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I. º CAPÍTULO:

2. A prosopografia dos diplomatas portugueses no reinado de D João I

2.2. Formação e condição sócio-económica

No que diz re speito à carreira académica dos embaixad ores de D. João I, re gistamos a formação nas áreas do Direito Civil e Direito Canónico para deza sseis emissários.

Com estudos no reino, surge um bacharel em Teologia e Mestre nas Escola s Ge rais389, e um escola r em Direito Canónico390 no Estudo Gera l em

Coimbra. Tendo passado pela Un iversidade de Bolon ha, nomeiam -se: três Doutores em Leis391, um bacharel392, um licen ciado393, um Doutor em Direito

Canónico394 e três Do utores em Direito Civil395.

Para cinco deste indivíduos não consegu imos identifica r o lo cal d a sua formação académica, sendo um licenciado em Direito Civil396, um bacharel em

389 João Xira (biografia 3 0).

390 Lourenço Anes Fogaça (biografia 33).

391 Diogo Martins, Fernando Afonso da Silv eira e Gil do Sem (biografias 9, 10 e 16,

respetivamente ).

392 João Afonso de Azambuja (biografia 22). 393 Rui Lourenço (biografia 49).

394 Fernando Go nçalves Beleágua (biografia 13).

395 Gil Martins, João das Regras e Lançarote Esteves (biografias 17, 25 e 31,

respetivamente).

Direito Canónico397, dois Douto res em Leis398 e um Doutor em ambos ao

Direito s399.

No cômputo ge ral podemos agrupa r a ca rre ira un ive rsitária na tabela 5. Verifica -se a p red ominância de Dou tores em Leis. Além do exercício de cargos e funções na área política, alguns destes indivíduos desen vo lvem ainda atividade docente tanto no reino400, como fora dele401.

Tabela 5

Formação académica dos embaixadores de D. João I

397 Gonçalo Gonçalves (biografia 20).

398 Martim do Sem e Rui Fernandes (biografias 38 e 47). 399 Vasco Peres (biografia 52).

400Gil do Sem surge com o professor de Leis no Estudo Português (biografia 16) e Rui

Fernandes como professor de Direito (bio grafia 47).

401 Fernando Gonçalves Beleágua ocupa o cargo de Reitor do S. Clemente em Bolonha

(biografia 13); Fernão Gonçalves exerce atividade como professor na Universidade de Orleães (biografia 15).

Verificamos que est es emissá rio s desempenham funções que aliam a particula ridadade da sua qualifica ção académica à especificidade do assu nto da missão para qu e foram nomeados.

Deste modo, podemos dizer que as funções de carácter protoco lar e público se re vela m na representa ção diplomática co ncilia r em Pisa (140 - 1410), onde temos a presen ça de cin co Douto res402, e em Constança (1414 e

1416) com a participação de três403. É também um destes emissá rio s qu e

procura obte r junto do papa a dispensa de votos para o casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre, em 138 8 e 1390404

As alianças matrimoniais e xp ressam -se nas ne go ciaçõ es dos contratos de casamento co m os filhos de D. João I. Assim, h á a rep resentação por procura ção para a concretização dos casamentos de D. Beatriz com o con de de Arundel405, do infante D. Dua rte co m D. Leonor de Aragão406, e da infanta

D. Isabe l com o duque de Bo rgon ha407. Saliente -se a particula ridade d a

deslocação de Ma rtim do Sem a Inglaterra, em 1405: além do objetivo da negociação matrim onial p rocu ra a inda jun to de Henrique IV ga rantir a in clusão da Inglaterra nas tréguas com Caste la .

As funções de arb itra gem re ve lam -se na importân cia co nferida a estes emissários na forma como estabelecem as condiçõe s de suspensão das hostilidade entre Portu gal e Ca stela nas sucessivas tré guas assinadas en tre

402 Diogo Martins, Gon çalo Gonçalves, João Afonso de Azambuja, João Xira e

Lançarote Esteves (bio grafias 9, 20, 22, 30 e 31 respetivamente ).

403 Gil Martins, João Afonso de Azambuja e Vasco Peres (biografias 17, 22 e 52

respetivamente ).

404 João Afonso de Azambuja (biografia 22). 405 Martim do Sem (biografia 38)

406 Rui Fernandes (biografia 47)

1389 e 1402408. Decorrente deste contexto su rgem os mandatários que

acabam por estabelecer as cláusu las nos Tratados de paz em 1411409, com a

sua ratifica ção em 1423410, e em 1431411 com a assinatura da paz perpétua

entre os do is reino s.

Registamos ainda a função de mediador de Rui Fernan des, pocurado r plenipotenciário d e D. João I e d os infantes D. Duarte, D. Ped ro e D. Henrique, na interven ção em 1432 junto do rei de Castela no conte xto da contenda deste monarca com os infantes de Ara gão D. Henrique e D. Ped ro412.

Em síntese, o s e mbaixado res deten tores de uma formação académica superio r ocupam na política e xte rn a um lugar de charneira, pois estão tran ve rsalmente presentes na discussão dos interesse s mais prementes da go ve rnação joanina .

Procu rámos igualmente reunir a lgumas informações a respeito do estatuto social413 deste “corpo diplomático”.

408 Destacamos neste processo João Afonso de Azambuja (biografia 22) e Martim do

Sem (biografia 38); participaram também Fernando Afonso da Silveira, Jo ão das Regras e Lourenço Anes Fogaça (biografias 10, 25 e 33 respetivamente ).

409 Fernando Gonçalves Beleágua, Gil Martins e Martim do Sem (bio grafias 13, 17 e 38

respetivamente)

410 Fernando Afonso da Silveira e Martim do Sem (biografias 10 e 38) 411 Gil Martins e Rui Fernandes (bio grafias 17 e 47)

412 Vide biografia 47.

413 Seguimos a análise apresentada por Carv alho HOMEM relativamente às origens

sociais do oficialato régio. Assim os clérigo s “que encontramos na Corte de D. João I nos anos 80 e 90 apresentam carre iras minimamente duradouras”; os letrados são aqueles que detêm “uma habilitação mínima, uma familiaridade com assuntos jurídicos susceptíveis de público reconhecimento, como seja o facto de aparecer na docum entação que tais oficiais apresenta como redatores; os nobres são sobretudo os de linhagem recente, cf. Armando Luís de Carvalho HOM EM, O Desembargo Régio (1320 -1433), op. cit., pp. 178, 181 e 185.

Tabela 6

Estatuto dos embaixadores de D. João I

Assim,de a cordo com os dados da tabela 5, re gistam -se tre ze clé rigo s maoritariamente pe rtencentes ao cle ro secu lar , do is elementos das Orde ns Milita res414, e do se cular e re gu lar415; se is letrado s416, que e xe rcem funções

burocrá tica s relacionadas com a su a formação académica ; vinte e no ve representan tes da nobre za .

414 Álvaro Gonçalves Camelo prior da Ordem do Hospital (biografia 3) e Fernando

Afonso de Albuquerque Mestre da Ordem de Santiago (biografia 1 1).

415 João Xira, franciscano (biografia 30), e Sebastião Meneses, trinitário, (biografia

50).

416 Referimo -nos a Fernando Gonçalves Beleágua, Fernão Gonçalves, Gil Martins, João

das Regras, Martim do Sem e Rui Fernandes (bio grafias 13, 15, 17, 25, 38 e 47, respetivamente ).

Analisemos, de se guida, os dado s que foi possíve l re colher sob re a condição sócio -e conómica dos dip lomatas que actua ram no re inado de D. João I.

Verifica -se, ante s de mais, que 15 d os embaixadore s são moradores da casa de D. João I, o que correspond e a 29% da população estudada. Ne ste universo de indivíduos ve rificamos a existência de elementos das suas famílias como moradores da Casa d e D. João I417 e da Casa de D. Filipa de

Lencastre418.

Gráfico 1

Emissários que foram Moradores da Casa D. João I

417 Referimo -nos a João de Castro, irmão de Fernando de Castro (biografia 12); a

Vasco de Ataíde, irmão de Álvaro Gonçalves de Ataíde (biografia 6 ); a João Fogaça, filho de Lourenço Anes Fogaça, (bio grafia 33 ); a Gonçalo Vasques de Melo, irmão, e Estêvão Vasques, primo de Martim Afonso de Melo (biografia 36).

418 Registamos D. Catarina de Ataíde e D. Filipa de Ataíde, irmãs de Álvaro Gonçalv es

de Ataíde, (biografia 6); Leonor Pereira mulher de Gil Martins (biogr afia 17); D. Joana de Albuquerque, filha de Fernando Afonso de Albuquerque (biografia 11).

Os demais elementos rela tivo s aos em issá rio s dip lomáticos mostram -no s uma dive rsidade de situações quanto aos seus rendime ntos, incluindo os que resultaram de mercês e privilé gios régios.

Em primeiro lu ga r, num tota l de 53 rep resentantes , re gista -se a existên cia de qu atro detento res d e morgad ios . Esta forma de vín culo linha gístico e fundiário remonta, para um deles, aos ascendentes paternos419 e

os restantes são autorizados por ca rtas outorgadas pelo rei D. João I e D. Duarte420.

Por outro lado, nu ma prática de con cessão de mercês quando oco rrem conf litos interno s o u e xterno s, os re is D. Fernando, D. João I e D. Afonso V, procedem ao confisco de bens dos seus oposito res e à posterio r doação dos mesmos a quem lhes p restou serviços. Nesta s circunstância s, on ze d os representan tes dip lomáticos são a gracia dos com bens pro venien tes desta prática e que identificados no quad ro 4. Além disso, D. João I também doou bens e direitos a treze embaixado res como forma de recompensa por serviços prestados.

419 João Afonso de Brito é o 5.º senhor do morgadio de Santo Estevão de Beja

(biografia 23).

420 Falamos de João Esteves de Azambuja e de Martim do Sem (biografias 22 e 38);

Fernando de Castro vê instituído o morgadio de Boquilobo por carta do rei D. Duarte (biografia 12).

Quadro nº 4

Doações régias aos emissários

Representantes diplomáticos

Doação bens

confiscados Doação de bens e direitos

1. Afonso Furtado X X

3. Álvaro Gonçalves Camelo X

6. Álvaro Gonçalves de Ataíde X X

11. Fernando Afonso de

Albuquerque X X

14. Fernão Fogaça X

16. Gil do Sem X X

19. Gonçalo Gomes da Silva X X

26. João Gomes da Silva X X

27. João Rodrigues de Sá X421 X

33. Lourenço Anes Fogaça X

39. Nuno Álvares Pereira X X

40. Nuno Martins da Silveira X X

48. Rui Galvão X

51. Vasco Martins de Melo422 X X

Os reis D. João I, D. Duarte e D. A fonso V concederam outros benefícios a estes indivíduos, sobretudos rend as, com o a as das judia ria s de Castelo Branco, Atou guia , Castelo de Coimbra, Campo da Valada e julgad o de Penelas a Álvaro Gonçalves de Ata íde423; da barca do porto de Mu ge a Gil

do Sem424; dos vare jos de Lisboa e a concessão da encomenda dos mouros

de Évo ra a Nuno Martins da Silveira425; a dízima da correição de Vagos e os

421 Mais do que uma doação. 422 IDEM.

423 Vide biografia 6. 424 Vide biografia 16. 425 Vide biografia 45.

dire itos que entram pela fo z de Bua rcos a Joã o Gomes da Silva426; as renda s

das jud iarias do re ino, as rendas e d ireitos d a alca idaria de Lisboa e a doação das rendas dos ta beliados de Lisbo a a Loure nço An es Fogaça427; a ren da

anual dos judeus d e Beja e das renda s de pão e vinho, com re lego , relativas às terras re guen gueiras a Vasco Martins de Melo428.

Verifica -se ainda a autorização ré gia para a compra de terra s a Álvaro Gonçalves da Ma ia , e a João Afonso de Azam buja429, este último com o

objectivo de construir uma capela. Além disso, situ ação in versa também ocorre quando o rei D. Duarte compra a Martim do Se m430 os bens que este

doutor possu i em Montemor -o -No vo, no Azinhal e em se us termos.

Conside ramos igu almente importante a situação de fomento das atividades económicas do sector p rim ário e te rciá rio, atravé s de autoriza çã o ré gia. Assim, Álva ro Gonçalves Ca melo obtém permissão par a a criaçã o de ca valos na ilha da Testada em Aveiro431; a Álva ro Gonç alves da Maia432 é

concedida a e xtr ação de sal em Cam inha, a pesca num a ilha do Douro e a constru ção de moinhos de maré em Aldeia Gale ga; J oão Gomes da Silva433

recebe uma carta de feira franca para o luga r de Unhão; Pedro de Noronh a434

possui uma nau pa ra o comércio de cereais na Sicília.

426 Vide biografia 26. 427 Vide biografia 33. 428 Vide biografia 51.

429 Vide as biografias 4 e 22, respetivamente. 430 Vide biografia 38.

431 Vide biografia 3. 432 Vide biografia 4. 433 Vide biografia 26. 434 Vide biografia 41.

No conte xto so cio económico obse rvamos a concessã o de privilé gios reais pa ra o povo amento de lugare s pertencentes a quatro embaixado res. Deste modo, Ál varo Gonç alves de Ataíde , como alcaid e de Monforte de Rio Livre , tem autoriza ção de D. João I para ali receber cinquenta homiziado s; João Gomes da Silva obtém duas carta s de p rivilé gio, uma para trinta la vrado res da quinta de S. Silvestre e outra para quin ze na qu i nta de Lanhelas; Martim Afonso de Melo recebe uma carta de mercê pa ra vin te povoado res na qu inta de Água de Peixes; uma carta de protecção para os caseiros e la vrado res na herdade do termo de Alenque r e uma carta de couto do rei D. Dua rte p ara uma azenha n o termo de Évo ra sã o concedidas a Nuno Martins da Silveira435.

Outra forma de obter rique za re gista -se pela p rática do corso, como o apresamento de u ma carra ca efectuado por Luís Gonça lves Malafaia436.

Por outro lado, ta mbém verificamos que Lourenç o Anes Fo gaça surge na condição de p ro prietá rio de vá rias casa s em Lisboa e Ferna ndo de Castro deixa transpa rece r uma saudá vel rique za finance ira pe lo empréstimo monetário ao aba de de Alcobaça e pela sua cond ição de fiador a um escudeiro da casa do infante D. Hen ri que437.

Quanto aos p rivilé gios no âmb ito jurisdicional , é con cedida a correição e jurisd ição cível e crime das te rras da Ordem de Santia go a Ferna ndo Afonso de Albuque rque , da vila de Odemira a Lourenço An es Fog aça e depois a Fernão Fogaça , e da vila e termo de Aldeia Gale ga a Vasco Martins de Melo. Nuno Álva res Pereira438 também usufrui deste p rivilé gio pa ra Vila

Viçosa, Borba, Estremo z, Évora Mo nte, Porte l, Monte mor -o-No vo, Alma da, Vila no va de Anços, Paiva, Tendães e Lousada. Qua nto à ju risdição cíve l

435 Vide biografias 26 e40. 436 Vide biografia 35. 437 Vide 33 e 12. 438 Vide biografia 39.

Ál varo Gonçalves de Ataíde e xe rce -a na vila de Ce rna che; João Gomes da Silva em Cantanh ede; João Afonso de Azambuja na vila de Ave iras; J oão Gomes da Silva n a terra de Me ined o; Nuno Ál vares Pereira no castelo de Montale gre, na vila de Chave s, em Alter do Chão, V ila Formosa, Chance laria, Assumar; Nuno Ma rtins da Silveira439 na vila de Terena.

Ainda no foro jurídico, en quanto p rivilé gios , de stacam os a carta de D. Duarte para Nuno Martins da Silveira de autorização de porte de armas aos moradores estran geiros da vila de La va r, e a isenção d e aposentadoria p ara João Gomes da Silva nas terras de T entúgal.

Re vela -se igualme nte importante o registo para a construção de lo cais de culto ou associados a o rdens religiosas. Neste sentido, Joã o Afons o de Azambuja440 funda o mostei ro S. Salvad or de freiras dominicanas, em Lisboa .

Além disso, em Ro ma, pro viden cia a fundação de um mosteiro da o rdem de S. Jerónimo. J oão Gomes da Silva441 institu i uma capela na qu inta de S.

Silve stre e funda o convento de S. Marcos na vila de Tentúgal. Po r seu lado, João Rodrigues de Sá442 obtém do papa autoriza ção para a fundação de uma

capela numa igreja dos franciscanos o u dominicanos.

Ainda que não seja viá vel quantificar estes dados, os elementos apresentados te ste munham a elevada condição social d estes ind ivíduo s e o favor ré gio de que beneficia vam.

439 Vide respetivamente as bio grafias 6, 22, 26 ,39 e 40, respetivamente . 440 Vide biografia 22.

441 Vide biografia 26. 442 Vide biografia 27.