ESCOLAS, DIFERENTES MÉTODOS

DE ENSINO... p. 73

3.1 O Método de João de Deus... p. 81

3.2 O Método Castilho... p. 92

3.3 Método Americano ou o Ensino Intuitivo pelas Lições

das Coisas... p. 100

Capítulo 4 A ABOLIÇÃO NOS ANÚNCIOS DOS

JORNAIS... p. 125

4.1 A historiografia da Abolição em Pernambuco... p. 125

4.2 Os anúncios publicados no Diário e as questões

referentes a Abolição... p. 136

5 COMENTÁRIOS FINAIS... p. 148

6 FONTES CITADAS NO TEXTO... p. 150

7 CRÉDITOS DAS IMAGENS... p. 153

8 BIBLIOGRAFIA... p. 155

9 APÊNDICES... p. 164

9.1 Escolas particulares anunciadas nas “Publicações a

(18)

17

9.2 Escolas anunciadas nos Almanaques

Pernambucanos entre 1881 e 1886 e seus endereços p. 171

9.3 Nome das ruas dos principais bairros da cidade do

(19)

18

1. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO DO BRASIL, EM PERNAMBUCO E AS CULTURAS ESCOLARES.

As pesquisas em história da educação ao longo do último século não privilegiaram os anos de Império. Alessandra Schueler1 destacou sobre a historiografia da educação no Império do Brasil a possibilidade de dividi-la em três tendências. A primeira, construída ainda nos anos do Império constituiu-se basicamente de organização e coleta de documentos, leis e decretos por parte de homens públicos ligados diretamente ao império. As formas de analise eram orientadas pelo pensamento positivista, ainda segundo Schueler, o melhor exemplo desse trabalho foi a obra de Primitivo Moacyr em sua “A instrução publica no Império” e “A Instrução e as Províncias” abrangendo o período referente a 1835-1889.

A segunda tendência seria a construída através dos intelectuais ligados ao movimento “escolanovista” a partir das décadas de 1920-1930, remetendo automaticamente aos nomes de Anísio Teixeira e de Fernando Azevedo, sendo o último autor do celebrado “A Cultura Brasileira”, cuja terceira parte “A transmissão da cultura” se tornou referencia no campo educacional e foi, segundo Marta Carvalho2

, responsável por cristalizar várias representações sobre a história da educação no Brasil. Ainda segundo Carvalho a obra de Azevedo em relação a educação se desenvolveu em dois eixos, a história das ideias e projetos pedagógicos e a história da organização dos sistemas de ensino. E, em relação aos caminhos da instrução durante o século XIX, tendeu construiu uma espécie de não-história, destacando aquilo que não houve, deveria ter sido, produzindo uma leitura anacrônica e nefasta em relação à história das instituições de ensino, de assistência e de instrução pública3.

No entanto, entre as décadas de 1980 1990, uma terceira vertente em relação à história da educação começou a ser construída, preocupada em “aprofundar as

1

SCHUELER, Alessandra Frota Martinez de. Educar e Instruir: a instrução popular na corte Imperial. 1997. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, Niterói.

2

CARVALHO, Marta. M. Chagas de. História da Educação: notas em torno de uma questão de fronteiras. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 26, dez, 1997.

3

(20)

19 análises das ideias e projetos pedagógicos em suas relações essenciais com a totalidade social, inserindo-os nas dinâmicas dos processos e nas contradições dos contextos históricos nos quais foram criados e debatidos” 4. Esta corrente

preocupou-se em perceber questões relacionadas a educação como parte de um projeto político amplo, o da construção do Estado.

Tendo como interlocutora frequente a história cultural, a história da educação vem alargando suas fronteiras, construindo novos problemas, deslocando seu olhar dos modelos pedagógicos e legislações para perceber as formas como modelos e leis são vivenciadas e praticadas na internalidade da vida escolar, pondo em cena sujeitos como professores, diretores de escolas e alunos, em um cenário no qual se costumava destacar apenas os “grandes nomes”.

Livros, manuais escolares, imprensa pedagógica, bibliotecas escolares, coleções dirigidas a professores têm se tornado fontes e objetos de investigação histórica nessa nova tradição historiográfica em construção. Uma historiografia preocupada em desnaturalizar a escola, percebendo o modelo escolar como resultado da junção de um conjunto de dispositivos científicos, religiosos, políticos e pedagógicos 5.

A história da educação em Pernambuco nos tempos de Império se configura como um campo de pesquisa relativamente pouco explorado por pesquisas acadêmicas. Em trabalho recente construído em parceria com Mauricéia Ananias, Adriana M. P. Silva6 contou da escassez de trabalhos historiográficos voltados para a história da educação na província de Pernambuco. Segundo ela, a maior parte dos trabalhos privilegia períodos posteriores à segunda metade do século XIX, focando instituições educativas como o Seminário de Olinda e a Faculdade de Direito do Recife, utilizando fontes governamentais ou institucionais.

Entre os trabalhos existentes constam as dissertações, a de Vera Lúcia Braga “Pequenos aprendizes: assistência à infância em Pernambuco no século XIX”, de Adlene Silva Arantes “O papel da Colônia orfanológica Isabel na educação e na definição dos destinos de meninos negros, brancos e índios na Província de

4 SCHUELER, Alessandra Frota Martinez de. Op. Cit,1997, p. 6. 5

CARVALHO, Marta M. Chagas, Op. Cit, 1997, p. 11.

6

SILVA, A. M. P & ANANIAS, M. Educação e Instrução nas províncias da Paraíba e Pernambuco. In: GONDRA, J.G. & SCHNEIDER, Omar (org.) Educação e instrução nas províncias e na corte

(21)

20 Pernambuco (1874 -1889)” falando sobre a inserção da infância pobre no mundo do trabalho durante os anos finais da escravidão; e duas dissertações tratando da trajetória da Escola Normal Oficial (1864-1893) o “Da instrução Primária ao ensino normal: o inicio do magistério feminino em Pernambuco” de Verônica Araujo e “A escola Normal Oficial de Pernambuco: a inserção das mulheres” de Flávia Maria Peixoto7.

Além destes poucos trabalhos, existe também a tese transformada em livro de Adriana M. P. Silva, na qual um vasto período da história da educação na província de Pernambuco e foi abordado através da documentação acessada nos arquivos do Rio de Janeiro e do Recife. Conforme a pesquisa de Silva8 (2007), desde meados do século XVIII, a partir das Reformas Pombalinas, uma malha de escolas públicas foi sendo construída na Província de Pernambuco cujos fios foram tecidos em meio às disputas políticas locais – das quais os professores eram integrantes– e a partir das determinações dos governos provinciais. O trabalho da autora torna possível pensar as interdições e impossibilidades à expansão das letras na capitania de Pernambuco e na América Portuguesa não como atraso derivado de uma dominação cultural metropolitana, mas sim como resultado direto de opções políticas tomadas pelas elites de ambos os lados do Atlântico.

Desde os anos de capitania as formas de funcionamento do magistério público foram construídas em função dos poderes locais, das redes de clientela nas quais os políticos, professores e famílias estavam inclusos. As práticas de escolarização, currículo das escolas, horários, formas de conduta, em síntese, os elementos das culturas escolares, foram sendo construídos vinculados às necessidades ou conveniências das políticas locais em relação às demandas das populações. Foram construídas envoltas no “turbilhão da política” 9

.

Segundo a autora, o magistério público se configurou como ofício propício a diversos tipos de disputas além das educacionais. Exercido majoritariamente por homens pobres, a docência proporcionava além do salário, uma posição social vantajosa. Naqueles tempos nos quais a atividade docente ainda não era

7

SILVA, A. M. P & ANANIAS, M., Op. Cit, 2011, p. 141.

8

SILVA, A. M. P.. Processos de construção das práticas de escolarização em Pernambuco, em

fins do século XVIII e primeira metade do século XIX. Recife: Editora UFPE, 2007. 9

(22)

21 socialmente exercida por indivíduos especialmente preparados para tal fim e as aulas não funcionavam em espaços especificamente projetados para viabilizar os processos de ensino e aprendizagem, o magistério era aberto a muitas possibilidades.

Quanto ao magistério particular, apesar de representarem a maioria dos docentes em atividade durante todo o período, as fontes oficiais referentes a eles são ainda mais raras se comparadas às referentes aos professores públicos. Durante o século XIX os professores particulares, em especial os mais humildes, costumavam fugir das ações de fiscalização governamentais na, criadas para controlar e taxar essa atividade laboral. Os registros das tentativas deste controle constituem a maior parte das fontes referentes a esta categoria de professores10.

No entanto, em um trabalho mais recente “Práticas docentes em Recife-Olinda, 1851-1890” 11

a historiadora destacou os anúncios publicados no jornal Diário de Pernambuco durante o século XIX como possibilidade de acessar algumas informações a respeito de quem eram os sujeitos envolvidos na docência particular. Será com base neste tipo de registro que procuraremos discutir alguns aspectos das culturas escolares vivenciadas no Recife, na década da abolição.

1.1. Cultura e culturas

Nas pesquisas em História da Educação há apenas duas décadas o conceito de cultura foi associado ao de escola, no entanto, o interesse das ciências humanas em relação à cultura não é recente. Embora a segunda metade do século XX tenha sido uma época na qual, com o impulso da mídia, ocorreu uma “revolução cultural” no sentido substantivo, empírico e material como o disse Stuart Hall 12, há mais de dois séculos a intelectualidade ocidental se ocupa em teorizar a respeito do conceito de cultura.

10 Idem, p. 187. 11

SILVA, A. M. P.. Práticas docentes em Recife-Olinda, 1851-1890. In: Congresso Brasileiro de História da Educação, 6, 2011. Anais... Vitória: UFES, 2011. p. 111-150.

12

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.

Disponível em:

http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=117:a-

(23)

22 Desde o século XVIII os iluministas franceses se apropriaram do termo cultura, até então relacionado à criação de determinados animais ou produtos agrícolas e o articularam à ideia de civilização, compreendida como o estado derivado da ação do homem educado. Os Iluministas pensavam na cultura como coisa única e universal, ela seria o resultado da reunião do melhor já produzido pelo homem civilizado leia-se europeu e branco dos países centrais– em toda sua existência na terra, a música, filosofia, ciência, literatura, as artes estariam dentro dos domínios da cultura13.

Esta noção universal da cultura associada à ideia de civilização contida no discurso iluminista foi contestada, ainda no século XVIII, pelos intelectuais do romantismo alemão, que relacionavam “cultura” ou ‘Kultur’ a valores subjetivos, a certas maneiras de produzir e apreciar as artes, a literatura, sistemas religiosos e filosóficos14.

Este esforço de criação de uma “Cultura”, no singular, grafada com letra maiúscula e ligada a um determinado jeito de ser e estar no mundo fez parte do processo de legitimação dos Estados Nacionais emergidos no século XIX, para os quais era fundamental a existência de elos ideológicos potencialmente capazes de promover a superação das inúmeras diferenças e particularidades existentes entre os povos europeus.

Ao longo do século XIX, a ideia de “cultura” passou a ser ligada às artes, filosofia, religião, instituições, práticas e valores. Já em meados da década de 1920, essa forma de perceber a cultura passou a ser contestada pelo conjunto das ciências humanas (antropologia, linguística, filosofia, sociologia) responsáveis por colocar em questão essa epistemologia, atualmente considerada monocultural. Após a II Guerra Mundial e o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a crise da Modernidade, a ideia da existência de uma cultura cedeu (ou perdeu) lugar à de “culturas”.

13

VEIGA-NETO, Alfredo. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação. Maio/Jun/Jul/Ago, n. 23, 2003; LIMA, Raquel Sousa. O conceito de cultura em Raymond Williams

e Edward P. Thompson: breve apresentação das ideias de materialismo cultural e experiência.

Disponível em HTTP://historia.uff.br/cantareira/novacantareira/artigos/edicao8/artigo02.pdf. Ultimo acesso: 16 de julho de 2009.

14

(24)

23 A propósito da passagem do conceito de cultura do singular para o plural, encontramos as proposições de Michel de Certeau em “A cultura no plural” 15.

Trata-se uma compilação de vários textos escritos pelo autor entre 1968 e 1973, através dos quais De Certeau, ao discutir as mudanças sociais vivenciadas na sociedade francesa e pela Europa a fora, analisa as mudanças na forma como a sociedade ocidental passou a lidar com a cultura.

Segundo De Certeau, não se poderia mais pensar em cultura como um artefato ligado a um grupo social como o quiseram os intelectuais do romantismo alemão, como uma “propriedade particular de certas especialidades profissionais; ela não é mais estável e definida por um código aceito por todos” 16

. Para De Certeau não havia uma “Cultura”, mas “culturas” circulando dentro das sociedades por meio de diversos conjuntos de práticas consensuais, para as quais as pessoas atribuem significados.

Não seria possível a um único setor ou grupo social fornecer a todos os outros significados únicos e uniformes para as suas práticas. Os seres humanos, em sociedade, têm suas vidas orientadas por diversas instâncias produtoras de sentido e, portanto, não produzem uma única cultura, e sim, culturas, várias formas de organizar o seu ser e estar no mundo.

A cultura no singular não passaria, na sua perspectiva, de “mistificação política”, pois nos muitos espaços sociais de convivência– escolas, instituições públicas, instituições religiosas, universidades, espaços de lazer– multiplicam-se paralelos e heterogêneos focos de construção e disseminação de sistemas de práticas e sentidos, ou seja, diversas culturas. No espaço público existe “uma pluralidade de culturas, de sistemas de referência e de significados heterogêneos entre si” e a cultura no singular expressa apenas a singularidade de um grupo 17

. A partir desses pressupostos podemos pensar na existência de diversos tipos de culturas circulando e interagindo de diversas formas: culturas políticas, culturas religiosas, culturas acadêmicas e até mesmo, como tencionamos investigar, culturas escolares.

15

DE CERTEAU, Michel. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1995.

16 Idem, p. 104. 17

(25)

24

1.2. Culturas escolares

Nos últimos 20 anos a expressão “cultura escolar” tem figurado em diversas áreas do campo educativo a História da Educação, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Políticas Públicas, Administração Escolar, Metodologias, Currículo. Apenas nos quatro primeiros Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE), realizados em 2000, 2002, 2004, 2006 cerca de trezentos e vinte três trabalhos foram apresentados nos eixos temáticos responsáveis por acolher a temática 18.

O crescente uso dessa conceituação também se reflete na realização de fóruns voltados para discussão específica, tais como o I e o II Seminário sobre Cultura Escolar realizados em Araraquara (2003) e Curitiba (2005), ambos responsáveis por trazer a luz dois livros nos quais o tema é abordado.

O I Seminário sobre Cultura Escolar, realizado em 2003, resultado de uma pareceria entre o Grupo de Estudos e Pesquisas Cultura e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, e o Departamento de Ciências da Educação, ambos da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, resultou no livro “Cultura Escolar em Debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa” 19

. Nesse livro foram destacados estudos sobre os materiais e ritos escolares, métodos de ensino, história e programas de disciplinas escolares, legislação, valores preponderantes, estratégias de articulação de ideias, elementos vistos como componentes de cultura produzida e disseminada na escola.

O II Seminário de Pesquisa sobre Cultura Escolar, realizado em 2005 na Universidade Federal do Paraná, dando continuidade ao ocorrido em 2003, manteve a intenção de debater a epistemologia desse conceito, divulgar ideias a respeito, criar possibilidade de circulação para as pesquisas em andamento e concluídas, e

18

VIDAL, Diana Gonçalves; SCHWARTZ, Cleonara Maria. Sobre cultura escolar e história da

educação: questões para debate. In: VIDAL, Diana Gonçalves; SCHWARTZ, Cleonara Maria.

História das Culturas Escolares no Brasil. Vitória: EDUFES, 2010, pg. 15.

19

SOUZA, Rosa Fátima de; VALDEMARIN, Vera Tereza (Org.). A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicas, e desafios para a pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

(26)

25 origem a uma publicação: “Culturas Escolares, saberes e práticas educativas: itinerários históricos” 20.

Neste trabalho se evidenciam as formas plurais adotadas, ao longo da primeira década do século XXI, nas pesquisas em História da Educação, assim como a formação de alguns eixos de abordagem do conceito, tais como a “leitura e a escrita escolar; a arquitetura e o espaço da escola; a cultura material escolar; os sujeitos da educação; a organização curricular e as ideias pedagógicas” 21

.

Ainda sobre culturas escolares foram organizados dois dossiês em periódicos de circulação nacional. O primeiro, no Cadernos Cedes, foi anunciada a proposta de “investigar e interpretar as práticas e os saberes escolares brasileiros do final do século XIX e início do XX” 22

. E no segundo, o Pro-posições 23, os estudos voltados para as legislações, reformas do ensino e história das filosofias da educação dão lugar ao estudo das práticas educativas 24.

Em 2010, “História da Educação: memória, arquivos e cultura escolar” foi tema do II Encontro Norte-Nordeste de História da Educação e o X Colóquio de História da Educação na Bahia. Por fim, a “História das Culturas Escolares” 25

foi tema de uma das dez publicações integrantes da coleção HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, fruto da parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo e a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), como celebração pelo seu décimo aniversário reunindo resultados de pesquisas sobre o tema.

Tamanha visibilidade deste conceito nas pesquisas em Educação e em especial nas de História da Educação costuma sugerir três possibilidades de justificativas: o fato de ter sido o conceito proferido em 1993 no prestigiado fórum International Standing Conference for History of Educition (ISCHE) realizado em

20

BENCOSTA, Marcus Levy (org.). Culturas escolares, saberes e práticas educativas: itinerários históricos. São Paulo: Cortez, 2007.

21 Idem, p. 10. 22

VALDEMARIN, Vera Tereza; SOUZA, Rosa Fátima de (Org.). Cultura escolar: história, práticas e representações. Dossiê. Cadernos Cedes, n. 52, 2000, p. 9.

23

MENEZES, Maria Cristina (Org.). Dossiê cultura escolar, cultura material: entre arquivos e museus.

Pró-posições, v. 16, n. 1, jan/abr. 2005. 24

Idem, p. 7.

25

VIDAL, Diana Gonçalves; SCHWARTZ, Cleonara Maria. Sobre cultura escolar e história da

educação: questões para debate. In: VIDAL, Diana Gonçalves; SCHWARTZ, Cleonara Maria.

(27)

26 Lisboa; ter sido ele difundido nos programas de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP); e o fato de ter Dominique Julia no artigo proferido no ISCHE “A cultura escolar como objeto histórico” situado a cultura escolar como um objeto de investigação da história. Este último foi publicado pela Revista Brasileira de História da Educação como artigo de abertura de seu primeiro número, em 2001, e é citado exaustivamente nos trabalhos historiográficos interessados em abordar o tema 26.

Nele, já nos primeiros parágrafos, Julia define como pensa a cultura escolar:

“(...) poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores” 27.

Dando seguimento a sua reflexão, criticou as perspectivas de Bourdieu e Passeron por considerá-los exagerados quando associam o ambiente escolar à reprodução social de um conjunto de situações. Uma perspectiva, em sua análise, demasiada idílica, pois deixava de lado as resistências, tensões e apoios encontrados pelos diferentes projetos de escola historicamente vivenciados pelas sociedades escolarizadas 28.

Sem desprezar a colaboração de tais autores para a história da educação, Julia convidou os pesquisadores a irem além da história das ideias pedagógicas, rumo a uma história das disciplinas escolares, percebidas como “núcleo duro” de uma história renovada da educação, capaz de abrir a “caixa preta” da escola, em

26

FARIA FILHO, Luciano Mendes de; GONÇALVES, Irlen Antônio; VIDAL, Diana Gonçalves; PAULILO, André Luiz. A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e Pesquisa, São Paulo, vol. 30, n. 1, p. 139-159, jan/abr. 2004.

27

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, nº. 1, jan./jun. 2001, p. 10.

28

(28)

27 torno da construção das disciplinas escolares, lócus de articulação do “espaço escolar”, dos “cursos graduados”, do “corpo profissional” da escola, cerne da cultura escolar 29.

Convocando os historiadores a lançarem outro olhar para a escola, também os convidou diversificarem suas fontes documentais utilizadas para escrever as histórias da escola. Seu argumento central sustentou haver, dentro do ambiente escolar, certa cultura própria dele e por ele forjada, cuja compreensão depende da criação de instrumentos específicos para apreensão das práticas escolares e dos seus agentes, sugerindo o estudo das normas e finalidades da escola; o papel desempenhado pela profissionalização do trabalho do educador; e a análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares como vias para conhecer a história da escola. Com essa discussão, o artigo de Dominique Julia se tornou seminal para as pesquisas interessadas na investigação das Culturas Escolares.

Em 1988 o linguista André Chervel, discutindo a construção das disciplinas escolares e suas reverberações nas sociedades escolarizadas, advogou para a ambiência escolar a capacidade de produzir uma cultura específica, singular e original.

Segundo Chervel, o sistema escolar é detentor de “poder criativo” derivado da convivência dinâmica entre os vários sujeitos escolares (alunos, professores, pais, autoridades responsáveis pela construção das regras escolares), através do qual “(...) ele forma não somente indivíduos, mas também uma cultura capaz de penetrar, moldar e modificar a cultura da sociedade global” 30. E a história das disciplinas escolares, construída a partir da literatura específica de cada época, a respeito das questões escolares – como relatórios de inspeção, projetos de reforma, artigos ou manuais didáticos, prefácios de manuais, polêmicas diversas, relatórios de parlamentares –, tem o potencial de expor como os sujeitos escolares em são capazes de desenvolver normas, saberes e praticas construindo dentro dos muros das escolas culturas originais.

29

Ibidem, p 12

30

CHERVEL, Andre. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Revista Histoire de l’éducation, nº 38, maio de 1988, p. 17.

(29)

28 Chervel defendeu a especificidade da cultura produzida na escola, criticando a percepção dos saberes escolares como inferiores ou meros derivativos de outros, produzidos nas esferas políticas ou econômicas das sociedades.

Os estudos de Julia e Chervel são convergentes quando destacam a capacidade criativa da escola em relação às estruturas sociais, a importância de se investigar o seu interior, as práticas vivenciadas intra-muros e como essas práticas atravessam esses muros. Ambos rejeitam a ideia da instituição escolar ser mera reprodutora de padrões culturais socialmente impostos, tendo enfatizado, porém objetos diferentes: o foco da reflexão de Julia foram as práticas escolares e de Chervel, as disciplinas escolares.

Jean Claude Forquin 31 também discutiu a relação existente entre a cultura e a escola, tendo se interessado nas maneiras pelas quais as disciplinas escolares foram construídas e montaram um currículo. Para ele a escola não funcionava como um meio de pura transmissão da cultura dos mais velhos, ou da sociedade geral, para os mais novos. Em suas reflexões emerge a ideia de uma cultura da escola, assemelhada a um tipo de “bricolagem" dos mais diversos elementos da cultura global da sociedade Na sua concepção a escola:

“(...) transmite, no máximo, algo da cultura, elementos de cultura, entre os quais não há forçosamente homogeneidade, que podem provir de fontes diversas, ser de épocas diferentes, obedecer a princípios de produção e lógicas de desenvolvimento heterogêneas e não recorrer aos mesmos procedimentos de legitimação” 32

.

Nas reflexões de Forquin, a escola emerge como o lugar da transmissão das normas sociais, valores culturais, significados e rituais próprios da cultura em geral. A cultura da escola seria composta pelo conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos selecionados, organizados, normalizados e tornados rotineiros por motivos didáticos.

Ampliando a definição deste conceito, António Viñao Frago é um dos autores mais citados nos atuais estudos sobre a temática. Em suas reflexões, a

31 FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do conhecimento

escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

32

(30)

29 compreensão da cultura escolar vai da sociologia das organizações escolares até a antropologia das práticas cotidiana, nas palavras dele: “(...) la cultura escolar es toda la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos ou conductas, modos de pensar, decir ou hacer” 33.

Em sua análise o conceito de culturas escolares se amplia para abarcar as diversas práticas nascidas no interior das escolas, a partir da convivência de alunos e professores, as normas e teorias pedagógicas organizadoras do tempo, espaço e linguagem escolar, até a forma como essas teorias e normas são ou não incorporadas à rotina do espaço escolar. Considera também as disciplinas, tempos e os espaços escolares, assim como as práticas que emergem como o resultado dos embates políticos entre professores, comunidades e grupos acadêmicos, através dos quais os saberes escolares são construídos.

Seguindo esta linha de pensamento, os saberes e práticas escolares são compreendidos como produções realizadas no interior da dialética sociedade-escola, levando em consideração tanto os aspectos relacionados à materialidade da experiência escolar, quanto os relacionados aos significados simbólicos que constroem e consolidam os detalhes objetivos e subjetivos direcionadores da vida escolar.

Dentro dessa concepção, o conceito de cultura escolar abarcaria desde a elaboração das filosofias e teorias pedagógicas, até utilização destas filosofias e pedagogias dentro das salas de aula, sob a forma de práticas de ensino e estratégias de aprendizagem, capazes de organizar os sujeitos escolares dentro das salas de aulas, corredores e outros espaços.

Sobre essa base epistemológica construída através de diálogos entre a Sociologia, Filosofia, Antropologia e História, estão sendo conduzidas pesquisas a respeito da escola, percebendo-a tanto como produto cultural quanto como produtora de cultura, levando pesquisadores a abandonarem a atitude de juízes em relação à escola, para empreenderem uma busca pela compreensão do funcionamento interno dessa instituição, a construção das práticas escolares e os diálogos entre sociedade e escola.

33

FRAGO, Antônio Viñao. História de La educacion y historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação. n. 0, pág. 63-82, Set./Dez. 1995, pg. 69.

(31)

30 Englobando um número cada vez maior de sujeitos na atualidade, o espaço escolar, embora nunca tenha sido um ambiente homogêneo, jamais foi tão heterogêneo. Ele torna-se um espaço permeado por inúmeros e frequentes conflitos e diálogos entre diferentes sujeitos; palco para o encontro entre a diversidade de culturas e para a sua homogeneização também. Nesse contexto o recurso à cultura escolar possibilita ampliar nossas possibilidades de visualização da ambiência escola. Permitem ligar o currículo escolar, os objetos materiais existentes na escola, os corpos de alunos e professores, a geografia da escola, os suportes utilizados nos processos de ensino e aprendizagem como componentes de uma única teia, a teias da cultura escolar.

No Brasil, em 1991, o termo cultura escolar fez parte da proposta do programa de pesquisa para USP feito por José Azanha 34 no qual, mesmo sem referir-se aos expoentes internacionais desse debate, percebeu a escola como instituição criadora de uma cultura especifica e autônoma, sugerindo aos pesquisadores a necessidade de concentrar esforços no mapeamento da sua cultura por meio da investigação dos seguintes itens: (1) a função cultural da escola em face à diversidade cultural da clientela; (2) relação entre saber teórico e saber escolar; (3) vida escolar, políticas e reformas educacionais 35.

Em 1992, no GT de História da Educação da ANPED, e em artigo publicado em 1994 na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Cynthia P. de Souza e Denise Catani propuseram a inclusão da imprensa pedagógica como fonte para a história da cultura escolar brasileira, iniciativa reafirmada dez anos depois no livro “Tópicas de história da educação”. Chamando atenção para o fato das revistas pedagógicas abarcarem de maneira farta temas pouco explorados pela história da educação, elas foram tratadas como possíveis fontes para o estudo da vida na escola e da cultura escolar. Nesse trabalho, durante o exercício de levantamento sistemático de fontes, a cultura escolar aparecia como pano de fundo das interpretações históricas sobre a escola 36.

34

AZANHA, José Mario Pires. Cultura Escolar Brasileira: um programa de pesquisa. Revista da UPS, n. 8, p. 65-69, dez./jan./fev. 1990-1991.

35

AZANHA, José Mario Pires, Op. Cit., 1991, p. 69.

36

HILSDORF, Maria Lucia S. O diário de São Paulo como fonte. In: VIDAL, Diana Gonçalves; SOUZA, Maria Cecília Cortez de. A memória e a sombra: a escola brasileira entre o Império e a República. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

(32)

31 Nesse quadro, Marta Carvalho apareceu como uma das matrizes do debate nacional. Além de debater a retórica azevediana, participou da coordenação do GT de História da Educação na ANPED durante o período no qual o debate se deslocou do campo da filosofia da educação para o da história, atuando na difusão dos referenciais de analise da história cultural, sendo responsável por entrelaçar a história cultural aos interesses de investigação acerca dos saberes pedagógicos 37.

Também situado entre as principais referências nesse campo de debate está Luciano Mendes de Faria Filho. Em “Dos pardieiros aos palácios” 38

, este autor dialogou com Viñao Frago, Chervel, Dominique Julia e Guy Vicente, interligando os conceitos de cultura escolar, escolarização e práticas escolares, discutindo as relações pedagógicas, espaços e tempos escolares ao falar sobre os grupos escolares em Belo Horizonte. Faria Filho faz emergir o conceito de escolarização “em par” com o de cultura escolar, colocando em destaque não apenas os saberes escolares, mas também as práticas e as relações da escola com a sociedade.

Para além da tese de doutoramento, Faria Filho, junto a Diana Vidal e outros, ao longo dos últimos dez anos têm se preocupado em abordar as diferentes definições de cultura escolar em circulação no meio acadêmico, chamando atenção para a história do conceito e forma como os acadêmicos vêm se apropriando dele, apontando ainda os alguns dos desafios a serem levados em conta em relação ao prosseguimento das investigações e ao aprofundamento teórico-metodológico das pesquisas.

Em 2004, Faria Filho junto a Diana Vidal, Irlem Antônio Gonçalves e André Luiz Paulilo compartilharam, através do artigo “A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação” 39

, uma síntese das investigações feitas por eles sobre a forma como o conceito vinha sendo utilizado enquanto categoria de analise e campo de investigação no cenário das pesquisas em História da Educação no Brasil.

37

VIDAL, Diana Gonçalves. Op. Cit. 2008, p. 49.

38

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios. Passo Fundo: EdUPE, 2000.

39 FARIA FILHO, Luciano Mendes de; GONÇALVES. Irlen Antônio; VIDAL, Diana Gonçalves;

PAULILO, André Luiz. A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 139 – 159, jan./abr. 2004

(33)

32 Faria Filho ainda esteve presente nas duas publicações originadas a partir do I e o II Seminários sobre Cultura Escolar. Na publicação originada do I Seminário, o livro “Cultura Escolar em Debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa” 40, junto a Irlem Gonçalves, debateram a história das culturas e

práticas escolares, dando destaque às perspectivas e desafios teórico-metodológicos a serem enfrentados pelos pesquisadores. Naquele momento levavam em conta as novas possibilidades investigativas inauguradas por esse instrumento teórico chamavam atenção para a impossibilidade de acessar as práticas escolares vivenciadas na escola em tempos passados e alertavam para o fato de podermos alcançar, por meio da pesquisa, apenas culturas escolares prescritas.

Na publicação no II Seminário sobre Cultura Escolar, se ocuparam de debater a relação entre escolarização e cultura escolar, levantando a possibilidade de compreender o conceito a partir de três sentidos: (1) a consolidação de processos e políticas ligadas à organização de uma rede, ou redes, de instituições responsáveis pelo ensino elementar da leitura, da escrita, do cálculo e, no mais das vezes, da moral e da religião; (2) a produção de representações sociais cuja escola é o local de articulação e divulgação de seus sentidos e significados; (3) o ato ou efeito de tornar escolar, de submeter pessoas, conhecimentos, sensibilidades, tempos e valores aos imperativos escolares 41.

A cultura escolar seria uma das muitas facetas do processo de escolarização, uma categoria cujo uso permite ao pesquisador articular, descrever e analisar os componentes do fenômeno educativo, uma forma de articular os conhecimentos, as sensibilidades e valores a serem transmitidos pela escola e seus métodos. Faria Filho apontou o início do século XIX como momento de gestação das características das culturas escolares e a segunda metade– a partir dos espaços dos grupos escolares e dos tempos dos cursos seriados– como o período no qual foi construído todo um aparato de instituições em torno da escola e um mercado de trabalho

40

GONÇALVES, Irlen Antônio, FARIA FILHO, Luciano Mendes de. História das Culturas e das práticas escolares: perspectivas e desafios teórico-metodológicos. In: SOUZA, Rosa Fatima & VALDEMARIM, Vera Teresa (orgs.). A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodologias e desafios para a pesquisa. Campinas/SP: Autores Associados, 2005.

41

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Escolarização e cultura escolar no Brasil: reflexões em

torno de alguns pressupostos e desafios. In: BENCOSTTA, Marcus Levy (org). Culturas escolares,

(34)

33 ocupado por sujeitos de diversas origens étnico-sociais, responsáveis por fazer as engrenagens das instituições escolares funcionarem 42.

Dentro desse campo de produção também se destaca a historiadora Diana Gonçalves Vidal, cujas reflexões, construídas individualmente e ao lado de outros pesquisadores, parecem culminar ou serem parte do esforço empreendido pela autora durante a construção do texto de sua tese de pós-doutorado, publicada em 2005, sob o título “Culturas Escolares: estudo sobre as práticas de leitura e escrita na escola pública primária (Brasil e na França, final do século XIX)”. Neste trabalho construiu um panorama a respeito do conceito, sua história, usos, matizes teóricas do debate nacional e internacional e reafirmou a relevância do uso do conceito para a construção de uma história das práticas escolares no Brasil. Partindo das reflexões de Dominique Julia sobre cultura escolar, ampliadas pela proposta de Viñao Frago– versando sobre a corporeidade dos sujeitos, tempos e espaços escolares–, assim como das reflexões propostas por Anne-Marie Chartier, Michel de Certeau e Chartier, Vidal tomou a escola pública primária como objeto de investigação buscando analisar as práticas escolares enquanto práticas culturais.

Compreendendo a história comparada como recurso válido para a compreensão das culturas e práticas escolares nas épocas modernas e contemporâneas, sua fonte principal num estudo sobre a leitura e escrita na escola pública brasileira e francesa em fins do século XIX, foi um livro infantil adotado pelas escolas públicas de São Paulo em fins do século XIX, o livro “Contos Infantis”, escrito por Julia Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira, cujo conteúdo sofreu influência de outro livro adotado pela escola pública francesa, o “La comédie enfantine”, de Louis Ratisbonne43

.

A autora descreveu os conteúdos de ambos os livros levando em conta a lição de Chartier, atentando para os aspectos de produção da obra, sua circulação em sociedade e os diferentes modos de apropriação de seu conteúdo. Propôs uma abordagem entendendo tal livro como objeto cultural, passível de iluminar aspectos da cultura escolar primária no Brasil. Para tanto, adotou como estratégia a análise da estrutura da obra e de alguns dos seus contos e poesias, a partir dos quais

42 Idem, p. 200. 43

(35)

34 analisou algumas das características da cultura escolar no Brasil e da França em fins do século XIX.

Tanto para a escola brasileira como para a francesa, o fim do século XIX foi marcado pelo de uma série de novos suportes pedagógicos para auxiliar os professores primários em sua função de ensinar a escrever, ler e contar. A mesa de areia, ardósia, lápis de pedra, pena metálica, lápis grafite, papel e o caderno, são algumas das tecnologias apropriadas no espaço escolar para o ensino da leitura e da escrita da língua nacional.

Para Vidal, a principal característica da cultura escolar gestada em fins do século XIX foi colocar o ensino do falar e escrever a língua nacional como prioridades e principal tarefa da escolarização. Ainda segundo a autora, no Brasil podemos identificar três efeitos dessa cultura escolar, a saber: 1) a aceitação da norma culta partilhada pela elite como padrão linguístico; 2) a valorização da fala aprendida na escola como correta em detrimento da aprendida oralmente, tida como incorreta; 3) a propagação dos métodos fonéticos de alfabetização em detrimento dos analíticos, e posterior junção dos dois no método analítico-sintético44.

Dentro do espaço deste debate desenvolvemos nossa pesquisa, entendendo as culturas escolares resultantes do processo de escolarização. A partir da leitura dos trabalhos de Diana Vidal, tentaremos articular a proposição de Dominique Julia – considerando a “cultura escolar” como o conjunto de normas, saberes e práticas vivenciadas na escola– à proposição de Viñao Frago– percebendo a existência de culturas escolares (no plural), incluindo os corpos, sujeitos, saberes, temporalidades, espaços geográficos, maneiras de ser e estar na escola.

Além das “Publicações a pedido” feitas no Diário de Pernambuco a respeito dos Institutos e Colégios particulares por parte de sues diretores e diretoras, não raro era possível encontrar, a coluna “Instrução Pública” 45, na qual eram publicados

artigos abordando os livros didáticos a serem adotados nas escolas públicas, métodos de ensino, discursos proferidos por professores em diversas situações.

44 Ibidem, p. 119-163.

45 Não sabemos quando a coluna “Instrução Publica” foi criada ou quem eram os seus editores, no

entanto, durante todo o período pesquisado, ela esteve presente, ainda que de forma inconstante, no

(36)

35 Acredito na possibilidade de conhecer certas características das culturas escolares vivenciadas pelos professores e professoras particulares, em fins do século XIX, a partir da leitura das publicações feitas no Diário de Pernambuco pelos professores e professoras particulares existentes na cidade naquele momento.

1.3. Fontes para o estudo das culturas escolares e as fontes desta pesquisa

Segundo Dominique Julia as fontes mais adequadas a serem elencadas para a construção de uma história das práticas vivenciadas na “internalidade da escola” seriam os exercícios escolares feitos pelos alunos. No entanto, estes não costumam ser guardados nem por alunos e professores e nem nas escolas, por diversas razões. Para acessar as práticas escolares vivenciadas no passado o historiador se vê, portanto, obrigado a lançar mão de criatividade e executar a tarefa de “fazer flechas com qualquer madeira” 46

.

As pesquisas direcionadas à investigação das culturas escolares, na intenção de perceber como se constroem as práticas escolares, o currículo, o conhecimento escolar, o funcionamento do dia-a-dia da escola, têm levado os historiadores a perceberem os materiais escolares como possíveis fontes documentais.

Livros e textos didáticos, cartilhas de alfabetização, a arquitetura escolar, o quadro-negro, os cadernos, trabalhos escolares, cartazes, objetos de escrita, a caneta, o giz, lápis de cera, canetas coloridas, cadeiras e mesas, a disposição desses objetos pela sala, se tornam fontes quando passam a ser vistos como objetos capazes, em sua materialidade, de permitir a construção do conhecimento a respeito das vivências escolares no tempo.

O espaço escolar, como espaço qualificado para aprendizagem, também desponta como possível fonte para a compreensão das práticas construídas no interior da escola, pois assim como “o templo designa um território litúrgico que provoca um comportamento especificado, a escola delimita um espaço que requer

46

(37)

36 igualmente determinados comportamentos e atitudes geradoras de sentido”, capazes de influenciar como os sujeitos escolares se comportarão fora dela47.

Além da arquitetura material do espaço escolar, figura como possibilidade de fonte a arquitetura pedagógica construída a partir de objetivos utilizados para viabilizar o ensino. Os programas e avaliações de aprendizagem também são elementos possíveis de serem usados para obter conhecimento acerca dos caminhos pelos quais a escola foi sendo construída pelos sujeitos escolares.

Os livros e textos didáticos podem ser elencados como fontes privilegiadas, pois, além dos conteúdos ligados ao conhecimento disciplinar, testemunham os valores morais, éticos, sociais, cívicos, patrióticos das sociedades responsáveis por sua produção. A cartilha da alfabetização, por exemplo, tal como nos disse Mortatti48, remete a um “pacto secular” entre sociedade e escola, desde a última década do século XIX. Ela é tanto produto como produtora de experiências escolares e foi consolidada pelos sujeitos escolares como um instrumento de concretização de determinados métodos de ensino e concepções de alfabetização, leitura, escrita e texto pedagógico adequado a quem se pretende alfabetizar.

Em síntese, todos os objetos individuais e coletivos ocupantes dos espaços escolares, necessários ao funcionamento da escola, construídos para servir de suporte aos processos de ensino e aprendizagem, carregam marcas dos objetivos para os quais foram criados. Todos, ao serem analisados, podem contar uma história sobre sua fabricação e possibilidades de uso no espaço pedagógico sendo, portanto, possíveis fontes para o estudo das culturas escolares, assim como fotografias, autobiografias, depoimentos colhidos através de entrevistas podem figurar entre as fontes utilizadas nas pesquisas feitas nos últimos 20 anos.

No entanto, apesar desta multiplicidade de fontes potencialmente utilizáveis nas pesquisas a respeito da história das culturas escolares no Brasil, o trabalho do historiador em relação aos processos e práticas de escolarização vivenciadas

47

FERNANDES, Rogério. Cultura escolar: entre as coisas e as memórias. In: MENEZES, Maria Cristina (Org.). Dossiê cultura escolar, cultura material: entre arquivos e museus. Pró-posições, v. 16, n. 1, p. 46, jan/abr. 2005, p. 20.

48

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secular.

In: SOUZA, Rosa Fátima de; VALDEMARIN, Vera Tereza (Org.). A cultura escolar em debate:

questões conceituais, metodológicas, e desafios para a pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

(38)

37 durante o século XIX, na então Província de Pernambuco, se configura como uma tarefa difícil 49.

De acordo com Silva, quase não há nos acervos acessíveis atualmente, em Pernambuco, “registros de aulas, de cadernos, livros com marcas, bilhetes, cartas, diários, fotografias e outros tipos de fontes pertencentes ou produzidas por professores, alunos ou familiares de alunos da província” 50

. E mesmo os registros governamentais foram pouco preservados nessa parte do Império. Sobraram, os Anais da Câmara, a Coleção das Leis Provinciais, os Códices da Instrução Pública e das Câmaras Municipais, registros voltados para assuntos gerais, guardados em razão dos interesses do Estado ou dos funcionários encarregados de arquivá-los (e não dos agentes escolares), dentro dos quais se incluem grande quantidade de registros sobre situações denunciadas, regulamentadas ou punidas por agentes do governo provincial e relacionados, em sua maioria, às práticas de escolarização públicas.

Também Adriana Silva vem destacando em seus trabalhos 51 os anúncios publicados pelos professores nos periódicos comerciais, em circulação na cidade do Recife durante o século XIX, como possíveis fontes para acessar algum conhecimento a respeito do trabalho exercido pelos professores particulares na cidade do Recife. Usados prioritariamente para a oferta dos mais diversos tipos de serviços domésticos, de empregados do comércio e por professores, os anúncios são registros derivados da intenção dos sujeitos aos quais se referem, veiculando por isso, no mínimo, a melhor imagem possível dos anunciantes, segundo a opinião dos próprios.

As páginas do jornal foram palco para as mais diversas discussões, entre as quais estiveram os assuntos referentes à educação pública e particular. Professores e professoras lançaram mão dos jornais para fazer circular entre a sociedade suas demandas– no caso dos públicos– ou divulgar seus serviços– no caso dos

49 SILVA, Adriana M. P. Op. Cit, 2007, p. 186. 50

ANANIAS, Mauricéia; SILVA, Adriana M. P. Educação e instrução nas províncias da Paraíba e Pernambuco. In: GONDRA, José Gonçalves; SCHNEIDER, Omar (Org.). Educação e Instrução nas

Províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889). Vitória: EDUFES, 2011, p. 129. 51

SILVA, A. M. P.. Práticas docentes em Recife-Olinda, 1851-1890. In: Congresso Brasileiro de História da Educação, 6, 2011. Anais... Vitória: UFES, 2011. p.111-150; SILVA, Adriana M. P. O uso

historiográfico dos anúncios de docentes no jornal “Diário de Pernambuco”, Recife – Século XIX.

Referências

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