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I. º CAPÍTULO:

1. Os embaixadores régios na Idade Média

Ao lon go do te xto, utilizámos, de forma in discriminada, a designação de emissário ou de e mbaixado r pa ra no s referirmos aos h omens que assumiram, em nome de D. João I, a rep resentaçã o exte rna, du rante o seu re inado. Trata - se de uma opção que é por alguns histo riado res considerada uma liberd ade de lin gua gem não aceitá ve l339. Com efeito, como é por demais conhecido, não

existiam embaixad as permanentes ap esar de, desde o século XIV, se re gistar esta ocorrência, pa rticula rmente em Veneza340.

Nestas condições, a conceção ge ralm ente aceite pela h istorio grafia é a de que, durante a Idade Média, a incumbência de tratar dive rso s assuntos de política e xterna de cariz político, militar, re ligioso e mesmo económico recaía

339 Cf. Miguel Ángel LADERO QUESAD A, “Guerra y paz: teoria y prática en Europa

Occidental. 1280 -1480”, op. cit., p. 61.

340 Cf. Alfred REUMONT, Della diplomazia italiana dal secolo XIII al XVI , op. cit., p. 68;

Bernard Guenée, O Ocidente nos Séculos XIV e XV , op.cit., 180. Veja-se também Donald E. QUELLER que aponta a situação de embaixadores residentes associados a motivos de intensidade diplomática, o que justifica a sua permanência prolongada: refere, co mo exemplos, o envio, em 1316, pelo Senado de Veneza, de quatro embaixadores à Cúria romana e permitir a permanência de um deles; e o do embaixador enviado a Francesco Sforza, q ue ficou no ducado de M ilão por tempo indeterminado sendo as informações entre as partes transmitidas por um secretário veneziano expressamente nomeado para o efeito, cf. The Office of Ambassador in the Middle Ages , op. cit. , 1967, pp. 83 e 88; Abraham van WICQUEFORT (1598 -1682) procura estabelecer a ligação do cargo ao direito público, dado que até à data da publicação da sua obra não regista um estudo no âmbito da História Política sobre embaixadores, pois considera -o um m inistro essencial para o Estado, e o direito de embaixada representa a forma mais ilustre de so berania, cf.

L’ambassadeur et ses fonctions , Coló nia, P ierre Marteau, 1715, Vol. I, p.1 ; cf. Stéphane

PÉQUIGNOT “Les diplomaties occidentales, XIIIe – XVe siècles” in Les relations diplomatiques au Moyen Âge, op. cit., pp. 4 7-66.

sobre “embaixadores ad hoc”341, nomeados pelo re i para uma missão

temporalmente balizada. E a gra nde transformação ocorreria na Épo ca Moderna, com a instituiçã o da s embaixada s permanentes. A tualmente conside ra-se que a análise da atividade d iplomática medieva l de ve ser enquadrada na lon ga du ração, po is a s pesquisas recentes apontam cada vez mais para um evanescimento da “dicotomia clássica entre a diplomacia da Idade Média e a da Idade Moderna”

Assim o refere PEQUIGNOT:

“Les recherches déjà effectuées fragilisent donc la dichotomie classique entre la diplomatie du Moyen Age et celle de l’époque moderne. Par le déploiement de multiples échelles d’analyse, elles font progressivement apparaître en ce domaine d’autres altérites médié vales, un pratique ambivalente po ur des protagonistes qui n’accordent pas tous la même valeur à l’échange. Elles indiquent aussi la persistance de certains usages dans un trè s longue durée” 342.

341 Cf. Bernard GUENÉE, O Ocidente nos Séculos XIV e XV , op.cit., p. 179; Armando Luís

de Carvalho HOMEM em “Diplomacia e diplomatas nos finais da Idade Média a propósito de Lourenço Anes Fogaça, chanceler -mor (1374-1399) e negociador do Tratado de Windsor”, Actas do Colóquio Comemorativo do VI Centenário do Tratado de Windsor , Porto, Faculdade de Letras do Porto, 1988, p. 223. Dispo nível em http://ler.letras .up.pt/uploads/ficheiros/54 22.pdf .

342 Cf. Stéphane PÉQUIGNOT “Les diplomaties occidentales, XIIIe – XVe siècles”, o p. cit., p. 65.

Quanto à expressão embaixadas “ad hoc”, Isabel BECEIRO PITA, nos seus estudos sob re as re lações e ntre Portu ga l e Castela343 discorda d a

utilização da te rminologia, enfatizand o o perfeito conhecimento por parte dos emissários da conjuntura a debater o u a negociar344.

Com efeito, ao estudar as re laçõe s estabelecidas entre Caste la e Portu gal em 1399, mas tendo em co nta o inte rva lo tem poral que se p rolo nga entre 1380 e 141 0, a auto ra consid ero u que a s ne go ciações desen rola das entre os rep resen tantes dos dois reinos se en quadram numa tendência crescente de especializa ção345. Ou seja, o mesmo indivíduo assume uma

incumbência por um período temporal de sete a de z anos, sendo depois substitu ído po r o utro ou outro s, e xistindo assim uma certa estab ilidade d os quadro s humanos destacados pa ra as missões. Ain da segundo a autora, constata-se a existência de um elemento que desempenha a tarefa de faze r de elo de ligação e ntre a antiga e a n ova de le gação.

Isabel BECEIRO p ropõe uma tipolo gia dos vários contactos e xte rio res estabelecidos entre os re inos, d e acordo com as cate gorias que esquematizámos n o segu inte quadro:

343 Cf. Isabel BECEIRO PITA, “Las negociaciones entre Castilla y Portugal en 1399”, op. cit.; IDEM, “La consolidación del perso nal diplomático entre Castilla y Portugal (1392 -

1455), in La Península Ibérica en la Era de los Descubrimientos, 1 391 -1445. Actas de las III

Jornadas Hispano -Portuguesas de História Medieval , Sevilha, 1997, vol. 2, pp. 1735 -1744. 344 A autora refere a existe ncia de varios especialistas que, “a partir de la segunda

mitad del X IV, conocem con anterioridad, directa ou indirectamente, el objecto de la embajada y, además, extienden su actividad a asuntos internos o exteriores ligados a él” (“Las negociaciones ent re Castilla y Portugal … “, op. cit., p. 150.

345 Sobre a escolha criteriosa dos titulares das embaixadas, consulte -se Pau CATEURA

BENNÁSSER, “ Negociar la paz en el siglo XIV”, in A guerra e a sociedade na Idade Média.

Funções Assunto Interven ientes De rep resentação Próprio ou comu m

dos re inos

Correio s Mensa geiros Procu radores Embaixado res De arb itra gem Respeitante a outros

reinos (ou não )

Mediado res “Terceiros” Juízes á rbitros Derivadas d a nature za militar e territo ria l de um tratado Operacionalização de tratados Mandatários Vinculada s a Aliança s matrimonia is Aliança s Matrimonia is

Procu radores e gesto res de dispensas de casa mento

De chance laria Escrivão ou se cretá rio da

delega ção (ou do reino visitado)

De solenização e ratifica ção d o acordo

Prota gonistas de ju ramentos Testemunhas e confirmantes

De cará cter

protocola r e púb lico

Corte sãos, oficiais,

elementos nobiliárquico s e guerre iro s mais destacados do séqu ito

Já outros autores se tinham dedicado especificamente às funções de representa ção e à discrim inação dos seus inte rven ientes.

Donald E. QUELLER fez a d istinção e ntre núncios ( nunciis ), entend idos como mensage iros que tran smitem oralmente as informações e se constitu em como meros ve ícu los de informação; procu radore s ou plenipotenciários que assumem qualidad es de repre sentantes diplomá ticos, d ispondo de autorid ade plena para concluir e fechar negociações; embaixadores no sentido de algu ém que é en viado numa missão346.

Também Pierre CHAPELAIS estabeleceu as diferenças entre núncios e procurado res acrescentando que os termos nunciis sole mpn es e ambassiato ris sole mpne s se ap licam a altos dign itários laicos e e clesiá stico s347.

As mesmas diferenciações são re ite ra das por PEQUIGNOT. Contudo, o autor salienta que apenas nos escritos juríd ico s estes vá rios e statutos se encontram discriminados sendo difícil, com base noutro tipo de documentação, definir a que títu lo está a actuar o embaixador348. Com efeito,

nem sempre se sabe exactamente qu ando os emissário s agem na qualida de de núncios349, procuradores350 ou mandatários351. Por outro la do, ainda que o

346 The Office of Ambassador in the Middle Ages , Princeto n, Princeton University

Press, 19679. Cf. tam bém John FERGUSON, English Diplomacy, 1422 -1461, Oxford, 1972.

347 English diplomatic pr actice in the Middle Ages , Londres e Nova Iorque, Cambridge

University Press, 2003 (1º ed. Patrice, Londres, 1982, pp. 153 -155.

348 Cf. Stéphane PÉQUIGNOT, Au nom du roi – pratique diplomatique et pouvoir dur ant le règne de Jacques d’Aragon (1291 -1327), op. cit. , pp. 173-174.

349 Em 1377, Pedro Cavaleiro e Lourenço Anes Fogaça, designados po r ambaxiatores et nuncij, recebem do papa Gregório XI a bula Accedit nobis para D. Fernando. Ao surgirem

como nuncij, estes indivíduos, à luz do direito canónico, não possuem personalidade jurídica, enquanto q ue o termo ambaxiatores lhes confere um estatuto de prestígio ( Cf.

Monumenta Henricina , Volumes I, op. cit. documento 107, p. 254) .

350 Quanto a procuradores ou gestores de dispensas de casamento, aparecem

nosso conhecimento se possa cin gir aos a spectos p rotoco lares de u ma embaixada, outra s funções terão sido desempenhadas pelos seus membros352.

alianças matrimoniais. É o caso do casamento de D. Beatriz, filha natural de D. João I, com o conde de Arundel. As cláusulas deste co ntrato são negociadas em Inglaterrra por João Vasques de Almada e Martim do Sem. A co mit iva portuguesa que acompanha, em 1405, D. Beatriz estabelecerá depois em Inglaterra a formalização jurídica do contrato, através de plenos poderes co ncedidos por D. João I ao s seus embaixadores.

Salientem -se as deslocações de Álvaro Gonçalves de Abreu em 1 423 e 1428, para conseguir estabelecer a possibilidade de m atrimónio da infanta D. Isabel e o duque de Borgonha Filipe, o Belo. Este propósito será somente concretizado em 1429 com a vinda a Portugal de uma embaixada do duque Filipe, o Bom. A duquesa de Bo rgonha levará na sua comitiva embaixadores com poderes para selar em Bruges as cláusulas deste matrimónio.

Também no caso dos casamentos do infante D. Duarte com D. Leonor, e do infante D. Pedro com D. Isabel, os contratos m atrimoniais são tratados, com Ar agão, por embaixadores diferentes, com estatuto de procuradores.

351 Será o caso dos elem entos que actuam nas importantes reuniões ocorridas entre

as delegações portuguesa e castelhana sempre em locais de fronteira. Pela especificidade do assunto, estão sem pre presentes altos dignitários militares, como o condestável Nuno Álvares Pereira e o marechal da hoste Álvaro Gonçaves Camelo, por Portugal, o mesmo acontecendo pelo lado castelhano. A discussão de tréguas conduz à nomeação de juizes que estabelecem as c ondições de suspensão de conflitos e, ao mesmo tempo, tratam da devolução de terras e da libertação de prisioneiros. Acresce ainda a situação de poderem existir reféns de ambas as partes para garantir a validade do acordo. Estas delegaçõ es podem assumir o papel de juizes árbitros ou de mandatários caso se trate de operacionalizar as tréguas.

Martim do Sem, um dos embaixadores po rtugueses a Castela, tem de regressar a Portugal para consultar D. João I. Pressupomos que este douto r possuía poderes co mo procurador, mas não dispunha de plena capacidade de negociação

352 Nas relações do reino com a Cúria romana apontamos as missões de caráter

protocolar, que correspondem às embaixadas de obediência aos papas João XXIII, em 1410, e Martinho V, em 1418, por Sebastião de M eneses, e em 1455 ao papa Calisto III por L uís Gonçalves Malafaia.

Por fim, sabe -se o s típicos e lementos que constitu íam u ma delega ção, pod em ser sub stitu ído s de acordo com os de stinatário s353.

Optámos por incluir a sistematiza ção sobre rela ções diplomáticas apresentada por Isabel BECEIRO PITA e por referir as distin ções que a histo rio grafia esta belece entre em issário s ré gios e xte rnos, na medida em essas cate goriza ções podem influir directam ente no universo de indivíd uos que vamos obse rva r. Assim, ana lisar como um todo uniforme os vários agentes en vo lvidos na diplomacia, co m estatutos diferentes, pode influenciar as conclusões.

353 Neste sentido Roser SALICRÚ I LLUCH afirma que a historiografia assume o facto de

as embaixadas solenes serem compostas por um nobre, um eclesiástico e um letrado, e que o domínio de saberes especializados constitui um elemento fundamental para a sua composição. Porém, nas relações entre poderes cristãos e muçulmanos este paradigma não se verifica, pois o que emerge é o conhecimento e a proxim idade do “outro”. Este princípio de alterid ade requer uma necessidade de recrutamento mais cuidado e específico para cada ocasião, uma vez que os embaixadores se fazem acompanhar de emissários, tradutores e notários (“ La diplomacia y las embajadas como expresión de los contactos interculturales ent re cristianos y musulmanes en el Mediterráneo occidental durante la Baja Edad Media” , Estudios de Historia de España , 9 (2007), pp. 7 7 -80, http://digital.csic.es/bitstream/1 0261/7705/1/art%20Roser -pub-pdf.pdf.) Da mesma autora veja-se o estudo “La treva de 1418 amb Granada: la recuperació de la tradició catalanoaragonesa”, Anuar io de Estudios M edievales , 27, 1997, pp. 989 -1019 - Disponível em

http://estudiosmediev ales.revistas.csic.es/index.php/estudiosmedievales/article/viewFile/ 630/641. Registamos também o estudo de Juan Francisco JIMENÉZ ALCÁZAR "Relaciones interterritoriales en el sureste de la Peninsula Ibérica durante la baja Edad Media: cartas, mensajeros y ciudades en la frontera de Granada”, Anuario de Estudios Medievales , 40/2,

2010, pp. 562 -602 – Disponível em -

http://estudiosmediev ales.revistas.csic.es/index.php/estudiosmedievales/article/viewFile/ 316/320, onde considera que nas relações entre reinos cristãos e muçulmanos o enfoque diplomático residia na escolha dos mediadores, por possuírem características específicas de comunicação . Deste modo, o sucesso ou insucesso das missões diplomáticas estava na capacidade maximizar a sua capacidade de ação, pois ao estabelecer o primeiro passo no processo de aproximação, abriam depois caminho a ulteriores contactos.